Na pele de um caçador de sonhos e metais nas ruas de Díli

O ganho diário raramente ultrapassa os 5 dólares, e há dias em que volta para casa de “mãos a abanar” /Foto: Diligente

Jacinto dos Reis, caçador de alumínio nas ruas de Díli, luta diariamente para sustentar a família com um trabalho duro e pouco valorizado. Em jornadas que começam antes do amanhecer e terminam à noite, enfrenta a precariedade e o abandono, numa batalha pela sobrevivência que expõe as dificuldades dos trabalhadores informais em Timor-Leste.

Há mais de 16 anos, Jacinto dos Reis percorre as ruas e de Díli em busca de latas e ferro para sustentar os cinco filhos e a esposa. Todos os dias, este homem de 49 anos sai de casa antes do amanhecer, enquanto a cidade ainda dorme, empurrando o seu carrinho de mão. Com determinação, explora cada canto e vasculha o lixo, recolhendo o que consegue, numa luta incansável pela sobrevivência.

Em 2008, migrou de Bobonaro para a capital em busca de melhores oportunidades. Mas a realidade foi mais dura do que esperava. Desde então, todos os dias, sem exceção, sai de casa às 6h da manhã, na pequena comunidade de Tasi Tolu, e segue até Colmera, onde espera encontrar algum material. Depois de recolher o máximo que consegue, vai a Pala Paço, pesar o que juntou, e só volta para casa à noite, muitas vezes já perto das 22h.

Apesar do esforço diário, a vida continua difícil. “É mais duro do que imaginei”, confessa. O ganho diário raramente ultrapassa os 5 dólares, e há dias em que volta para casa de “mãos a abanar”. “Se saio um pouco mais tarde, não encontro nada, porque não sou o único a fazer este trabalho”, desabafa.

A situação piorou após o casamento e o nascimento dos filhos. Hoje, a família vive numa modesta pensão de apenas 5×5 metros, pela qual paga 30 dólares mensais. “Tenho sorte com o meu senhorio, que tem um bom coração. Se não consigo pagar, ele deixa-me fazê-lo mais tarde.”

Ainda assim, as dificuldades são constantes. O filho mais velho teve de abandonar a escola secundária por falta de recursos. Dois dos seus filhos ainda estão na escola básica, e os dois mais novos ainda não têm idade para estudar.

Durante o dia de trabalho, Jacinto sente o peso do trabalho físico e das privações. Nos seus longos dias de recolha, sobrevive apenas com água. Almoçar é um luxo que não se pode permitir. Nos dias em que o rendimento não chega para comprar comida, pede emprestado a amigos para garantir o jantar da família.

Quando os filhos saem para a escola de manhã, tenta dar-lhes 25 centavos para as despesas, mas muitas vezes não tem e recorre à boa vontade de amigos e vizinhos. “Já estou habituado a passar fome”, admite. “Mas não quero que a minha mulher e os meus filhos passem pelo mesmo.”

Segundo o Índice de Pobreza Multidimensional (MPI, em inglês), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado, cerca de 42% dos 1,3 milhões de habitantes de Timor-Leste encontram-se em situação de vulnerabilidade social. O documento indica ainda que 24% da população sobrevive com menos de 2,15 dólares por dia.

Com o alumínio a valer apenas 0,40 centavos por quilo e o ferro a meros 0,05 centavos, o esforço de Jacinto é imenso para recolher grandes quantidades e garantir o sustento da sua família. “O alumínio rende mais, mas é raro. Já o ferro, além de ser pesado, vale muito pouco”.

Apesar disso, adapta-se ao que encontra. “É difícil empurrar o carrinho carregado de ferro, mas não tenho outra opção”, diz, com um olhar resignado.

A luta de Jacinto não é apenas contra a pobreza, mas também contra a falta de políticas públicas que valorizem trabalhadores informais como ele. “Todos os governos pareceram bons”, comenta pragmaticamente. “Quando há mudanças no governo, surgem projetos, o que significa mais desperdício e mais oportunidades para mim”.

De acordo com um relatório do Banco Mundial, divulgado este ano, apenas 30% da população em idade laboral (cerca de 234 mil pessoas) está empregada formalmente, ou seja, com algum tipo de contrato de trabalho.

Questionado sobre o que o governo poderia fazer para ajudar pessoas na sua situação, a resposta vem com um toque de ironia: “Organizem uma grande festa, com muitas bebidas em lata para recolhermos. E que nos deem motas de três rodas para facilitar a recolha”. A sua esperança, embora modesta, é o reflexo de um homem humilde, que mesmo enfrentando uma realidade implacável, continua a lutar pela dignidade e pela sobrevivência da sua família.

A história de Jacinto dos Reis, um migrante à procura de uma vida melhor, é um retrato da resiliência de tantos que, como ele, carregam o peso do futuro nas costas, todos os dias, em silêncio.

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