José de Araújo tem 30 anos, uma deficiência física e uma vontade inabalável de vencer. Com a sua bicicleta de três rodas, percorre diariamente as ruas de Díli a engraxar e consertar sapatos. Recusa viver da caridade e luta todos os dias pelo seu sustento com dignidade.
Todos os dias, José de Araújo pedala pelas ruas de Díli com uma missão: ganhar a vida a engraxar e consertar sapatos. Aos 30 anos, recusa viver da caridade e luta com coragem e determinação para conquistar o seu sustento. É o mais novo de doze irmãos, nasceu com uma deficiência física, mas nunca perdeu a vontade de ser independente — nem a esperança de construir um futuro melhor para si e para os pais.
O relógio marca dez da manhã. As motas e os carros atravessam apressados a estrada em direção a Caicoli. No meio do movimento, surge uma bicicleta de três rodas. No assento, vai José de Araújo, carregado de sapatos e de força de vontade. O jovem, natural de Viqueque, vive atualmente em Camea, Becora, e percorre todos os dias vários bairros de Díli, das 8h às 18h, à procura de quem precise dos seus serviços de sapateiro ambulante.
José é o único dos 12 irmãos com deficiência física. Conta que teve uma infância saudável, mas aos três anos começou a ter febres altas. Os pais levaram-no ao hospital e, segundo acredita, o medicamento administrado na altura poderá ter causado a sua condição. Tentaram depois tratamentos tradicionais, mas sem sucesso. Desde então, convive com as limitações, mas nunca com o desânimo. “Eu sinto-me feliz e satisfeito. Não guardo mágoas de ninguém. Aproveito a vida que tenho”, afirma com serenidade.
Não se deixou abater pelo estigma nem pela discriminação. Pelo contrário: fez dos preconceitos alheios combustível para continuar. “Alguns diziam que eu nunca conseguiria estudar, mas com esforço e com o que ganhei neste trabalho, consegui formar-me.” Em 2024, concluiu o curso no Departamento de Direito da Deficiência do Instituto de Tecnologia de Díli (DIT, sigla em inglês).
Foi na escola padre Andrade, em Aimutin, que aprendeu a engraxar sapatos, durante uma formação de três anos. Depois de terminar os estudos, decidiu apostar naquilo que sabia fazer bem. Desde então, é com essa habilidade e com as próprias mãos que constrói o seu sustento. Nunca recebeu apoios: “Comprei todo o material com o meu próprio dinheiro. Um rolo de algodão custa um dólar, uso-o para engraxar sapatos e cobro dois dólares.”
Por cada par de sapatos — masculinos ou femininos — cobra dois dólares. Para botas, o preço sobe para cinco, já que exige graxa e couro mais resistentes. Há dias em que arrecada apenas quatro dólares, noutros consegue dez. “Nunca quis ficar à espera que alguém me ajudasse. Quero mostrar à sociedade que nós, pessoas com deficiência, também somos capazes de trabalhar.”
José recebe um subsídio do Estado de 180 dólares, de três em três meses, mas afirma que isso não chega. “Não posso depender só disso. Preciso de sabão, detergente, outras necessidades do dia a dia. Por isso, aprendi a procurar os meus próprios meios.”
Defende que o Governo não pode olhar apenas para casos individuais, mas deve criar condições para que todas as pessoas com deficiência possam viver com dignidade. Um dos grandes obstáculos, aponta, é a falta de acessibilidade. Os bairros onde trabalha muitas vezes não têm condições para ele circular com a bicicleta. “Alguns motoristas andam com muita velocidade e quase nos atropelam. Por isso, andamos por caminhos mais estreitos, mais difíceis.”
Pede ao Governo que construa vias seguras e espaços próprios para pessoas com deficiência poderem exercer as suas atividades. “O Governo proibiu agora que se trabalhe na berma da estrada. Eu preciso de um local fixo, sossegado, onde possa prestar os meus serviços com segurança. Caminhar neste calor, com chuva e em ruas cheias de poeira, afeta muito o meu trabalho.”
Quando sente fome, conta com o apoio de amigos que vendem arroz na rua. “Como ali e pago no fim do mês. Eles conhecem-me e compreendem a minha situação.”
Com o dinheiro que tem conseguido juntar, já comprou 50 chapas de zinco para construir uma casa para os pais. Faltam o cimento, a areia, o alumínio. “Estou a esforçar-me para comprar o resto dos materiais. Quero que os meus pais sintam orgulho do resultado do meu trabalho.”
De sorriso fácil e voz firme, José deixa ainda uma mensagem aos jovens: “Aproveitem as vossas habilidades para ganhar dinheiro. Não fiquem só à espera da ajuda dos outros. Isso só vos ensina a ter preguiça de trabalhar.”
Em Timor-Leste, de acordo com o Censo de 2022, existem 17 061 pessoas com deficiência — 8517 homens e 8544 mulheres. Mas nem todas têm a mesma oportunidade ou força para se levantar todos os dias e pedalar contra as dificuldades, como faz José de Araújo.