Apesar das críticas que enfrentou, sobretudo após criar uma obra com a mensagem “a vagina não é uma máquina para produzir filhos”, Mónica Ximenes continua a produzir arte e a expandir o seu trabalho em defesa da liberdade individual.
A pintura e a tatuagem são os dois mundos criativos de Mónica Albertina Ximenes, de 28 anos, unidos como instrumentos de transformação social. Formada em Saúde Pública pela Universidade de Díli (UNDIL) em 2022, Mónica acredita que a arte é uma forma de expressar, denunciar e também curar.
Muitas vezes, a sua aparência gerava equívocos sobre o seu percurso académico. “Alguns achavam que eu frequentava um curso técnico. Mas, na verdade, estudei Saúde Pública, uma área que se relaciona com o trabalho de tatuagem, porque também exige procedimentos semelhantes aos da cirurgia. Por isso, é fundamental ter conhecimentos sobre higiene”, explicou.
O interesse artístico começou cedo, incentivado pela irmã, quando ainda adolescente ingressou na Arte Moris (Escola de Arte). A ligação com esta comunidade artística foi determinante: entre 2015 e 2019, Mónica viveu no espaço da Arte Moris, em Comoro, onde aprofundou a sua experimentação visual e a liberdade criativa.
Durante esse período, criou a sua primeira pintura, retratando a mãe a cozinhar. “Como vivíamos separados — os meus pais em Baucau e nós em Díli —, tinha muitas saudades da comida da minha mãe. Essa saudade inspirou-me a fazer essa obra. Guardei a pintura em casa como recordação do esforço dela e do seu significado. Foi uma história marcante”, recordou.
Após o encerramento forçado da Arte Moris em 2022, por decisão governamental, Mónica passou a produzir obras individuais, quase sempre ligadas a acontecimentos sociais. Desde o ano passado, dedica-se a uma peça inspirada nos despejos administrativos em Bidau, sobretudo no caso de uma mulher obrigada a abandonar a casa após dar à luz. “Leva tempo a terminar, porque surgem muitas perguntas sobre o significado da obra”, afirmou.
Entre telas e denúncias: a força de pintar o que muitos silenciam
Mónica já participou em vários eventos e concursos. O primeiro foi em 2019, no Museu da Resistência Timorense, com uma pintura sobre uma mulher da resistência, que adaptou recentemente para outro concurso promovido pela Fundação Oriente. A obra retrata o sacrifício das mulheres, usando o seu corpo para salvar o país e a família.
“Pintei-a nua, com um cesto na cabeça e uma vela, que simboliza a luta das mulheres. Acrescentei sete mãos, representando o 7 de dezembro, início da guerra. Algumas mãos seguram armas, livros e outros elementos. O roxo representa as mulheres que perderam os maridos e continuam a lutar para que o Governo reconheça os seus direitos. Algumas tiveram filhos com militares e, mesmo após a independência, continuam a ser alvo de julgamentos”, relatou.
Em 2022, ficou em terceiro lugar numa competição promovida pelo Novo Turismo, em nome do grupo Buibere Nia Riska. “Essa competição marcou-me especialmente, porque era uma concorrente jovem e, mesmo assim, consegui conquistar um prémio”, recordou com satisfação.
O ano de 2024 trouxe o maior desafio da sua carreira artística. Uma das suas obras viralizou nas redes sociais: uma imagem com a mensagem “a vagina não é uma máquina para produzir filhos”, criada para o evento Pride. “A ideia foi pensada em equipa, mas fui eu que pintei. Foi a primeira vez que enfrentei este tipo de problema. Fiquei em pânico. Recebi insultos, bullying e palavrões nas redes sociais. Essa pressão fez-me pensar em fazer uma pausa na arte”, confessou.
Contudo, não recuou. Recuperou forças, refletiu sobre o sistema patriarcal timorense e reafirmou o propósito da sua obra. “O órgão genital da mulher serve para dar à luz, sim, mas rejeitamos o sistema que nos impõe isso. Muita gente não pensou além da imagem, apenas olhou para o órgão e fez comentários absurdos”, afirmou com firmeza.
Sobre o poder da arte, Mónica acredita que “a arte pode mudar comportamentos. Se dissermos às pessoas para não deitarem lixo no chão, nem todos entendem. Mas, se pintarmos essa mensagem, conseguimos tocar quem nos vê.”
Apesar disso, lamentou que a arte ainda seja pouco valorizada em Timor-Leste. “Muitas vezes pedem-nos que ofereçamos os nossos quadros, sem reconhecer o valor do nosso trabalho, e até os estragam”, lamentou.
Atualmente, prepara-se para um novo passo: a sua primeira exposição individual, prevista para outubro deste ano. Deixa também uma mensagem aos jovens artistas: “Continuem a pintar. Não desanimem nem se sintam inseguros. A pintura não é apenas a qualidade visual, mas também o conceito e o significado.”
Mónica também se dedica à arte mural, utilizando paredes públicas para transmitir mensagens. “Recentemente, fui convidada a realizar uma pintura em Dare, dedicada às mulheres resistentes, para dar a conhecer a luta das mulheres durante a ocupação indonésia”, partilhou.
Tatuar para romper preconceitos: uma mulher que inscreve liberdade no corpo

Além da pintura, Mónica dedica-se à tatuagem — a sua segunda paixão. O contacto com esta arte começou em 2014, antes de entrar na Arte Moris, quando começou a tatuar o próprio corpo com símbolos. “No início, escondia as tatuagens, porque a sociedade dizia que uma mulher com marcas no corpo não era boa pessoa”, recordou.
Iniciou a profissão de tatuadora em 2022, enfrentando resistência, sobretudo da família, preocupada com a imagem social. Mas essas críticas fortaleceram-na. “Essa resistência deu-me força para me afirmar. Aprendi com colegas, experimentei técnicas em amigos e familiares.” Hoje, é fundadora do seu próprio estúdio, o Art Noko’ Tattoo Rau, em Becora.
Em 2023, criou também uma página no Facebook, onde divulga o seu trabalho e atrai novos clientes. “Tatuar é como pintar. Tudo é arte. A diferença é que pintamos nos corpos”, explicou.
“Em Timor-Leste, não dispomos de materiais adequados nem realizamos exames prévios como acontece noutros países. Por isso, perguntamos sempre diretamente aos clientes sobre eventuais doenças e utilizamos uma agulha nova para cada pessoa”, lamenta, sublinhando a sua preocupação com as exigências de higiene. A formação em Saúde Pública reforçou o seu cuidado com as práticas sanitárias e a sua consciência dos riscos invisíveis associados à profissão.
As suas próprias tatuagens carregam significados pessoais. “Tatuei uma borboleta porque gosto da noite — é o tempo mais calmo. A borboleta simboliza as mulheres noturnas. E tatuei folhas de árvores porque adoro a natureza”, explicou.
Além do estúdio, oferece os seus serviços no espaço Kios Matenek aos domingos, a preços acessíveis. Para Mónica, a tatuagem deve ser respeitada como forma legítima de expressão. “As pessoas julgam o corpo da mulher como se ela fosse um objeto. Mas o corpo também é um território de luta contra as injustiças.”
“Ela desafia preconceitos”: o olhar de quem vê a arte como um ato de coragem
Para Jorgita de Valença, amiga e colega de Mónica, a jovem artista destaca-se pela criatividade e pelo olhar crítico sobre temas sociais. “A Mónica começou como pintora, participando em várias exposições e concursos nacionais, e em 2024 esteve no Díli Tattoo Festival, um evento dominado por homens, onde a sua presença foi um verdadeiro ato de coragem”, descreveu.
Desde o início, enfrentou obstáculos pelo simples facto de ser uma mulher livre e crítica num meio ainda conservador. “Ela desafia preconceitos e prova que a arte é uma forma legítima de expressão”, acrescentou Jorgita.
Para a amiga, o percurso de Mónica é mais do que uma conquista individual. “A Mónica inspira-nos e mostra que a arte pode transformar mentalidades. A minha mensagem para ela é: continua a lutar, porque estás a fazer a diferença.”
Parabens e votos de grande sucesso. Es uma lufada de ar fresco!