Mari Alkatiri: “Vinte e dois anos depois da restauração da independência encontramo-nos completamente sem rumo”

“Eu sou o pai do Fundo Petrolífero”/Foto: Diligente

Em conversa com o Diligente, o ex-primeiro ministro (duas vezes) e atual secretário-geral da FRETILIN refletiu sobre a situação política e socioeconómica de Timor-Leste, dizendo estar preparado para “assumir os erros” e rejeitando uma nova candidatura para chefe de Estado ou do Governo.

Mari Bin Amude Alkatiri nasceu a 26 de novembro de 1949, em Díli. Cresceu num ambiente marcado pela resistência contra a ocupação estrangeira e pelo desejo de autodeterminação do seu povo. Envolvido nos movimentos pela independência de Timor-Leste, ajudou a fundar a Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), em setembro de 1974 – sendo, atualmente, o único membro fundador ainda vivo a desempenhar funções no partido.

Durante a invasão indonésia, em dezembro de 1975, Mari Alkatiri foi “obrigado”, a pedido de Nicolau Lobato, a exilar-se em Moçambique, onde continuou a sua atividade política, tendo conseguido formar-se em Direito. No país africano, constituiu família e desempenhou um papel crucial na mobilização de apoio internacional para a luta pela independência timorense.

De origem muçulmana (com parte da família vinda do Iémen), Mari Alkatiri regressou a Timor-Leste logo após o referendo popular, a 30 de agosto de 1999, momento em que mais de 70% da população votou pela independência do país em relação à Indonésia.

Desempenhou funções (ministro chefe e ministro da Economia e Desenvolvimento) durante o governo transitório das Nações Unidas (1999 a 2002) e, após a restauração da independência, a 20 de maio de 2002, tornou-se primeiro-ministro de Timor-Leste – cargo que ocupou até 2006, tendo saído a meio de uma crise político-militar.

Apesar de ser acusado por algumas pessoas de má gestão e autoritarismo, Mari Alkatiri continuou ativo na política. Entre 2014 e 2019, foi presidente da Região Administrativa Especial de Oé-Cusse-Ambeno (RAEOA), tendo investido na construção de um aeroporto e de várias infraestruturas. Foi durante a sua gestão que a administração do navio Haksolok – empreendimento no qual já foram gastos cerca de 28 milhões de dólares de Timor-Leste e que continua sem previsão de conclusão – passou a ser competência da RAEOA.

Em setembro de 2017, voltou a ser primeiro-ministro de Timor-Leste, ficando no poder por 280 dias (VII Governo Constitucional), dando lugar a Taur Matan Ruak (VIII Governo Constitucional). Atualmente, Mari Alkatiri é secretário-geral da FRETILIN.

Em conversa com o Diligente, Mari Alkatiri, que rejeita a denominação de “líder histórico”, enfatiza a idoneidade nas contas públicas na RAEOA – comprovada, segundo ele, através de auditorias. Afirma ser o “pai do Fundo Petrolífero” e demonstra preocupação quanto a um possível esgotamento do recurso.

Também expressa ceticismo quanto ao funcionamento dos campos de gás e petróleo condensado – Greater Sunrise. Diz estar disposto a assumir os erros cometidos, reflete sobre a situação socioeconómica de Timor-Leste e fala de sua relação com o atual primeiro-ministro timorense e rival político, Xanana Gusmão.

Quais são os principais marcos históricos que a FRETILIN celebra neste 50.º aniversário da transformação da ASDT em FRETILIN?

Não é transformação, mas é dissolução da ASDT e criação da FRETILIN. A ASDT era uma associação, não era um partido. Nunca teve hino, nem bandeira. Era uma organização embrionária a preparar as condições para criar, na altura – apesar de não haver invasão –, um partido político. Mas, como já tinha acontecido a invasão e na fronteira havia agressões, decidimos criar uma frente para poder, de certa forma, representar todo o povo. Uma associação só representa os associados. A data de fundação da FRETILIN e dissolução da ASDT é 11 de setembro. Para comemorar, a FRETILIN vai fazer, até ao dia 31 de dezembro deste ano, um processo de reinscrição dos membros do partido e de reorganização da base até ao topo.

“Quando participei na fundação da FRETILIN, não esperava estar vivo para comemorar os 50 anos do partido. Se tivesse ficado cá, tenho a certeza de que não estaria vivo. O meu camarada Nicolau Lobato praticamente obrigou-me a sair, dizendo que “um de nós tinha de estar fora”. Só tenho a agradecer por estar vivo graças à decisão de Nicolau Lobato, porque se tivesse sido outra pessoa a pedir, não teria cumprido a ordem”

Eu sou o único fundador sobrevivente [a continuar a desempenhar funções na FRETILIN], porque não estive cá dentro [em Timor-Leste]. Quando participei na fundação da FRETILIN, não esperava estar vivo para comemorar os 50 anos do partido. Se tivesse ficado cá, tenho a certeza de que não estaria vivo. O meu camarada Nicolau Lobato praticamente obrigou-me a sair, dizendo que “um de nós tinha de estar fora”. Só tenho de lhe agradecer por estar vivo, porque, se tivesse sido outra pessoa a pedir, não teria cumprido a ordem.

Eu disse a Nicolau Lobato: “Estamos juntos, continuamos juntos e vamos morrer juntos”. E ele disse: “Não! Isso é que não pode acontecer.” Eu saí para liderar o início dos trabalhos na componente externa. As pessoas falam em frente externa, mas eu não concordo com esse conceito. A frente era única, a FRETILIN tinha componentes – externa, interna e, a partir de 1979, clandestina. Foi essa frente única que determinou a vitória e a nossa libertação. Pessoalmente, [celebrar o aniversário da criação da FRETILIN] é muito emocionante, por duas razões: por continuar vivo depois de 50 anos e por ter o peso daqueles que morreram nos meus ombros.

Como é que a FRETILIN conseguiu em pouco tempo mobilizar e unir o povo à volta do ideal da independência? Que trabalhos específicos foram desenvolvidos?

A entrega é total. As pessoas que eram funcionárias deixaram os seus trabalhos para ficar com o povo. Alguns estudantes que estavam em Portugal voltaram para cá sem terminar os cursos. Então, criámos duas brigadas. Era para nascer uma terceira. A primeira é a Aisirimou, em Aileu, e foi o centro do início desse trabalho. Pensámos na alfabetização e demos formação, usando o método Paulo Freire, na altura. Pedi pequenas canalizações de água para a população, para ajudar a trabalhar melhor a horta. Foi isso que se fez. Realmente, o povo acabou por ver que “esses são os nossos filhos”. O povo, para acreditar, tem de assumir que todos são filhos do povo. Se tu te apresentas como pai do povo, o povo pode ter medo de ti, não te apoia. Tens de te apresentar como filho do povo. Eu vivo com o povo. Não é viver apenas quando se precisa. Não é ir chorar junto do povo.

Outra brigada foi criada em Bucoli (Baucau). E a terceira iria nascer na zona fronteiriça. Só que a guerra [conflitos entre integrantes de diferentes grupos políticos em Timor-Leste, entre 1974 e 1975], na altura, não permitiu. Mesmo com tantas manipulações, ainda tivemos 178 mil votos, no contexto timorense. Significa que há um núcleo duro, resistente e resiliente.

Se aceitasse, a FRETILIN seria a união da ASDT e da União Democrática Timorense (UDT)?

O que a ASDT pretendia era juntar os dois, formar uma frente. Fizemos a proposta à UDT, mas não foi aceite e nós não podíamos esperar mais. Já havia reivindicações por parte da Indonésia, afirmando que Timor-Leste lhe pertencia. Havia uma associação que nasceu para defender a integração à Indonésia, era uma situação política muito complexa e nós tínhamos de afirmar: independência ou morte, venceremos. Mesmo se eu tivesse, naquela altura, 50 anos, se calhar não teria tido coragem de o fazer. A juventude é generosa. Entrega-se. Estamos a ver agora a atual luta no plano internacional, em relação ao Médio Oriente. É uma revolução internacional feita por jovens.

“Podíamos estar já muito mais próximos da ‘libertação do povo’ se as governações tivessem sido boas. Recursos não faltavam. (…) Pensávamos que todos lutámos, todos queremos o melhor para o povo e não íamos cegar pelo dinheiro. Infelizmente, o dinheiro cega: primeiro o cérebro, depois os olhos para não ver o sofrimento e os ouvidos para não ouvirem os choros”

Qual é a visão da FRETILIN para os próximos 50 anos?

A FRETILIN liderou o processo de libertação da pátria. Podíamos estar já muito mais próximos da “libertação do povo”, se as governações tivessem sido boas. Recursos não faltavam. A FRETILIN, mesmo não estando no poder, nunca criou obstáculos ao exercício da governação, porque pensávamos “todos lutámos, todos queremos o melhor para o povo”, e não iríamos ficar cegos pelo dinheiro. Infelizmente, o dinheiro cega: primeiro o cérebro, depois os olhos, para não ver o sofrimento, e os ouvidos, para não ouvirem os choros. Esta é a realidade. Agora estamos perante uma situação extremamente difícil, temos um precipício fiscal à nossa frente. E continuamos a ter despesas completamente loucas, sem resultados palpáveis. E querem destruir tudo aquilo que foi feito com resultados.

“Quando as pessoas falam que é preciso fazer investimento estratégico, eu rio-me, porque olho para o orçamento reservado para a educação e saúde. Essas áreas é que são investimento estratégico. Nenhum país pode sobreviver sem uma educação de qualidade e uma saúde para todos. Agora, a saúde está horrível. A educação piora. Fazem parar milhares de professores e as salas estão vazias. Isto é autoflagelação”

Quais são as principais falhas nas governações que se sucederam em Timor-Leste, na sua opinião?

Usa-se bastante dinheiro. Explora-se a pobreza do povo. Não se pensa em como tirar o povo da pobreza. Quer-se manter o povo na pobreza para se poder usar, no momento certo, essa pobreza para o controlar. São os líderes que fazem isso. Quando as pessoas falam que é preciso fazer investimento estratégico, eu rio-me, porque olho para o orçamento reservado para a educação e saúde. Essas áreas é que são investimento estratégico. Nenhum país pode sobreviver sem uma educação de qualidade e uma saúde para todos. Agora, a saúde está horrível. A educação piora. Fazem parar milhares de professores e as salas estão vazias. Isto é autoflagelação. Quem faz isso é porque já não quer mais viver.

“Os meus camaradas dizem que é preciso encontrar um entendimento entre nós [Mari Alkatiri e o primeiro-ministro, líder do CNRT, Xanana Gusmão]. Entendimento como? Eu vejo o futuro de uma forma e ele vê de outra forma. Como é que nos vamos entender?”

Por isso, os meus camaradas dizem que é preciso encontrar um entendimento entre nós [Mari Alkatiri e o primeiro-ministro, líder do CNRT, Xanana Gusmão]. Entendimento como? Eu vejo o futuro de uma forma e ele vê de outra. Como é que nos vamos entender? Já nos entendemos uma vez. Então fui a Oé-Cusse, desenvolvi aquela zona. Oé-Cusse tornou-se num mau exemplo, porque se desenvolveu. Se podemos fazer melhores estradas a metade do preço, melhores infraestruturas a metade do preço, com mais qualidade, a um preço menor e com qualidade superior, parece que se torna num mau exemplo. Com o Oé-Cusse, ganhei as eleições [2017, VII Governo Constitucional]. Eu sei perder e sei ganhar. Há pessoas que não gostam de perder. Em democracia, num Estado de direito democrático, deve-se aprender a perder e a aprender com as derrotas, assim como a ganhar e a consolidar o sucesso. Consolidar o sucesso significa, a cada passo da governação, procurar mais legitimidade, maior inclusão. Então, a legitimidade conseguida nas urnas não é suficiente. Há governos de maioria absoluta que já caíram. A maioria não é tudo. O mais importante é que quem governa, governa todo o povo. Não deve discriminar ninguém.

“Metem incompetentes [nos cargos públicos], como é que o Governo pode funcionar? Não há memória institucional”

Quando voltei como primeiro-ministro no VII Governo, sabia quem é que estava à minha volta.  Um ou outro da FRETILIN, mas a maioria era do CNRT ou do PD. Então eu disse: “Antes de entrar no gabinete, deixo a minha cor política em casa. Agora vocês também têm de fazer o mesmo. Aqui somos profissionais, somos servidores do povo.” E fizeram. Não tirei nenhuma pessoa ou discriminei membros do Governo. Agora não. Metem incompetentes [nos cargos públicos], como é que o Governo pode funcionar? Não há memória institucional.

E falando da Região Administrativa Especial de Oé-Cusse Ambeno (RAEOA), há críticas de que os investimentos não deram retorno. Como reage?

O retorno da infraestrutura é sempre indireto. Em qualquer área isolada, a ligação marítima e aérea tem de ser subsidiada. Há mais algum território nosso que seja mais isolado do que Oé-Cusse? Querem que um avião de 19 lugares tenha retorno direto? Impossível. Até em Portugal os voos para a Madeira e Açores continuam a ser subsidiados. Na Austrália, os voos para áreas remotas são subsidiados. Na Indonésia vai-se de Kupang para Bali com 60 dólares, porque é subsidiado.

“Agora aqui [na capital] dizem que o despejo é o ordenamento. É uma grande confusão. Não estou a dizer que não se deve fazer. Deve fazer-se, pode fazer-se, mas ordenadamente. Tirar as pessoas e ter um local para as colocar”

Fui eu que escolhi Oé-Cusse, não fui mandado por ninguém. Se tivesse sido, não ia. Convidaram-me para fazer algo diferente e eu disse que queria Oé-Cusse e Ataúro. Só que Ataúro nunca foi possível, porque pertencia a Díli. A primeira coisa com que me preocupei foi o ordenamento do território. Agora aqui [na capital] dizem que o despejo é o ordenamento. É uma grande confusão. Não estou a dizer que não se deve fazer. Deve fazer-se, pode fazer-se, mas ordenadamente. Tirar as pessoas e ter um local para as colocar. No entanto, agora estão a subsidiar os voos privados, subsídio indireto. Quer dizer, aquilo que é de Oé-Cusse tinha de ser destruído para poder entrar um privado. Havia voos todos os dias. Poderia até, havendo mais passageiros, fazer-se dois ou três voos por dia. E depois, aquele avião só poderia, minimamente, equilibrar a balança de despesas e receitas, se pudesse voar seis horas diárias. São precisos 500 metros de pista de terra batida. Eu pedi para abrirem todos os campos de aviação que existem. Não só o aeroporto. O Governo central nunca o fez, nem justificou. O avião vinha também com todo o equipamento para a evacuação de doentes. O equipamento nunca foi usado, porque não foi necessário.

Quando fui a Oé-Cusse, disse que faria lá uma nova centralidade. Então, conetividade e acessibilidade são fundamentais. Claro que os projetos destinados a Oé-Cusse eram projetos nacionais. Eu assumi para fazer melhor. Só eu podia fazer isto por causa do meu background. Esta é a realidade. Agora muita gente já quer ir para Oé-Cusse. Antes, quem é que queria ir para lá? Quando fui, nem sabia onde ia viver. Fiquei num hotel que nem pensão era, por seis meses. E depois tive de reabilitar um antigo hospital para viver lá.

Agora, sobre o [navio] Haksolok. A solução, eu disse logo: “vou fazer da desgraça uma graça”. Isto foi a desgraça. Até o presidente [José Ramos-Horta], ultimamente, disse que somos vítimas de uma certa empresa [Atlantic Eagle Ship Building, responsável por administrar o estaleiro onde se encontra a embarcação]. Aqui [Administração Central], quem vai assumir a responsabilidade sobre as estradas que não funcionam? 300 milhões de dólares. Alguém se vai responsabilizar por isso? Eu sou o primeiro a querer que o Sunrise [Greater Sunrise, campos de exploração de gás e petróleo condensado a cerca de 140 km ao sul da costa de Timor-Leste] venha o mais rapidamente possível para podermos travar a ameaça de precipício fiscal. Pergunto às pessoas que estão a tratar deste assunto: ainda têm esperança de trazer o Sunrise para cá?

“Eu costumo dizer que não sou líder histórico, porque ainda estou ativo. Não sou histórico. Quero manter a minha atividade para continuar a participar na história”

E depois quando desafiamos [os governantes] para um debate, num encontro entre os principais líderes, ninguém aparece. Algumas pessoas tratam as autoridades como líderes históricos. Eu costumo dizer que não sou líder histórico, porque ainda estou ativo. Quero manter a minha atividade para continuar a participar na história. Depois temos o conceito de liderança nacional. Fui sempre contra isso. Em democracia, os líderes nacionais são eleitos. Continuo com esse título de líder nacional. Estou a dizer isto contra mim próprio. Não estou a atacar ninguém.

“Não há pagamento para compromisso nenhum anterior, incluindo o navio Haksolok. Foram convidados para ir ver [o navio]. Eu continuo emocionalmente ligado a isso. O que se pretende é que o barco não venha para poderem ter uma arma política contra mim. Não vou permitir. Não posso dizer quando é que o barco vai chegar, porque não há dinheiro”

Então está disposto a tentar voltar a ser primeiro-ministro?

Não. A vida sedentária acabou. A obesidade mental é a pior coisa que existe. O corpo ainda pode fazer exercício. A mental instala-se e nunca mais sai.

Porque é que acha que há essa recusa em debater?

Para mim, só se recusa a debater quem sabe que não tem razão. Agora interromperam tudo. Não há pagamento para compromisso nenhum anterior, incluindo o navio Haksolok. Foram convidados para ir ver [o navio]. Eu continuo emocionalmente ligado a isso. O que se pretende é que o barco não venha para poderem ter uma arma política contra mim. Não vou permitir. Não posso dizer quando é que o barco vai chegar, porque não há dinheiro. Não mandam dinheiro. Estavam simplesmente a deixar que a empresa fechasse as portas. Não posso fazer nada em relação a isso. Não posso mexer no dinheiro. Nem gostaria, nem gosto.

“Felizmente que depois dos grandes desastres de 78, 79, apareceu uma figura como o Xanana Gusmão na resistência. Ainda há dias, 20 de maio, eu lembrei isto. Mas ele já teve tempo suficiente para ver que como primeiro-ministro não serve. Ele não gosta que eu fale assim. Como primeiro-ministro, não serve. Já teve tempo demais”

Considera então que os sucessivos governos em Timor-Leste, os seus, inclusivamente, têm mais falhado do que acertado?

Eu costumo dizer que o Estado é uma continuidade. Quem vem governar depois deve assumir duas coisas: o ativo e o passivo. A contabilidade é o ativo. O problema é que quando assumem o ativo, nem sequer mencionam quem o fez. Não há honestidade suficiente para reconhecer. Estamos a gastar dinheiro aqui do Fundo Petrolífero. Quem trouxe esse dinheiro para cá? Eu. Nunca se disse isso. Eu é que trouxe e os outros é que enriquecem. Eu nunca tive tempo sequer de gerir esse dinheiro. Agora, dizemos que ainda temos 17 ou 18 mil milhões de dólares americanos. Quem trouxe? [o dinheiro]. Eu sou o primeiro a dizer: felizmente que depois dos grandes desastres de 78, 79, apareceu uma figura como o Xanana Gusmão na resistência. Ainda há dias, 20 de maio, eu lembrei isto. Mas ele já teve tempo suficiente para ver que como primeiro-ministro não serve. Ele não gosta que eu fale assim. Como primeiro-ministro, não serve. Já teve tempo demais. Ele sozinho já governou 15 anos [a somar as funções exercidas como presidente e primeiro-ministro]. Os mais pobres são mais de 50% da população. Os mais ricos são 3% e tudo o resto é pouco. Há uns mais pobres do que outros, claro. Mas tudo o resto é pouco.

“Eu não costumo falar assim, mas agora estou a falar. Se todos querem negar, eu afirmo: sou o pai do Fundo Petrolífero”

Pode aprofundar um pouco mais sobre a origem do Fundo Petrolífero?

Eu sou o pai do fundo petrolífero. Eu não costumo falar assim, mas agora estou a falar. Se todos querem negar, eu afirmo: sou o pai do Fundo Petrolífero. Antes de o criar, eu vi os sistemas todos de gestão dos recursos não renováveis. Quase no mundo todo. Cheguei à conclusão de que a melhor gestão é a da Noruega. Então, fui lá e fiquei. Passei por todos os seminários no Ministério do Petróleo, na empresa do petróleo, para ver. Depois disse que o fundo é muito bom, mas é para vocês [Noruega], não para nós [Timor-Leste], porque o dinheiro, as receitas [da exploração de petróleo] entram primeiro para o Tesouro e do Tesouro é que se tira, por via do orçamento, para colocar no fundo. Eu disse que isso não serve para Timor-Leste. Então, [em Timor-Leste] as receitas vão diretamente para o fundo. E depois, o Governo teria direito a retirar de lá, praticamente sem justificação, para despesas e despesas correntes, 3%. Todo o resto deveria ser direcionado para investimento com retorno. Fez-se isso? Nada. Tiraram muito mais, muito mais do que 3%, porque dizem que a lei do petróleo, que foi negociada durante dois anos e tal e que passou no Parlamento de 85 membros por unanimidade, pode ser revogada por qualquer outra lei, incluindo a lei do orçamento. Do ponto de vista desonesto, isso pode ser argumentado, mas, do ponto de vista mais honesto, não. Se se investisse melhor na educação e na saúde, já teríamos uma situação bastante diferente.

“A saúde, agora, é uma negociata. Qualquer tentativa de se fazer funcionar o sistema é boicotada. Então, temos a situação que temos agora. É muito grave”

Felizmente, quando começamos a cooperação com Cuba [em 2004], eu fui até lá. Fui o líder estrangeiro que mais tempo esteve com o Fidel: 13 horas em dois dias. Inicialmente, deveriam ter ido mil, mas foram 700 e tal timorenses [para estudar medicina]. Então, nesse encontro, pedi para se criar aqui a Faculdade de Medicina e Ciências Médicas. Agora temos 1.300 e tal médicos, outros 100 ou 200 vão graduar-se agora, a maioria é de formação cubana. Porquê Cuba? Era o único que tinha as portas abertas para isso. Segundo, porque o sistema de saúde em Cuba, não pondo de parte a medicina curativa, privilegia a medicina preventiva, que é a melhor para aqui. Depois eu saí e nunca mais se criou uma opção. Há médicos que ficaram desempregados, tiram o curso e não têm emprego. A saúde, agora, é uma negociata. Qualquer tentativa de se fazer funcionar o sistema é boicotada. Então, temos a situação que temos agora. É muito grave.

“Estou disposto a assumir coletivamente que nós, essa geração de líderes, cometeu erros. E deixo as minhas memórias para os meus filhos publicarem”

Tem a certeza de que o campo de exploração Greater Sunrise irá mesmo funcionar e beneficiar a economia de Timor-Leste?

Há muitas críticas a essa governação, dizendo que o [Greater] Sunrise já não vem para aqui, por causa da última posição do Governo australiano. Eu não dou a minha opinião, mas já começo a ouvir essas críticas e estou preocupado com o povo. Se o Sunrise já não vier, e se continuarmos a dizer que não vai para lado nenhum, quem vai sofrer é o povo. O povo não deve ser objeto. O povo é sujeito. A base da nossa luta foi o povo. Vencemos por causa do povo. Fico preocupado se o Sunrise não se desenvolver e continuarmos a gastar como gastámos as receitas do Bayu Undan. Precisamos dos recursos, mas já que não aprendemos com os erros dos outros, queremos aprender com os nossos? Temos de chegar a um consenso em relação ao Sunrise. Não pode ser qualquer pessoa a fazer daquilo um negócio privado. Tudo o que seja para servir este povo, estou disposto a assumir coletivamente que nós, essa geração de líderes, cometemos erros. E deixo as minhas memórias para os meus filhos publicarem. Mas o Sunrise, para a economia da Austrália, não afeta nada, mas para a nossa é vital. Agora, para gerir daqui para a frente, tem de haver um consenso. Esta é a minha posição. Trazer o Sunrise para cá para aumentar a nossa dívida externa não vale a pena. Já fizemos quantos estudos? Eu sei de um, por milhões de dólares, em Beaço. Como o pessoal de Viqueque não gostou, passou para Betano. Agora passou para Natarbora, em Manatuto. Então eu, a brincar, disse que é melhor levar para Laleia, que é a terra dele [Xanana Gusmão]. Depois de tantos anos de luta, quando se usa o racismo e a religião como instrumento, é uma desonestidade total. Depois vai cumprimentar o Papa por causa da fraternidade humana. É uma hipocrisia completa.

Como avalia as previsões de que o Fundo Petrolífero pode vir a esgotar-se em 2035?

Para mim, vai acabar muito antes, porque o dinheiro está investido a prazo no tesouro americano. Significa que eles (os norte-americanos) estão a usar o dinheiro para investir em outras áreas. Não é que os Estados Unidos da América precisem dos 18 mil milhões de dólares, mas o sistema bancário não pode ter exceções. No princípio, só podemos, no máximo, gastar mais 7 mil milhões. Quando chegarmos aí, vão dizer: “Para! O resto vocês não podem mexer, porque são garantias dos empréstimos que nós demos e dos empréstimos que vocês andaram a fazer ao Banco Mundial e outros”. Não estão a ver isso. Eu já falei publicamente.

“Temos de ter uma política nacional de água e de terra. Ordenamento para que haja diversificação económica. Repito: precisamos de água e de terra. Não é só para agricultura. É para o turismo também. Nenhum turista vem para cá para depois, quando quiser tomar banho, não haver água. Ninguém vem. E ninguém virá para cá sabendo que, se tiver um AVC, nem sequer há oxigênio para o salvar”

Então como é que se pode evitar que o Fundo Petrolífero esgote?

Já devíamos ter visto que este país é rico, tem solo rico e temos água. Temos de investir. Temos de ter uma política nacional de água e de terra. Ordenamento para que haja diversificação económica. Repito: precisamos de água e de terra. Não é só para agricultura, para o turismo também. Nenhum turista vem para cá para depois, quando quiser tomar banho, não haver água. Ninguém vem. E ninguém virá para cá, sabendo que se tiver um Acidente Vascular Cerebral (AVC), nem sequer há oxigênio para o salvar. Ninguém vem para cá nestas condições. Por isso mesmo é que, em Oé-Cusse, temos aeroporto, um hotel digno e uma clínica especial, com cardiologia, e um avião preparado para evacuar, se for preciso. Uma visão integrada. Agora já reconhecem. O atual presidente [Ramos-Horta] disse que o aeroporto [de Oé-Cusse] é o melhor que existe em Timor-Leste. Não tenho dúvidas, mas a verdade é que devia ter sido certificado internacionalmente e não foi. Primeiro, a pessoa que fez o aeroporto saiu antes do seu mandato terminar, porque eu pedi para sair. Vi que estava a querer boicotar tudo. Segundo, a certificação internacional é do Governo Central. Não se pode pedir ao Governo Regional para fazer a certificação internacional e eu não era do Governo Central.

“Depois de 2006, tive convites para ir para a Arménia, para a área de petróleo. Recusei. Não saio de Timor-Leste, agora é que o país precisa que eu não saia daqui”

Eu não estou a dizer que sei tudo. Não sei. Nem todos [governantes timorenses] se preocuparam em aprender a governação, porque viveram outras experiências. Viveram em Nova Iorque, onde têm várias opções de restaurantes, de supermercados, entre outros. Vives na Austrália, é igual. Vives em Portugal, talvez um pouco menos, mas também. Eu vivi em Moçambique. Os países que eu conheço melhor são os do PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa], que passaram por grandes dificuldades. A melhor forma de aprender é com os erros dos outros para não se repetir, porque o sucesso é um património universal.  Por isso mesmo, quando vim de Moçambique as pessoas acusaram-me de ter copiado a Constituição de Moçambique. São burros, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Depois de 2006, tive convites para ir para a Arménia, para a área de petróleo. Recusei. Não saio de Timor-Leste, agora é que o país precisa que eu não saia daqui.

“Talvez as pessoas queiram acabar com o Fundo [Petrolífero]. Vivem a pensar no ‘ovo no cu da galinha’. O ovo ainda está no cu da galinha e nós estamos a pensar que já existe o ovo. Não há desenvolvimento nenhum que possa ser sustentável, se não vier dos recursos humanos. Há países, produtores de petróleo, que, de repente, faliram. O povo ficou na miséria”

Mas porque é tão difícil chegar a um consenso e tomar as medidas para evitar que o Fundo Petrolífero acabe?

É difícil, porque talvez as pessoas queiram acabar com o fundo. Vivem a pensar no “ovo no cu da galinha.” O ovo ainda está no cu da galinha e nós estamos a pensar que já existe o ovo. Não há desenvolvimento nenhum que possa ser sustentável, se não vier dos recursos humanos. Há países, produtores de petróleo, que, de repente, faliram. O povo ficou na miséria. Como eu vivi em África, viajei para a Nigéria e pergunto-me: o que é isto? Contam com petróleo e o povo está na miséria? Eu comecei a preocupar-me com a gestão dos recursos petrolíferos. No meu governo, eu disse que cada dólar que saísse a mais dos 3%, devia, no mínimo, ter um retorno de 2 a 3 dólares. O retorno é investir nos recursos humanos a longo prazo, mas isto para dizer que esse dinheiro é das futuras gerações, não é nosso.

“Qual é a geração mais jovem, se nós continuamos a basear o nosso poder no passado e não na visão do futuro? Para mim, não há heróis vivos. Isso dá uma certa impunidade. Fazem tudo e nada lhes acontece”

Diz-se que é tempo de uma geração mais jovem tomar o poder, liderar o país, eu gostaria que isso acontecesse. Qual é a geração mais jovem, se nós continuamos a basear o nosso poder no passado e não na visão do futuro? Para mim, não há heróis vivos. Isso dá uma certa impunidade. Fazem tudo e nada lhes acontece. Não querem admitir que quando saí do Oé-Cusse nem um cêntimo ficou sem justificação. Já há dois ou três anos que meteram a CAC [Comissão Anticorrupção] a investigar-me. A CAC já disse que não há nada. Disseram que a CAC é que está a cometer erros, então têm de mudar a CAC. Agora, partidarizaram-na completamente. O Parlamento, com a maioria, pode eleger e, a qualquer momento, tirar o comissário. Como é que assim pode ser uma organização independente? Isto não deveria acontecer.

“O indulto é importante em todo o sistema judiciário, mas, passar a decisão totalmente para o presidente, não pode ser. E pode indultar a qualquer momento, até alguém que acabou de ser condenado, ele indulta logo. Então, não vale a pena haver tribunais e Ministério Público. É desautorizá-los completamente”

Agora, [o Governo atual] tenta destruir o sistema judiciário. É o pouco [de órgão institucional] que nós temos – eu não digo mais limpo –, mas que, pelo menos, quer fazer algum trabalho mais honesto. Onde é que queremos levar o país? Passar os poderes todos? O presidente da República transformou-se em juiz, o último recurso. O que é isto? Costuma-se ter o título honorífico do mais alto magistrado da nação, mas isto veio do tempo das monarquias absolutas. Agora, a magistratura que ele tem é a magistratura da influência e de coordenação. O indulto é importante em todo o sistema judiciário, mas, passar a decisão totalmente para o presidente, não pode ser. E pode indultar a qualquer momento, até alguém que acabou de ser condenado, ele indulta logo. Então, não vale a pena haver tribunais e Ministério Público. É desautorizá-los completamente.

E há quem comente que o próximo indulto será ao ex-padre norte-americano, Richard Daschbasch, condenado por crimes de pedofilia.

Eu ainda estou para compreender porquê é que isto não aconteceu no dia 20 de maio. Eles estão a tentar ver se o padre cumpre ainda mais alguns meses para poder justificar que lhe vão dar o indulto devido a problemas de saúde. Deve ser isso.

As crianças foram abusadas durante anos e depois “líderes históricos” foram dar bolo e champanhe ao criminoso que traumatizou para sempre as vítimas.

E ainda leva crianças para o visitarem. O que é isto?

Fomos o único órgão de comunicação social que escreveu sobre esse assunto, tal como escrevemos sobre outras situações que aconteceram durante a campanha e que toda a gente viu e não disse nada.

Para os observadores internacionais correu tudo bem, porque não houve conflitos e disseram que estavam a ser tolerantes. Eu disse. “mas o que é isso? Vocês vieram aqui para ver o quê? Macacos a matarem-se uns aos outros?”  Eu nunca mais recebia esses observadores internacionais. Não, não são precisos. Da última vez, ainda falaram que houve utilização de muito dinheiro nas eleições, mas têm que dizer quem é que usou muito dinheiro, não é? Agora, só assim, no geral?

Mas como é que essas situações passam em branco?

Sim, este é que é o problema. Depois dizem: “Ah! Katuas Mari também não fala, como é que nós vamos falar?”. No meu tempo, quando foi para me criticarem, vocês tinham iniciativa e agora eu preciso de falar primeiro para vocês falarem?

“Nós [a FRETILIN] não somos contra a pensão vitalícia. Mesmo agora, a pensão não representa mais do que três milhões de dólares por ano”

Em Timor-Leste, ao contrário de muitos países, ainda existe a pensão vitalícia, algo que normalmente, durante a campanha, os partidos prometem abolir. O que eu quero perguntar é: porque é que as pessoas que já têm salários bons ainda continuam a ter subsídios, abonos e elevados benefícios para toda a vida, enquanto grande parte da população continua a viver com um dólar e setenta centavos por dia?

A questão é essa, fundamentalmente. Isso [sobre os benefícios], tem de perguntar aos governos que vieram depois de mim. São eles que pedem para ter pensão vitalícia e continuam a ter também os benefícios da função. Não faço campanha, mentindo ao povo para ter votos, quando eu sei que o próprio Parlamento não vai aprovar. Eu disse claramente que é mais fácil uma pessoa envenenar-se com dinheiro do que com vinho. Agora, naturalmente, tem de se rever todas as outras questões. Para mudar o sistema, tem de haver unanimidade outra vez. Nós [a FRETILIN] não somos contra a pensão vitalícia. Mesmo agora, a pensão não representa mais do que três milhões de dólares por ano. Quando fui para Oé-Cusse, recusei o vencimento, tinha a pensão vitalícia para continuar a servir o Estado.

Falando na questão da religião, Timor-Leste continua sem registo civil.

Desde o meu tempo, eu por acaso descuidei-me, deixei aquilo. Aprovou-se o código do registo civil em menos de um mês, mas foi com a assessoria portuguesa. E era só casamento católico. E, tirando o católico, o barlaqueado, que não é uma instituição do Estado. Como é que é possível? Só o barlaque e católico. Todos os outros, quem quiser casar pelo civil, ou por outra religião qualquer, não pode, num Estado que é laico. Imagine, eu quando cheguei aqui, os meus filhos iam registar-se e exigiam certidão de batismo. Dei um apertão ao ministro, que era o Domingos Sarmento. Os meus filhos nem foram batizados, nem sequer os obriguei a serem muçulmanos. Agora pedem certidão do batismo? Com a idade é que fizeram as suas opções.

Mas acha que é um assunto urgente para resolver?

Muito urgente, porque também, pronto, eu não quero falar muito de religião aqui, porque só me dizem que estou a ser crítico, mas se falar sem ser crítico, não vale a pena fazê-lo. Eu disse sempre, a religião católica é, para além de ser religião, um elemento de unidade nacional e de identidade nacional. Por isso, quando eu era primeiro-ministro, a Igreja Universal do Reino de Deus pediu para abrir aqui uma sucursal. O pedido, na altura, foi para o então presidente da República, Xanana Gusmão, que respondeu, por escrito, a dizer que não era da competência do presidente e para eles falarem com o primeiro-ministro. Na verdade, existe liberdade religiosa em Timor-Leste. Eu disse que, se a religião católica fosse só religião, eu diria que sim, seria inconstitucional dizer que não. Mas a religião católica não é só religião. É um elemento de unidade e um elemento de identidade do povo timorense. E isso eu tenho de defender, portanto, não. Depois entraram várias testemunhas de Jeová, mas já com um primeiro-ministro católico. Havia aqui um grupo de estrangeiros, de muçulmanos, que ocupou a mesquita. A falecida Isabel Ruak negociou com eles para saírem e para se resolver o problema da identificação deles, mas eles insistiram. “Nós só saímos da mesquita com nacionalidade timorense.” Estavam a ser radicais. Depois de dois anos e tal, mudei a negociação e expulsei-os a todos. Em termos de religião, há radicais em todos os lados. Não admito radicalismo.

No dia 1 de junho, uma fonte nossa, da comunidade LGBTQIA+, suicidou-se. Quando o entrevistámos no ano passado, contou que se tentou suicidar duas vezes por causa de discriminação dos próprios pais. O pai dizia que lhe ia bater até ele se transformar num homem a sério e a mãe disse que preferia que ele fosse um bandido a ser homossexual…

É porque não há uma educação cívica e moral. As liberdades não têm limites. Eu já participei na marcha da comunidade LGBTQIA+. Seria bom que outras pessoas, autoridades, fizessem o mesmo.

É muito importante que apareçam, que apoiem. Não é preciso ser membro da comunidade para apoiar a diversidade e a inclusão.

Sim, sou muçulmano e, por norma, somos mais radicais em relação aos LGBTQIA+. A família tem de ser educada. A Igreja Católica convive com isso. Eu vejo, na Igreja, pessoas LGBTQIA+ a trabalhar. Falei com alguns camaradas sobre este assunto e perguntei-lhes: “Se fosse um filho teu, o que é que farias? Ou uma filha?”

Em reportagens que fizemos sobre o assunto, por exemplo, demos conta de meninas que eram lésbicas e que os familiares, os tios, os primos, as violaram para as “transformarem” em “mulheres a sério”. Segundo uma jurista, não há um reconhecimento legal dos direitos LGBTQIA+ em Timor-Leste. Fala-se de igualdade de género, de liberdade religiosa, etc., mas em lado nenhum, mesmo no programa deste Governo, se fala dos direitos dos LGBTQIA+.

Nenhum governo pode falar. Uma coisa é ter no programa, outra é ter na lei. As pessoas não leem, não estão informadas. Então têm vergonha de ter um filho ou uma filha LGBTQIA+. Se for uma filha, coitadinha, pior ainda, duplamente ou triplamente discriminada. Até os irmãos têm relações com ela. Portanto, o problema está na família.

O que é que se deve fazer?

Claro que os líderes devem começar a tomar uma posição, antes de se fazer uma lei de reconhecimento. Propor uma lei pode até chocar, mas os líderes devem acompanhar as mudanças. A inclusão não é só homem e mulher, rico e pobre.

“Quando há assédio sexual no palco da campanha, com que moral é que [a autoridade] vai falar sobre o que for? Um país em que o assédio sexual não é criminalizado ainda tem muito para andar”

Escrevemos uma reportagem sobre planeamento familiar, em que uma mulher é impedida a ter acesso a uma consulta de planeamento familiar por uma médica, dizendo-lhe que precisa de ter autorização por escrito do marido. O que pensa sobre isso?

Não sei com base em que lei fez isso. Fomos criticados, no I Governo, quando falámos em planeamento familiar, porque o primeiro-ministro era muçulmano. Confundem tudo. Com este tipo de governação, não vale a pena. Quando há assédio sexual no palco da campanha, com que moral é que [a autoridade] vai falar sobre o que for? Um país em que o assédio sexual não é criminalizado ainda tem muito para andar. Precisamos de formar os jovens. Dou um exemplo de um médico que já faleceu, em 1999, quando eu estava em Darwin. Um paciente precisou de ser evacuado urgentemente para a Austrália, e não havia nenhum acordo. Como eu estava lá, tive de dar apoio. Ele tinha cancro e foi acompanhado por um médico. O médico estava sempre a rezar o terço. E eu perguntei-lhe se ele era padre. Ele disse que era médico, ao que eu retorqui: “Parece um padre!”

Há muitos médicos no Hospital Nacional que, quando não conseguem ajudar, mandam os pacientes para o matan-dook.

É isso que quero dizer. As pessoas dizem quem me salvou foi o médico tal. E outras dizem que foi Deus. A minha resposta é, se existe Deus, foi Deus que ajudou a formar este médico. Tem de haver um equilibro. Na última campanha, fiz uma campanha de educação da juventude. Não pegou, as pessoas querem votar em quem dá dinheiro. Precisamos de tentar fazer a transição, porque em qualquer sociedade, não há saltos. Particularmente aqui, nos primeiros anos da luta foi terrível. A FRETILIN foi muito radical em relação a todas estas coisas. Houve radicalismo a mais, eu sou o primeiro a reconhecer.

22 anos depois da Restauração da Independência, a liderança política mantém-se dividida entre dois partidos. Porque é que ainda não houve uma transição geracional nos partidos?

Enquanto houver este conceito de “líder histórico”, que se faz valer do seu passado, em vez de apontar para o futuro, não há lugar para transição. A minha visão é de que essa transição já deveria estar a acontecer. No primeiro governo, acho que eu e o Ramos-Horta éramos os mais velhos. De resto, tinha tudo de 30 anos para baixo, incluindo o Sr. Bano [Arsénio], que tinha 24 anos. Diziam que trazíamos muita gente de fora. Num governo de 20 e tal membros, cinco vieram de fora. Tinha de ter um núcleo que eu conhecesse bem, porque o meu governo foi uma escola de governação. Essa geração que aparece a reclamar a liderança – “ah continuam a ser sempre vocês (a governar)” –, eu disse: “se vocês estão a falar da luta pela libertação da pátria, ok. Agora, para a governação, vocês eram a maioria, não souberam foi aprender”. Fartei-me de dizer: “eu dou os meus ombros para poderem ver mais longe, mas não me pisem a cabeça”. Eles próprios não souberam produzir liderança. Não esperem, mesmo que eu tenha preferências dentro do partido, que eu indique alguém para liderar. Se o fizer, um ano depois, essa pessoa já está fora. Terão de ser vocês a “parir”. Qual é a nova geração? Essa de 60 anos de idade? de 50? Ou aquela de 35 para baixo? Se for de 50 a 60, digam-me quem é que já é líder de todo o grupo? Esta é a questão. Não é má vontade. A liderança nacional é feita de figuras que foram eleitas. Mesmo que as tenhamos de colocar lá, mas foram eleitas, não podemos desautorizá-las.

“Agora, quando uns querem servir (o país) e outros não querem, aí surgem os ódios, vinganças, invejas. Se o Xanana ainda está vivo, deve isso ao Matan Ruak. Houve um momento em que alguns comandantes, que foram expulsos pelo Xanana, revoltaram-se e foi o Matan Ruak que defendeu o Xanana. E uma pessoa pensa: ele (Xanana Gusmão) deve a vida a esse indivíduo (Taur) e humilha-o dessa forma? Isto não pode ser”

Porque é que decidiu viabilizar o VIII Governo?

Há uma tendência, uma ideia de que quando uma figura é eleita e começa a tomar uma posição, o chefe de Estado, o chefe do Governo, nós, como key makers, como decisores, vamos destroná-los. Por isso é que decidi viabilizar o Governo de Taur Matan Ruak até ao fim. E o Taur era horrível comigo. Na campanha, disse que queria levar máquinas para arrancar as estradas todas em Oé-Cusse. Depois, quando o orçamento dele não passou, ficou admirado, quando eu disse que iria viabilizar aquele governo. Ele disse: “Mari dá uma lição a todos nós, porque não tem ódio, nem sentimento de vingança.” Se todos nós quisermos servir o povo, não pode haver ódio, nem vingança entre nós. Agora, quando uns querem servir (o país) e outros não, aí surgem os ódios, vinganças, invejas. Se o Xanana ainda está vivo, deve isso ao Matan Ruak. Houve um momento em que alguns comandantes, que foram expulsos pelo Xanana, revoltaram-se e foi o Matan Ruak que defendeu o Xanana. E uma pessoa pensa: ele (Xanana Gusmão) deve a vida a esse indivíduo (Taur) e humilha-o dessa forma? Isto não pode ser. Então eu disse: não! Taur falou o que falou, não me interessa, mas temos de pôr fim a esse tipo de prepotência. E Matan Ruak governou [primeiro-ministro] durante cinco anos [de 2018 a 2023].

“Quando eu falava que nos deveríamos preocupar com os traumas da guerra, ele [Xanana] dizia: “aqui não há ninguém traumatizado”. Eu queria dizer: “a começar por si”. Como é que não há ninguém traumatizado, numa guerra destas, em que tantas mulheres foram violadas? Nós não tratamos os traumas e agora temos pessoas a matarem-se umas as outras, assumindo-se como grupos de arte marciais e rituais”

 Como avalia esse governo que viabilizou?

Eu não tenho dúvidas de que esse governo teve um mandato com momentos muitos difíceis, com a pandemia e outros problemas. Timor-Leste foi bem-sucedido no combate à Covid. As pessoas não falam, porque o outro [Xanana] foi dormir para a rua, a dizer que não havia Covid, enquanto o mundo ainda hoje está a sofrer as consequências do coronavírus, em termos económicos, políticos e sociais. Quando eu falava que nos deveríamos preocupar com os traumas da guerra, ele [Xanana] dizia: “aqui não há ninguém traumatizado”. Eu queria dizer: “a começar por si”. Como é que não há ninguém traumatizado, numa guerra destas, em que tantas mulheres foram violadas? Nós não tratamos os traumas e agora temos pessoas a matarem-se umas as outras, assumindo-se como grupos de arte marciais e rituais.

“A sua visão [Xanana] é completamente diferente [da minha], de como resolver os problemas, desde sociais aos políticos. Assim é difícil entendermo-nos. Se nós participarmos os dois no mesmo Governo, no Conselho de Ministros andamos à tareia, um com o outro”

Abrimos essa hipótese, agora todas essas artes também vão querer ser artes políticas. A partir do momento em que entras (no grupo), o sentimento  de pertença já não é com a família nem com o povo, mas com o grupo. A verdadeira arte marcial, contudo, tem outra filosofia: serve para te protegeres e para proteger os outros. Não é para se matarem uns aos outros. Isso [as artes marciais e rituais] é uma bomba retardatária que a Indonésia deixou aqui. Todos eles ainda têm cabeça lá. Tentámos, com o VIII Governo, trazê-los cá. O juramento foi feito, pela primeira vez, com a Bandeira Nacional durante o VIII Governo, com o jovem Abrão Saldanha, quando era Secretário de Estado (da Juventude e Desporto). Isso acabou quando chegou o IX Governo. Suspenderam tudo outra vez. Não é a fechar que se resolve. Empurra-se esse tipo de organizações para o lado clandestino e é pior. A sua visão [de Xanana] é completamente diferente [da minha], de como resolver os problemas, desde sociais aos políticos. Assim é difícil entendermo-nos. Se nós participarmos os dois no mesmo Governo, no Conselho de Ministros, andamos à tareia, um com o outro.

Depois de 2007, a FRETILIN passou para a oposição e só voltou a governar em 2017, mas por um período curto. Porquê?

Eu sou contra o princípio de que um governo ou um partido vencedor depende das exigências dos pequenos partidos para formar o governo. Eu faço o governo, convido os partidos pequenos, mas não venham exigir coisas. Normalmente, não como agora, no Parlamento Nacional, a oposição deve ter um dos vice-presidentes. Isso é que é a inclusão. O Parlamento não pode ser visto como um campo de batalha diária entre a oposição e o governo, mas o que estão a fazer exige mesmo isso. Esta é a razão pela qual eu preferia não governar [a governar e estar dependente dos partidos pequenos]. Prefiro estar na oposição.

Segundo, como não tive maioria, o meu programa de governo não passou. Eu disse: “não se faz cair o governo na apresentação do seu programa, porque um governo minoritário não é inconstitucional. Vamos deixar passar o programa e depois, no processo de orçamentação, é que podemos levantar alguma questão”. Eles [a oposição] tinham a maioria e entendiam que nós tínhamos de fazer “selo branco a tudo”. Vêm com um orçamento formatado e nem sequer admitem qualquer proposta de alteração. Uma delas era retirar dos bens e serviços dos ministérios e aumentar o orçamento para a educação e para a saúde. E eles não aceitam. Eles querem orçamento para bens e serviços, para acolher todos os militantes, que não fazem nada nos ministérios. As pessoas pensam que servir o país é ter o estatuto, é ter segurança atrás e ter dinheiro. Eu não penso da mesma maneira. Eu até, se pudesse, dispensaria a segurança, porque eu sei conduzir. Até conduzo melhor do que o presidente da República (risos).

65% da população em Timor-Leste é composta por jovens. De que forma é que a FRETILIN envolve as novas gerações? E como garante que se sintam representadas?

Nós temos a Organização Juvenil, cujo secretário-geral foi o melhor secretário de Estado da Juventude e Cultura até hoje. E, neste momento, a Organização Juvenil está muito ativa, porque os jovens não querem só política, querem também diversão. Eles é que sabem organizar essas coisas. Então, eu encarreguei-os de fazer qualquer coisa, mesmo no Comité Central. Promover convívios e outros programas para atrair outros jovens, mas sem olhar para cores políticas. E a formação também faz parte. O Comité Central há anos que oferece, gratuitamente, cursos de inglês aos jovens. E, portanto, essas coisas vão continuar a ser feitas, porque isso de pôr um líder, como no meu caso, eles gostam de me ouvir falar e tudo, mas a verdade é que depois ficam muito dependentes do líder. Eu não recebo pessoas no Comité Central, a não ser para reuniões. Criei este espaço, onde estamos, e recebo toda a gente aqui. Não recebo no Comité Central. Porque, no Comité Central, se entrar alguém que não seja FRETILIN, para falar comigo, começam logo a dizer: “oportunistas, não sei que mais”… há disto em todo o lado. Mas, mesmo assim, como há uma liderança que não deixa discriminar, eles também têm receio. Mas esses maus exemplos que eles dão podem provocar um sentido de revolta. Eu já avisei. Se vocês pensam que vamos ganhar para fazermos a mesma coisa, então não contem comigo.

E sobre a RAEOA. Saiu uma lista de assessores e dos seus salários…

Já vi a lista, já vi. Eu não comentei, mas é realmente um escândalo. Eles falam em auditoria, mas eu fui o único que pediu auditoria à Zona Económica Especial de Mercado Social e à RAEOA. Quando me tornei primeiro-ministro, disse: eu quero saber exatamente o que é que eu deixei para o outro (sucessor). Nunca mais vi um responsável a pedir auditoria ao seu próprio setor. Agora dizem, “vamos fazer auditoria internacional”. Queriam fazer auditoria ao Haksolok e ao avião. Eu disse: “olha, eu quero isso rapidamente, antes das próximas eleições. Façam lá isso”. Mas não vão fazer, porque vão querer usar esse trunfo nas eleições. Só para fazer política. O avião vai apodrecer em terra, porque já não tem seguro para voar, nem código de voo. O operador anterior tirou o código e cancelou o seguro. Vai apodrecer no aeroporto.

É preciso ter coragem para apresentar esta lista, com valores tão elevados, tendo em conta as condições de vida da população…

Isso é um escândalo. Para mim, é um escândalo. Eu conheço algumas dessas pessoas. Trabalharam comigo. Estão a ganhar 13 mil (dólares por mês), porque pensam que sabem muito de mim. Uma dessas pessoas trabalhou comigo um ano e tal e mandei-a embora. É genro de um dos meus melhores amigos. E agora vai tudo parar ao tribunal por causa do roubo que fizeram. Façam lá auditoria. Eu estou pronto. Quem não deve, não teme. Eu não devo. O que me conduz é a minha consciência. A minha força vem do povo e da minha consciência.

O salário elevado dos assessores não é só na RAEOA, mas em todos os ministérios. O que pensa sobre isso?

A única coisa em que eu mexi, quando me tornei ministro do VII Governo, foi no salário dos assessores timorenses. Primeiro dizem que são assessores e consultores, mas quando peço cópias do parecer deles, dizem que só falam com o primeiro-ministro. Eu digo: “o quê? Ganham esse dinheiro para falar só com o primeiro-ministro?”. Então baixei. Esse salário [da lista que se tornou conhecida] é um escândalo. A Câmara de Contas devia fazer imediatamente uma auditoria à RAEOA. E tem de haver uma investigação criminal sobre o que estão a fazer.

E o que acha da diferença salarial que existe aqui em Timor-Leste?

O salário mínimo é uma questão muito grave, e deve estar de acordo com o desempenho de cada pessoa. Não se pode dar dinheiro, quando não se produz sequer metade desse dinheiro. Agora, se as pessoas merecem um salário mínimo melhor, para viver com mais dignidade? A equação deve ser feita nesse sentido. Como é que as pessoas podem produzir mais, para poderem ganhar mais? Não é admitir pessoas que não têm condições para sequer produzir e, depois, o salário nunca chega. Antes da Covid, disseram que havia um crescimento económico de dois dígitos. Eu pergunto: “porque é que ao fim de um confinamento de três dias as pessoas já estavam a passar fome? Onde estavam os dois dígitos? No bolso de meia dúzia de pessoas?”

“Agora, assessores, mesmo internacionais, a ganhar 20 mil dólares? Não. 15 mil dólares? Não. Assim, deixam de ser assessores e passam a ser mercenários. Não dizem aquilo que devem dizer, mas dizem aquilo que o patrão quer ouvir. Os que recrutam é que estão a pagar em exagero. Eu não pago”

Por falar em salários de assessores, os internacionais ainda têm remuneração mais alta do que os nacionais, certo?

Isso é normal. Em qualquer parte do mundo, quem vem de outro país para ser assessor não vem para ganhar o mesmo que o nacional. Mas, às vezes, o que ganham é um exagero. Uma coisa é um consultor, a curto prazo, para uma questão específica. Isso é normal em qualquer país. Singapura, até agora, ainda tem consultores internacionais. Mas pagam bem e por um curto prazo. De três a seis meses, no máximo. Esses [consultores] podem ganhar 30, 40 mil dólares, alguns até mais. Porque alguns dos nossos também vão dar palestras, dizem sempre a mesma coisa, e cobram 20 ou 30 mil dólares. Esta é a realidade. Agora, assessores, mesmo internacionais, a ganhar 20 mil dólares? Não. 15 mil dólares? Não. Assim, deixam de ser assessores e passam a ser mercenários. Não dizem aquilo que devem dizer, mas dizem aquilo que o patrão quer ouvir. Os que recrutam é que estão a pagar em exagero. Eu não pago.

“O presidente também está sempre fora do país, ainda que ele não leve grandes delegações. Mas, na última viagem do Governo para Abu Dhabi, gastaram quase um milhão de dólares. Ir para fora (do país) para fazer compras e passear, sem fazer nada. A segunda maior delegação tinha 20 pessoas. A primeira era a nossa: 120 pessoas. A sociedade civil devia levantar essas coisas. E o povo não se revolta porque tem medo”

Ainda não falámos sobre a ASEAN.

A ASEAN é uma plataforma para globalizar a nossa intervenção. Mas, para isso, temos de ter competências, capacidades, meios. Entrar para a ASEAN também implica organizar reuniões no próprio país. São milhares de pessoas. Em que sítio é que se podem receber essas reuniões? No CCD? Não há condições, em termos de infraestruturas, de logística, nem sequer de recursos humanos, porque são quase 400, 500 reuniões por ano. Quem estiver envolvido fica contente porque está sempre fora do país. O presidente também está sempre fora do país, ainda que não leve grandes delegações. Mas, na última viagem do Governo para Abu Dhabi, gastaram quase um milhão de dólares. Ir para fora (do país) para fazer compras e passear, sem fazer nada. A segunda maior delegação tinha 20 pessoas. A primeira era a nossa: 120 pessoas. A sociedade civil devia levantar essas questões. E o povo não se revolta porque tem medo.

Mas sente que a juventude está mais atenta? Hoje veem-se mais jovens a debater questões políticas, sobretudo nas redes sociais.

Felizmente que há mais atenção. Mas, depois, o outro [Xanana] disse: “eu sei quem está por detrás”. Eu sei o que é que ele está a querer dizer. Eu não faço guerrilhas. O que tenho para falar, falo frontalmente. Guerrilhas, não.

“22 anos depois da restauração da independência, como é que nos encontramos? Completamente sem rumo. Com 20 anos de resistência armada, já tínhamos a luz ao fundo de túnel, sabíamos que íamos ficar independentes”

E hoje já falámos sobre o problema da ocupação, da saúde, agricultura, turismo. Só queria articular melhor estas ideias e perguntar-lhe o que faria de diferente.

Primeiro, aqui há uma certa aversão ao termo elite. Um país faz-se também com uma elite intelectual. Mas tem de ser mesmo elite intelectual académica. Eu costumo dizer, sem qualquer conotação negativa: é tempo de descolonizar as nossas vidas. Eu até disse: em países descolonizados, os líderes devem ser descolonizados. Isso tem de acontecer. Mesmo os países colonizadores ainda não se descolonizaram, tirando um ou outro. Então, por exemplo, nós vemos agora dois pesos e duas medidas: matar palestinianos não é genocídio, “porque nós [israelitas] fomos vítimas do holocausto”. Essa é outra, pegar no passado para justificar. E pegar no Novo Testamento para dizer que aquela é terra prometida. Quem são vocês? É outra coisa. Eu não falo muito, porque ainda sou secretário-geral do partido, mas esta é a realidade.

Nos países de contrastes, por exemplo, na Índia, muita gente está a passar fome, mas têm grandes cientistas. Investiram na formação científica e técnica. Nós temos escolas de formação, como a Dom Bosco, mas quando [os estudantes] saem dali, não são enquadrados. Perdem-se. É o problema da forma como o governo integra cada pessoa no seu meio. Acho terrível. 22 anos depois da restauração da independência, como é que nos encontramos? Completamente sem rumo. Com 20 anos de resistência armada, já tínhamos a luz ao fundo de túnel, sabíamos que íamos ficar independentes. Na gestão do Estado, 22 anos depois, está tudo às escuras. De quem é a culpa? Não é por falta de meios. Mais de 20 mil milhões de dólares foram gastos. Não é brincadeira. Para um país de 1 milhão e tal de habitantes mais de 20 mil milhões de dólares, significa que cada município recebeu à volta de 1,5 mil milhões. O dinheiro sai de tasi mane e mergulha em tasi feto.

Temos uma economia de importação, uma mentalidade de subsistência. Antes, recebia-se 5 dólares por dia, mas comia-se 10. O resto é dívida. Agora tem-se 1 milhão por cada projeto, mas gasta-se 2 milhões. Para onde é que vai? Quando têm um projeto, armam-se em ricos, compram mais carros novos e não sei o quê. É a mentalidade das pessoas. Quando dizem que querem promover o setor privado, não deves habituar mal o setor privado. Em cada projeto, se ganharem 15% é o suficiente. Vão gerir. Mas ganham até 50 ou 60% em cada projeto. Não estão habituados a ganhar menos? Economia é a gestão dos recursos escassos, não é esbanjamento. É como saber gerir e retirar daí todas as vantagens.

Por exemplo, tenho este copo e esta garrafa de água. Se quiser beber a água toda desta garrafa, o que é que eu faço? Tenho de deitar muitas vezes no copo, porque se despejar esta água toda de uma vez, vai transbordar. Foi o que aconteceu aqui. Injetou-se muito dinheiro na economia. Uma economia que não consegue ainda absorver o dinheiro. Portanto, se transbordar, aqueles que são mais rápidos é que vão beneficiar.

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  1. O Povo e quem mais ordenha!
    A velha guarda continua a arrastar os pes quando deviam ja ter arrumado as botas e dar lugar aos novos!
    TL necessita de construir chuveiros para “banhos de civilizacao”!
    Como se pode negar ao Povo um ordenado mais justo, quando temos acessores a ganhar rios de dinheiro por mes?
    A educacao e o novo fundo do petroleo!
    (Labele fo labarik sira merenda “kotu moruk”)
    Aonde vai o pessoal “buscar a massa”, para comprar tanta mota e carro?
    12 milhoes para a vinda do Papa? O que se poderia fazer em prol do bem estar do Povo com esse dinheiro? Educacao, saude, agricultura dava ca um jeitao!
    Aksolok

  2. Memorias de um labarik!

    Ha 53 anos, Mari era topografo, Horta jornalista/redactor do jornal A Voz de Timor e Xanana era bom com as bolas, bom desportista, basketball, volleyball, andebol. Infelizmente como guarda redes em futebol era frangueiro.
    Timor era colonia portuguesa e o Povo era esquecido.
    Hoje Horta e PR, Xanana PM e Mari e da oposicao.
    Timor e hoje in(dependente) e o Povo continua caido no esquecimento.
    Palavras para que?

  3. Bom dia Camarada Secretário Geral da FRETILIN.
    Muito obrigado pelo lançamento do sites de Sua Excelência. Vamos acompanhar e atualizar as informações a cerca do nosso NOBRE PARTIDO FRETILIN. Muito obrigado.

  4. Ha 53 anos estava na moda as calcas “boca de sino” e o akfolik. O jornal A Voz de Timor tinha uma rubrica “Se quer saber pergunte ao Tome”.
    A ERT (Emissora de radiodifusao de Timor) tinha uma rubrica de discos pedidos (Musica a seu gosto) onde as pessoas dedicavam musicas aos aniversariantes, amigos e aos que estavam perdidos de amores. O Teixeirinha (cantor brasileiro) estava na mo de cima.

  5. Ha 53 anos a Escola Industrial e Comercial Professor Silva Cunha, produziu a primeira fornada no curso geral de electrotecnia, de entre os que completaram estava o nosso conterraneo engenheiro Estanislau Aleixo da Silva, ex-primeiro ministro de TL. Seguiu-se 1 ano de estagio na antiga central etectrica em Caicoli.
    A Escola Engenheiro Canto Resende produzia os primeiros profesores de posto escolar.

  6. Eu sou o pai do fundo!

    Solitario no nosso mundo
    Com um desgosto profundo
    De palavras ocas, abundo
    Com mais agua, afundo
    Eu sou o pai da educacao
    A minha poesia vem do coracao
    Nao ligo patavina a religiao
    Como a politica, so tras divisao
    Numa era onde se necessita a uniao
    Todos ralham ninguem tem razao
    O Povo paga as favas, precisa trabalho e pao
    Basta de mais confusao
    Eu sou o pai do fundo da educacao
    Da nossa Nasaun

    Ze Tuasabo
    Pueta de TL

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