Telemóveis, computadores e baterias avariadas são deitados no lixo comum em Timor-Leste, sem qualquer tratamento específico. A ausência de políticas públicas, fiscalização e estrutura adequada para gerir resíduos eletrónicos agrava os riscos para o ambiente e a saúde pública.
Computadores avariados, telemóveis, televisores e outros equipamentos eletrónicos misturam-se com diversos resíduos em caixotes de lixo comuns, num país que ainda não dispõe de um sistema próprio para a gestão de lixo eletrónico.
Firmina Moniz Amaral, de 31 anos, residente no bairro de Kampung Merdeka, em Díli, conta que, na sua família, os equipamentos eletrónicos avariados acabam, muitas vezes, no lixo indiferenciado. “O frigorífico avariado cá de casa, por exemplo, está agora a servir como armário para guardar utensílios de cozinha”, explica.
“No meu caso, sim, coloco os telemóveis no caixote do lixo, junto com outro lixo. Os portáteis ainda estão guardados, porque não recuperei os documentos que lá tenho”, acrescenta Firmina.
Armindo Soares, técnico de reparação de telemóveis no Largo de Lecidere, confirma que baterias usadas, ecrãs partidos e outras peças que já não servem também são deitadas fora juntamente com resíduos domésticos. “Nunca vi nenhum caixote específico para este tipo de lixo. Por isso, costumo deitar tudo junto com o lixo comum”, afirmou.
O jovem conta que costuma guardar algumas peças e aparelhos que ainda funcionam, após reparar telemóveis de clientes. “Por exemplo, depois de consertar alguns aparelhos, reparei que havia peças ainda em bom estado. Guardei-as para usar mais tarde noutros telemóveis”, explicou.
Para João Francisco Ruas Hornay, ambientalista e membro do grupo Estudante Hadomi Natureza (ESHANA), o lixo eletrónico é composto por equipamentos sem utilidade ou valor económico, que acabam muitas vezes descartados de forma inadequada.
“Infelizmente, o nosso Governo ainda não encontrou uma solução eficaz para combater o problema. A gestão de resíduos, em geral, já tem falhas significativas. Por isso, não surpreende que também a gestão de lixo eletrónico não esteja a ser tratada como deveria”, sublinhou o ambientalista.
João Hornay alerta para os riscos que este tipo de lixo representa para o ambiente e para a saúde pública. “O lixo eletrónico pode ser encontrado em qualquer canto. É um problema grave, que precisa de uma solução urgente”, frisou.
Firmina Moniz Amaral conta que foi através de um documentário que descobriu os impactos do lixo eletrónico. “Percebi que este tipo de resíduo prejudica o ambiente, representa riscos para a natureza e para a saúde pública, tudo por causa do comportamento das pessoas, que não colocam o lixo no lugar certo”, afirmou.
Também Armindo Soares reconhece os perigos. “Apercebi-me do impacto ambiental e na saúde, mas nunca ninguém me explicou como devemos tratar este tipo de resíduos. Por isso, volto a dizer: muita gente continua a não separar o lixo, especialmente o eletrónico, porque simplesmente não há caixotes específicos para isso”, concluiu.
De acordo com João Francisco Ruas Hornay, os resíduos eletrónicos podem provocar contaminação do solo e da água, uma vez que substâncias tóxicas como o mercúrio e o chumbo se introduzem facilmente no meio ambiente. “Além disso, a queima inadequada destes materiais contribui para a poluição do ar e para as alterações climáticas, devido à emissão de gases tóxicos”, alertou.
Para lidar com esta realidade, João Ruas defende a criação — ou revisão — de leis comerciais que limitem a entrada de produtos eletrónicos que rapidamente se tornam lixo. “É necessário incentivar a importação de produtos de qualidade, com produção original, que tenham maior durabilidade e não se transformem em resíduos eletrónicos a curto prazo”, afirmou.
Na sua perspetiva, o primeiro passo deveria ser a criação de leis, políticas e orçamentos que permitam ao Governo adquirir equipamentos e tecnologias para reciclagem e gestão de resíduos eletrónicos. “É preciso também criar condições estruturais, como empresas públicas de gestão de resíduos em Timor-Leste”, sugeriu.
Firmina Moniz Amaral apelou ao Governo para que leve esta questão a sério. “Tenho medo que os países desenvolvidos, que produzem este tipo de materiais e já não têm espaço para os descartar, aproveitem a oportunidade para os enviar para o nosso país. Isso é muito perigoso para nós. Por isso, o Governo deve tomar medidas o mais rapidamente possível”, defendeu.
Falta de políticas deixa Timor-Leste vulnerável
A jovem sublinhou ainda que Timor-Leste é um país pequeno e a sua população tem pouco conhecimento sobre o tema. “Mas este comportamento descontrolado por parte de toda a gente pode colocar o país em perigo”, alertou.
Francisco dos Santos, Secretário de Planeamento, Desenvolvimento e Integração, afirmou que a responsabilidade pela gestão do lixo cabe à Autoridade do Município de Díli (AMD), uma vez que os resíduos têm várias origens. No entanto, reconheceu que o município ainda não dispõe de uma política específica para a separação de lixo eletrónico. Atualmente, diversos tipos de resíduos, incluindo os eletrónicos, acabam por ser depositados no aterro de Tibar — com exceção dos resíduos hospitalares.
O ambientalista João Ruas citou como exemplos positivos algumas iniciativas locais, como a empresa Caltech, que recicla resíduos plásticos, e organizações voluntárias como a ESHANA-UNTL, AN-JHN, 3R e ENVAC, que promovem a reutilização e reciclagem de lixo doméstico, ainda que em pequena escala.
Sobre estas iniciativas, Francisco dos Santos destacou o papel da empresa Caltech, que tem recolhido materiais como ferro, alumínio e latas de bebidas, como as de Coca-Cola. “Alguns cidadãos também recolhem esse tipo de resíduos para os vender à empresa. Já notámos que esses materiais aparecem cada vez menos nos contentores, o que é um sinal positivo”, comentou.
Ainda assim, João Ruas sublinhou que a aplicação da política dos 4R (Reduzir, Reutilizar, Reciclar e Recuperar) ainda não é uma prioridade para o Governo. “O mais urgente agora é o país resolver a gestão de resíduos em geral. Só depois de existirem condições mínimas é que se poderá pensar seriamente na gestão de resíduos eletrónicos”, afirmou.
Confrontado com a ausência de separação adequada, especialmente no caso do lixo eletrónico, Francisco dos Santos admitiu que a AMD está ainda a planear a criação de um plano. “Por isso, ainda não estamos a separar os diferentes tipos de lixo, nem a aplicar o sistema dos 4Rs”, explicou.
No que toca à legislação, o responsável reconheceu que ainda não existe regulamentação específica para a gestão e separação do lixo eletrónico. “Já falámos com outras entidades relevantes para acelerar a criação de uma lei que regule este tipo de resíduo, que representa um risco para a saúde pública. Se houver regulamentação, poderemos começar a separar e tratar estes resíduos de forma adequada”, assegurou.
De acordo com o Global E-Waste Monitor 2024, o mundo gerou 62 milhões de toneladas de lixo eletrónico em 2022, o que corresponde a cerca de 7,8 kg por pessoa. Esse número quase duplicou desde 2010 e poderá atingir 82 milhões de toneladas até 2030.
A Ásia foi a maior produtora, com 30 milhões de toneladas, seguida pelas Américas (14 milhões), Europa (13 milhões), África (3,5 milhões) e Oceânia (700 mil). No entanto, em termos per capita, a Europa lidera com 17,6 kg por habitante, seguida da Oceânia (16,1 kg) e das Américas (14,1 kg). A Ásia (6,4 kg) e a África (2,5 kg) têm os valores mais baixos por pessoa.
Apesar do crescimento acentuado, apenas 22,3% do lixo eletrónico foi reciclado corretamente em 2022, o que corresponde a 13,8 milhões de toneladas. O restante — cerca de 48,2 milhões — teve um destino inadequado, como aterros, incineração ou reciclagem sem controlo. Esta situação provoca a perda de materiais valiosos e a libertação de substâncias perigosas para o ambiente e para a saúde humana.