Licenciados sem futuro: jovens timorenses perdem a esperança no mercado de trabalho

“Sempre que apareciam concursos, entregava os documentos, mas o resultado era sempre o mesmo: não fui escolhido”/Foto:DR

Milhares de jovens timorenses concluem o ensino superior, mas continuam sem conseguir emprego. Entre relatos de frustração, suspeitas de favoritismo político e abandono dos concursos públicos, o Governo admite falhas e impõe limites à criação de novos cursos para travar a saturação do mercado.

“Quando estava na faculdade, pensava que, depois de terminar o curso, ia arranjar trabalho logo. Os meus pais iam ficar felizes. Mas como não consegui emprego, começaram a perguntar: ‘Já conseguiste?’ Eu respondia: ‘Ainda não’. E diziam: ‘Andaste na universidade, mas não estás a trabalhar?’”, contou um jovem, que preferiu manter o anonimato.

Adriano Filipe, também jovem licenciado em Gestão pela Universidade de Díli (UNDIL), viveu uma experiência semelhante. “O meu pai disse-me: ‘Tu não sabes nada, por isso não tens trabalho. Os teus colegas já estão todos empregados’”, recordou.

Ambos são licenciados em Economia e Gestão por universidades timorenses — a Universidade da Paz (UNPAZ) e a UNDIL — e partilharam com o Diligente as dificuldades que enfrentam para encontrar emprego, a frustração sentida e as críticas aos processos de recrutamento na administração pública.

De acordo com o Censo de 2022, a taxa de desemprego entre os jovens timorenses com idades entre os 15 e os 24 anos é de 5% entre os homens e 5,5% entre as mulheres. Estes números refletem as dificuldades significativas de inserção no mercado de trabalho e a situação de vulnerabilidade desta faixa etária. Timor-Leste tem cerca de 1,3 milhões de habitantes, dos quais 64,6% têm menos de 30 anos e 21,6% integram o grupo dos 15 aos 24 anos.

Em paralelo, um relatório da Secretaria de Estado da Formação Profissional e Emprego (SEFOPE) revela que, entre 2009 e 2024, mais de 19 mil timorenses emigraram para países como a Austrália, Coreia do Sul e outros. Destes, cerca de 13 mil foram para a Austrália e aproximadamente seis mil para a Coreia do Sul.

Sem emprego e sem confiança no sistema: jovens formados desistem dos concursos e ponderam emigrar

O jovem que se licenciou pela Universidade da Paz (UNPAZ), em 2017, recorda que, logo após concluir os estudos, iniciou a procura de emprego juntamente com três colegas. “Antes de começarmos essa procura, fomos rezar a uma gruta, pedindo bênçãos para encontrarmos trabalho rapidamente”, contou.

A primeira oportunidade surgiu num hotel, onde trabalhou durante três anos. No entanto, acabou por abandonar o emprego devido ao acumular de funções muito além do previsto. “O contrato dizia que era para rececionista. Na prática, fazia relatórios, limpava o chão, tratava das flores, preparava o pequeno-almoço e ainda trabalhava na cafetaria”, relatou, indignado.

Acusou o proprietário estrangeiro do hotel de explorar os trabalhadores locais. “Se um cidadão timorense é tratado assim por um estrangeiro, então é melhor deixar esse trabalho.”

Atualmente, exerce funções como professor assistente num curso de formação. No entanto, o caminho até essa função foi longo e difícil. Candidatou-se diversas vezes a vagas no setor público, mas nunca foi selecionado. “Sempre que apareciam concursos, entregava os documentos, mas o resultado era sempre o mesmo: não fui escolhido.”

Em 2019, decidiu abandonar os concursos públicos e começou a frequentar cursos de línguas, com o objetivo de emigrar. “Se formos trabalhar lá fora, às vezes, parece que somos escravos, mas pelo menos posso ganhar algum dinheiro.”

A pressão da família e da comunidade foi constante. “Até os vizinhos comentavam: ‘Já se formou, mas ainda está desempregado’.”

Adriano Filipe, licenciado pela Universidade de Díli (UNDIL), vive uma situação semelhante. Participou em inúmeros concursos, mas nunca foi selecionado. Apenas conseguiu duas experiências temporárias como professor em escolas secundárias de Baucau, uma em 2018 e outra em 2023.

Este ano voltou a candidatar-se a uma bolsa de acesso à docência no ensino secundário, depois de duas tentativas falhadas, em 2024, para o ensino básico. Com dois anos de experiência, afirma sentir-se preparado para a sala de aula. “Já tenho algum conhecimento sobre como ensinar.”

Apesar das críticas vindas da comunidade e até da própria família, mantém-se determinado. “As críticas não me desmotivam. Vejo-as como ânimo para continuar a lutar.”

No entanto, tanto Adriano como o outro jovem apontam o dedo ao sistema de seleção de candidatos para funções públicas, que consideram injusto. “Tenho pelo menos alguma qualidade para obter um bom trabalho. Mas o que me pergunto é como é que há pessoas que nem terminaram os estudos, ou nem foram à universidade, mas conseguem trabalhar nas instituições do Estado?”, questiona o jovem da UNPAZ, acrescentando: “Na verdade, quem tem ligações consegue trabalho.”

Adriano Filipe concorda: “Aqui, existem recomendações de familiares e de partidos políticos, sobretudo dos que estão no Governo.”

Perante as dificuldades, o jovem da UNPAZ tentou lançar pequenos negócios, vendendo roupa em segunda mão, “tua sabu” (aguardente típico timorense) e “sate” (espetadas). No entanto, acabou por desistir. “Houve muitas dificuldades. Não consegui continuar”, contou.

Universidades defendem-se e Governo reconhece falhas estruturais

O reitor da Universidade da Paz (UNPAZ), Adolmando Amaral, defende que o papel das universidades é formar recursos humanos qualificados, não garantir empregos. “A universidade não tem essa competência. Isso é papel do Governo e do setor privado”, afirmou em entrevista ao Diligente.

Desde 2007, segundo dados da própria instituição, a UNPAZ formou cerca de 15 mil licenciados, dos quais 78% já se encontram a trabalhar em instituições públicas, privadas ou até no estrangeiro. Ainda assim, o reitor reconhece que o número de desempregados no país aumenta ano após ano, e considera que a responsabilidade pela criação de emprego cabe, sobretudo, ao Estado.

Adolmando pediu ao Governo para fomentar o investimento privado, criar fábricas e abrir mais oportunidades de trabalho, especialmente para os jovens.

Criticou ainda a ausência de resultados concretos das frequentes deslocações internacionais do Presidente da República. “O Presidente vai muitas vezes ao estrangeiro. Mas que investidores já trouxe para estabelecer fábricas em Timor-Leste?”, questionou.

Lamentou, por fim, a fraca valorização da produção interna: “Aprovamos o Orçamento Geral do Estado de manhã e, à tarde, os chineses já estão a levar o dinheiro para fora”.

A diretora-geral do Ministério do Ensino Superior, Ciência e Cultura, Filomena Lay, também reconheceu limitações no mercado de trabalho e deixou claro que a missão do ministério que lidera é assegurar a qualidade do ensino, e não garantir postos de trabalho. “Não somos um ministério que fornece empregos”, disse, explicando que muitos jovens licenciados timorenses têm encontrado oportunidades no estrangeiro, sobretudo na Austrália, Coreia do Sul e Inglaterra.

Filomena Lay admitiu, no entanto, que faltam dados atualizados sobre o percurso dos beneficiários de bolsas de estudo. “Não sei onde estão estas pessoas quando acabam os seus estudos. Mas acredito que os jovens estão sempre à procura de trabalho. É impossível que fiquem apenas a pedir dinheiro aos pais”, afirmou.

Ainda assim, apelou ao otimismo e à resiliência: “É verdade que em Timor-Leste não temos fábricas, mas isso não quer dizer que os jovens estejam perdidos. Durante o dia, podem procurar algum trabalho e responder às suas necessidades diárias.” Acrescentou que, com mais investimento e oportunidades criadas pelo Estado, será possível reter mais jovens qualificados no país.

Também o vice-primeiro-ministro e ministro do Desenvolvimento Rural e Habitação Comunitária, Mariano Assanami Sabino, reconheceu falhas na articulação entre o ensino superior e o setor do emprego. Garantiu que o Governo está a trabalhar para melhorar essa relação, incluindo os programas de bolsas. No entanto, apontou problemas graves na gestão dos recursos humanos formados.

“Há pessoas a trabalhar em áreas sem relação com a sua formação. Se não colocarmos bem os nossos recursos humanos, esses recursos não são úteis”, sublinhou.

Para Mariano Sabino, os setores público, privado e cooperativo devem ser mais bem coordenados, de modo a garantir uma gestão eficiente das competências existentes. “Embora tenhamos limitações, temos de gerir bem as pessoas nas suas áreas”, reforçou, revelando que o tema já foi debatido no Conselho de Ministros.

Deixou ainda uma crítica social, apontando a falta de iniciativa entre os cidadãos timorenses. “Notamos que cidadãos chineses e outros estrangeiros conseguiram realizar negócios no nosso país, enquanto os nossos cidadãos estão só a ver”, comentou.

Estado impõe travão ao ensino superior, mas medida gera polémica

No dia 9 de abril de 2025, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de Resolução do Governo que suspende a abertura de novos ciclos de estudo no Ensino Superior — nos níveis de bacharelato, licenciatura, pós-graduação, mestrado e doutoramento — em áreas como Direito, Gestão, Contabilidade, Engenharia, Enfermagem, Saúde Pública, Construção Civil, Ciência Política, Relações Internacionais, entre outras.

Segundo o ministro do Ensino Superior, Ciência e Cultura, Francisco Jerónimo, a medida visa travar a saturação do mercado com profissionais em áreas onde já existe um número elevado de licenciados. “O Governo decidiu criar esta resolução para ordenar o sistema e garantir qualidade”, explicou ao Diligente.

Segundo o ministro, as instituições que já oferecem estes cursos poderão continuar a fazê-lo, mas novas propostas nas mesmas áreas não serão autorizadas. No caso dos doutoramentos, Francisco Jerónimo esclareceu que nenhuma instituição poderá criar esse nível de ensino sem cumprir os requisitos legais, nomeadamente o número e qualificação do corpo docente. “Devem seguir o Decreto-Lei sobre o Regime de Carreiras Docentes. Precisamos saber quantos professores qualificados existem — assistentes, associados ou catedráticos — antes de aprovar qualquer curso”, afirmou.

O ministro sublinhou que a Resolução foi preparada após consulta à Agência Nacional para a Avaliação e Acreditação Académica (ANAAA) e ao Conselho de Reitores, e que, no futuro, a ANAAA terá de realizar avaliações antes da abertura de qualquer novo curso.

“Falamos de qualidade, por isso precisamos de tempo para conseguir. Muitos jovens estão a formar-se nas mesmas áreas e depois não conseguem ter emprego. A resolução também quer evitar isso”, defendeu Francisco Jerónimo.

O caso da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) foi apontado como exemplo. Segundo o ministro, esta universidade ainda não dispõe de professores catedráticos, pelo que recorre a docentes convidados do Brasil para lecionar em programas de doutoramento. “São as universidades convidadas que vão oferecer os certificados, porque têm boa acreditação no seu país”, explicou.

Para evitar desinformação e mal-entendidos, o Ministério vai realizar, no próximo ano, uma campanha de sensibilização dirigida aos alunos, de forma a clarificar que cursos estão acreditados e quais podem ser oferecidos legalmente pelas instituições.

A Resolução, no entanto, não recolheu consenso entre todos os representantes do setor. O reitor da UNPAZ criticou a medida, considerando-a uma forma de “monopólio do ensino superior”, e defendeu a importância da concorrência entre instituições. “Se uma instituição tiver um curso diferente, isso não prejudica a qualidade. Precisamos de concorrência para que o mercado de trabalho possa escolher onde há mais qualidade”, afirmou.

Acusou ainda o ministro de não ter feito estudos de viabilidade nem de ter reunido com os reitores das 19 instituições de ensino superior do país antes de tomar a decisão. “Apenas discutiu subsídios para o ensino privado, não a restrição de cursos”, lamentou.

Adolmando Amaral levantou ainda dúvidas sobre a credibilidade dos programas de doutoramento da UNTL, que recebeu uma parte do Orçamento Geral do Estado. “Será que o seu doutoramento foi aprovado pela acreditação?”, questionou.

Por fim, comparou os docentes estrangeiros presentes em diferentes instituições timorenses. “Na UNPAZ, temos professores das Filipinas, da Indonésia e da Austrália. Na UNTL, são do Brasil e de Portugal. Digam-me onde estão os erros e as diferenças?”, desafiou.

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