Somotxo partilha a sua visão sobre os avanços e retrocessos de Timor-Leste após a restauração da independência. Alerta para a falta de planeamento estratégico e para a dependência económica do exterior. O veterano da resistência defende a necessidade urgente de reconciliação política e de políticas sustentáveis para garantir um futuro mais próspero e independente para o país.
José Agostinho Sequeira, mais conhecido como Somotxo, é um dos nomes emblemáticos da resistência timorense. Adotou o nome de guerra “Somotxo”, inspirado num clã de Lospalos, onde cresceu e iniciou a sua luta pela independência. Em 1975, com apenas 13 anos, viu o seu sonho de estudar em Díli ser interrompido pela guerra civil entre a FRETILIN e a UDT (União Democrática Timorense). Envolveu-se na Organização Popular da Juventude Timorense (PJT) e, aos 17 anos, já integrava as FALINTIL, onde, aos 20 anos, se tornou comandante de secção. Após a captura de Xanana Gusmão em 1992, assumiu um papel crucial no Estado-Maior das FALINTIL, contribuindo para a coordenação da resistência até à restauração da independência.
Após a independência, dedicou-se a preservar a memória da luta, tendo sido o primeiro diretor do Arquivo & Museu da Resistência Timorense. Além disso, desempenhou funções políticas importantes, como Vice-Ministro do Interior e Ministro da Defesa e Segurança. Hoje, Somotxo destaca a importância da união entre os líderes timorenses para o desenvolvimento do país e a erradicação da pobreza. Nesta entrevista, revisita a sua jornada de sacrifício e resiliência, traçando um paralelo entre o passado e o futuro de Timor-Leste.
Durante os anos de ocupação indonésia, enfrentou muitos desafios. Qual foi o momento mais difícil que viveu e como o superou?
Foi difícil ser o comandante de segurança de Xanana. Se ele morresse, poderíamos ser considerados irresponsáveis por não termos conseguido garantir a sua segurança. Era uma tarefa muito exigente. Na altura, eu era escriturário e passava a limpo todas as mensagens, o que também representava uma grande responsabilidade. Em 1988, quando a segurança foi entregue, o atual Brigadeiro Trix (José Soares), com dois pelotões, assumiu a responsabilidade de garantir a segurança de Xanana para que ele pudesse ir à fronteira. Estavam presentes o Trix, o Cornélio Gama “L7” e Cipriano Martins Ribeiro “Rodak” para acompanhar Xanana. Eu disse aos três comandantes: ‘Observem bem o nosso irmão da cabeça aos pés. Ele está inteiro, sem doenças nem ferimentos. Espero que continuem a assumir esta responsabilidade e que Xanana continue bem’.
“Mas por que motivo, após 50 anos, a FRETILIN continua bloqueada e isolada? Estes 50 anos devem servir para refletir: tem de haver mudança. Se não houver mudança, a FRETILIN continuará a degradar-se”
A 11 de setembro, celebrou-se 50 anos de transformação da Associação Social Democrática de Timor (ASDT) para Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente. O que representa para o senhor e para o partido o cinquentenário da transformação da ASDT em FRETILIN?
É uma grande honra e orgulho. Quero aproveitar esta oportunidade para homenagear todos os fundadores, que, apesar das condições adversas e da tenra idade, conseguiram criar uma organização que conduziu Timor-Leste à independência. Passaram por inúmeras adversidades. Primeiro, fundaram a ASDT e, depois de três meses, transformaram-na ou dissolveram-na, há várias interpretações, dando origem à FRETILIN. No dia 11 de setembro, celebrámos 50 anos, e todos nós sentimos orgulho. Ao olhar para trás, vemos que muitas pessoas, incluindo líderes, perderam a vida. O primeiro presidente do partido, que também era Presidente da República, foi Francisco Xavier do Amaral. Assumiram responsabilidades que não eram fáceis e conseguiram alcançar os seus objetivos. Chegaram às bases de apoio, mas, infelizmente, o Xavier não deu continuidade ao seu mandato durante os três anos, devido a problemas internos no partido, tendo sido deposto. Nicolau Lobato assumiu, também ele, os dois cargos de presidente do partido e da República. Alcançaram sucesso, apesar de todas as dificuldades.
Após a destruição das bases de resistência e quase total exterminação da liderança da luta, Nicolau Lobato foi morto em 1978. Nessa altura, não sabíamos quem estava vivo ou morto. Xanana, depois da destruição da última base, no Matebian, saiu de lá a 22 de novembro. Xanana começou a assumir o comando da luta no dia 24, porque não conseguimos sair do Matebian antes disso; apenas no dia 23 conseguimos chegar às zonas onde não havia militares indonésios, isto em 1978. A 24 já estávamos concentrados e os comandantes começaram a distribuir os guerrilheiros em pequenos grupos. Na minha opinião, Xanana começou a comandar a luta a partir de 24 de novembro de 1978. Na altura, estava presente o membro do comité central, Fernando Teles do Nascimento, que era corresponsável pela companhia que ia para o leste. Os quadros que estavam nesta companhia acompanhavam-nos, e Xanana era o responsável principal da companhia; Kili Keras era o 2.º comandante do setor da ponta leste e Taur (José Maria de Vasconcelos, conhecido por seu nome de guerra Taur Matan Ruak), colaborador do Comando das Operações. Os quadros militares e políticos foram para a parte leste, enquanto os outros seguiram para o centro. Nicolau morreu após termos passado para a guerrilha. Saímos do Matebian em novembro e ele morreu a 31 de dezembro.
Xanana reorganizou a FRETILIN e assumiu as suas responsabilidades como partido único. Houve altos e baixos, mas ele teve sucesso. Continuou a conduzir a separação das FALINTIL e da comissão diretiva da FRETILIN. A FRETILIN e as FALINTIL assumiram, lado a lado, a responsabilidade pelos anseios do povo, que eram a autodeterminação de Timor-Leste.
Em 2000/2001, a FRETILIN foi entregue à atual liderança: Mari Alkatiri e Lú-Olo (Francisco Guterres Lú-Olo). Os 50 anos são uma oportunidade para refletir sobre os altos e baixos que a FRETILIN atravessou, sobre os sucessos e as derrotas. Após a independência, tivemos uma única oportunidade de governar este país, de 2002 a 2007. Começámos a ser isolados e bloqueados por nós próprios. Temos a responsabilidade de desenvolver este país e de dar o nosso melhor. Mas por que motivo, após 50 anos, a FRETILIN continua bloqueada e isolada? Estes 50 anos devem servir para refletir: tem de haver mudança. Se não houver mudança, a FRETILIN continuará a degradar-se. É um orgulho acompanhar o partido desde o início até aos 50 anos. É um orgulho e uma grande honra. Foi este partido que libertou a pátria da ocupação indonésia. Agora, a nossa missão é libertar o povo da miséria, da escuridão e da pobreza. Este é um grande desafio para a FRETILIN. Se continuarmos com este bloqueio, a FRETILIN vai perder a sua própria identidade, a sua capacidade de resolver os problemas internos e os do país. Vamos ver qual será o discurso da atual liderança. Se continuarem ambiciosos, sem enfrentar estes problemas internos e sem os resolver, a FRETILIN, nos próximos anos, não crescerá, mas decrescerá. Continuamos a lutar pela mudança na liderança da FRETILIN. Podem estar contra nós, contra o meu grupo, mas esta é a única alternativa. Fora desta alternativa, é o mesmo que enterrar a FRETILIN.
“Por que razão a FRETILIN não está envolvida nestas governações? Podem dizer que não teremos sucesso. A FRETILIN deve estar envolvida, de qualquer forma, nas governações para pôr em prática a palavra de ordem: “Libertar o povo da miséria, da escuridão, da pobreza e do analfabetismo”
O senhor tem um histórico longo na FRETILIN. Como descreve a sua relação com o partido hoje, considerando a sua oposição atual a Mari Alkatiri?
Desde muito jovem, estou na FRETILIN, e foi a FRETILIN que me motivou a lutar pela libertação. Foi a FRETILIN que me ensinou a compreender quem sou e que me fez perceber que fui oprimido. Não tive oportunidades. Lutámos para sermos livres e independentes, sacrificámos muitos timorenses para conquistar a liberdade e a democracia.
O nosso grupo é uma alternativa, uma opinião e uma opção. Queremos apresentar propostas para o bem do partido, mas, se continuar a desviar-se desta intenção política que queremos iniciar, ninguém sairá a ganhar. Podemos confrontar-nos individualmente, podemos isolar-nos uns aos outros, mas a maior vítima será o partido, que ficará excluído das várias governações. Por que razão a FRETILIN não está envolvida nestas governações? Podem dizer que não teremos sucesso. A FRETILIN deve estar envolvida, de qualquer forma, nas governações para pôr em prática a palavra de ordem: “Libertar o povo da miséria, da escuridão, da pobreza e do analfabetismo”. Este é um grande desafio para a atual liderança. Não queremos continuar a desafiar-nos mutuamente. Isso não é importante para o nosso país; o importante é estarmos unidos, haver consenso político e definir as grandes linhas políticas para o desenvolvimento do país.
Fiquei satisfeito quando os deputados da bancada da FRETILIN lançaram aquela política de unanimidade, mas continuamos a recair nos conflitos anteriores. Não queremos unir-nos e, assim, não estamos a trabalhar juntos para levar o país ao desenvolvimento.
O senhor é considerado uma das figuras centrais na dinamização do partido. O que o motivou a procurar a reestruturação do FRETILIN neste momento?
Não sei se os outros militantes estão a acompanhar, mas nós estamos. Podem condenar-nos e dizer que temos interesse em sermos isto ou aquilo. Já assumi vários cargos e não tenho ambições de assumir novos. A minha única ambição é ver a FRETILIN a governar este país, a investir nos seus quadros para o desenvolvimento de Timor-Leste, e a resolver os problemas políticos, económicos, sociais e culturais, porque é triste ver a FRETILIN bloqueada. A atual liderança está numa crise, com uma deficiência política e estratégica. Se continuarmos assim, a FRETILIN vai colapsar e não há esperança de vencer em 2028. Esta teimosia política, de nos condenarmos uns aos outros em vez de ouvirmos as opiniões dos restantes quadros, não nos levará a lado nenhum. Não pretendemos fugir, criar estruturas paralelas ou dividir o partido em dois ou três grupos — isso seria uma traição. O nosso grupo quer encontrar soluções. Por que é que, depois da primeira governação, continuamos a ser bloqueados? A FRETILIN não foi criada para ser oposição; foi criada para governar este país e dar o seu melhor. Só a FRETILIN tem quadros competentes, e, economicamente, estamos nesta situação, à beira de um precipício. Vamos enfrentar uma grande crise. Sem recursos financeiros, como vamos desenvolver este país?
Primeiro, precisamos de unidade, para depois conquistarmos a confiança de outros países. Se o fundo acabar, vamos precisar do apoio do Banco Mundial e de várias organizações internacionais para nos ajudarem a manter a nossa soberania. Para mim, a mudança de liderança é essencial. Não sejamos oportunistas. A FRETILIN já deu oportunidades, mas estamos apenas a usar o partido para os nossos interesses, sem desenvolver soluções para os problemas do país e sem estar à altura dos interesses do povo e da nação.
“A crise de 2006 dividiu-nos e ainda não houve uma verdadeira reconciliação. A reconciliação que fizemos foi falsa; dentro dessa reconciliação há muita podridão”
Como avalia o estado atual da reconciliação nacional, após anos de conflito? Acha que ainda há feridas por curar?
Já realizámos várias reconciliações, várias cerimónias que simbolizam a reconciliação. Não sei a que se refere Xanana quando fala de reconciliação. Com quem vamos fazer essa reconciliação? Com os timorenses do outro lado? Não é fácil. Primeiro, tem de haver consenso; precisamos de nos reconciliar entre nós, aqui. A crise de 2006 dividiu-nos e ainda não houve uma verdadeira reconciliação. A reconciliação que fizemos foi falsa; dentro dessa reconciliação há muita podridão. Está tudo podre. Não consigo identificar o que está a dividir os timorenses. São problemas estratégicos, ideológicos, ou quais são realmente os problemas?
Nem todos os timorenses estão divididos, apenas duas ou três figuras estão na linha da frente de todos estes conflitos. É fácil resolver um ou dois destes conflitos para alcançarmos a paz e a estabilidade política. Quem diz que os 19 assentos da FRETILIN não podem governar? Continuamos nesta situação de oposição. Celebrar 50 anos de história é motivo de orgulho, mas ver a FRETILIN bloqueada é como enterrá-la. Se a FRETILIN continuar neste estado político, a reconciliação também não será fácil. Os líderes continuam a assumir toda a responsabilidade e a condenar os outros, dizendo que nada fizeram. Isto é um problema, porque continuam a abrir feridas de ódio e vingança. Em Timor, parece que somos inimigos em vez de adversários. É necessária uma grande reflexão e encontrar soluções para estes problemas de instabilidade política e governativa.
Foi o primeiro diretor do Arquivo & Museu da Resistência Timorense (AMRT). Como vê a história timorense que está a ser contada às novas gerações?
Fui, de facto, o primeiro timorense a trabalhar neste projeto, nomeado pelo então Presidente da República, Xanana Gusmão, atual Primeiro-Ministro do IX Governo. Não esperava ser escolhido para trabalhar nesta nobre obra, que pertence a todos os timorenses, a todos os veteranos e heróis. Foi um orgulho começar a trabalhar desde o início, seguindo várias orientações do Presidente da República. Primeiro, foi assinado um protocolo de cooperação com a Fundação Mário Soares para tratar dos nossos documentos. Fui o primeiro responsável pelo espólio do arquivo da resistência, composto por documentos doados por várias organizações de solidariedade. Uma organização de solidariedade inglesa tinha em sua posse todos os nossos documentos que eram enviados para o exterior, relacionados com a frente clandestina, a frente armada e as organizações juvenis. Fotografias e documentos acabaram por lá. Outras organizações, como a Comissão para a Defesa dos Direitos do Povo Maubere, em Portugal, e várias outras, entregaram os seus documentos logo no primeiro mês, quando começámos a recuperar a memória da resistência timorense. Todos os documentos espalhados pelo mundo fazem parte da resistência timorense. Estas organizações internacionais surgiram para apoiar a nossa luta, e assim se formou a base para a criação do arquivo e museu, com o objetivo de preservar a memória da resistência. Esta memória, em muitos casos, ainda não está documentada nem escrita.
Fui o primeiro diretor a gerir um arquivo e museu sem condições. Posteriormente, fui fundador do Arquivo & Museu da Resistência Timorense, o que foi um orgulho, pois pude dar voz a heróis que nem sequer têm documentos. Esta é uma grande tarefa que ainda está por cumprir. Durante muitos anos, temos recolhido documentos da resistência provenientes das várias regiões: documentos escritos, vídeos e áudios da luta. O protocolo com a Fundação Mário Soares visava tratar os documentos e criar uma base de dados. Conseguimos alcançar esse objetivo. Fui o primeiro funcionário e fundador deste arquivo. Quase toda a documentação que está agora na Casa Comum foi classificada por mim e pela Dra. Florbela Amarante, uma portuguesa. Fomos apenas nós dois a trabalhar nessa tarefa. Podem agora consultar as várias identificações que fizemos, com as diferentes siglas, tanto da parte indonésia como da nossa. Estas siglas foram todas organizadas e explicadas para serem transmitidas às novas gerações.
Agora, estou aqui novamente. Apresentei-me ao Dr. Ágio Pereira, Ministro da Presidência do Conselho de Ministros, para dar continuidade aos trabalhos que possam estar pendentes e identificar o que ainda falta fazer. Estou a recuperar a memória que ainda não conseguimos preservar, e estou a ler documentos desde 1975 até 1999.
Foi deputado no Parlamento Nacional. Quais foram as suas principais prioridades enquanto membro do Parlamento, e de que forma acredita que o seu trabalho contribuiu para o desenvolvimento do país?
Fui deputado durante 5 anos, tal como outros deputados, e o objetivo era realizar os trabalhos de fiscalização e acompanhar a execução das ações do governo, identificando problemas políticos e sociais, assim como o nível de desenvolvimento em vários setores.
No Parlamento, existem várias comissões, de A a G, cada uma com as suas próprias competências. Quando era deputado, não tinha grandes preocupações, pois apenas recebíamos orientações do partido para executar e desenvolver o nosso trabalho na Assembleia Nacional. No entanto, quando assumimos a nova mesa na Assembleia, foi uma vergonha. Foi necessário chegar ao ponto de virar a mesa e deitar tudo abaixo, porque não havia qualquer entendimento. A mesa anterior deveria ter percebido que já tínhamos perdido a maioria e que era necessário sentarmo-nos e discutir como formar uma nova mesa, o que significa eleger um novo presidente da Assembleia Nacional. Em vez disso, chegámos a uma situação de violência. Podem dizer que tomámos o poder à força, mas seguimos as várias regras do regimento da Assembleia Nacional.
Quando assumi a presidência da Comissão B, de Política Externa, Defesa e Segurança, comecei a identificar os vários problemas na minha área. Relativamente aos acordos internacionais, Timor-Leste não pode estar isolado; tem de estar ligado a outros países. Assinámos vários acordos. Durante o meu mandato, assinámos o acordo de aviação e alterámos alguns artigos da revisão da Lei da Imigração, para permitir que os religiosos pudessem permanecer no país por, pelo menos, 5 anos, antes de renovarem a sua estadia. Fizemos isto porque temos acordos com a Igreja Católica. Muitos queriam que outras confissões religiosas tivessem o mesmo tratamento, mas não vamos fazer aquilo que não nos foi solicitado. Podem dizer que é discriminação, mas com a Santa Sé temos acordos assinados, o que justifica a necessidade de movimento dos salesianos no país para realizarem as suas missões durante 2 a 3 anos. Por exemplo, se estivessem em Lautém, tinham de vir a Díli para tratar do visto, mas resolvemos esses problemas. Não conseguimos aprovar a Lei da Precedência e Protocolo de Estado, mas agradeço à nova comissão e aos atuais deputados por a terem aprovado. É um grande avanço. Agora temos de nos adaptar ao Protocolo do Estado e parar de cometer erros. Os políticos continuam a violar as regras protocolares, como aconteceu durante a visita do Papa.
Durante o seu mandato como ministro da Defesa, quais foram os principais desafios que enfrentou na reorganização e fortalecimento das Forças de Defesa de Timor-Leste?
Foi como um sonho. Dormir às 8 horas e, de repente, acordar durante um sono leve e imaginar o que gostaria de fazer. Foi um grande orgulho, um privilégio para mim. As responsabilidades eram maiores do que a minha capacidade, e cheguei a apresentar vários pedidos de demissão do ministério, mas o Dr. Mari Alkatiri, que era então Primeiro-Ministro, pediu-me para assumir o Ministério da Defesa e Segurança. A ideia era, posteriormente, separar novamente os ministérios, deixando o Ministério do Interior a cuidar da segurança interna e o da Defesa a cuidar das questões militares. Acabei por assumir o cargo durante 9 meses. Havia muito a fazer e, apesar das dificuldades, tinha vários planos para o desenvolvimento das duas forças, de modo a que cada uma assumisse as suas próprias competências, ou seja, “cada macaco no seu galho”. Isto significa que a segurança deve assumir as suas responsabilidades de segurança e a defesa as suas responsabilidades de defesa.
Na altura, dizia que era necessário avaliar esta situação para evitar problemas institucionais e sobreposição de competências e atividades, o que acaba por prejudicar o Estado e desperdiçar recursos. Em vez de concentrarmos tudo, estávamos a criar pequenas instituições, como a Polícia Marítima e a UPF (Unidade de Patrulhamento de Fronteira), que têm a responsabilidade de garantir a nossa soberania.
Garantir a nossa soberania é a principal responsabilidade da defesa. Tive também a responsabilidade de supervisionar a promoção dos primeiros brigadeiros, na altura.
“Continuamos a ver crianças a vender na rua, o que constitui uma violação dos direitos humanos, mas ninguém parece reparar nisso. São crianças em idade escolar, que deveriam estar a estudar, não a vender na rua”
O relatório da Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ) indica que a maioria das queixas envolve violações dos direitos humanos cometidas pelas autoridades de segurança. Qual é a sua opinião sobre esta situação?
A nossa população não deve ser hostil em relação às nossas forças de segurança. A população precisa de conhecer os seus direitos, liberdades, deveres e obrigações. Isto faz parte da democracia e é essencial que todos os cidadãos, em qualquer parte do mundo, recebam uma educação cívica que os informe sobre as leis, os direitos, os deveres e as obrigações. Esta educação deve ser adaptada ao nível da nossa população, que, em grande parte, é analfabeta. Todos devem contribuir para a estabilidade, para o desenvolvimento e para o bem-estar geral. Nos países desenvolvidos, onde as pessoas conhecem os seus direitos e deveres, um único polícia pode garantir a segurança de milhões.
Por que motivo ocorrem violações dos direitos humanos cometidas pelas forças de segurança? As forças de segurança dispõem de vários métodos: o método de persuasão, que implica dialogar com as pessoas, explicar-lhes e sensibilizá-las. No entanto, quando há reincidência, quando já foi pedido várias vezes que se afastem de determinado local e as pessoas continuam a desrespeitar, a intervenção pode ser mais firme, recorrendo-se à força, o que não deve ser imediatamente classificado como uma violação dos direitos humanos. Em muitos casos, o uso da força visa também educar. Se não considerarmos isto, a liberdade pode transformar-se em anarquia, e a população não distingue entre o que são os seus direitos e os seus deveres.
Não estou a defender as forças de segurança incondicionalmente, mas é necessário refletir sobre o papel dos políticos, da administração e da sociedade civil. O que é que devem fazer? Continuamos a ver crianças a vender na rua, o que constitui uma violação dos direitos humanos, mas ninguém parece reparar nisso. São crianças em idade escolar, que deveriam estar a estudar, não a vender na rua. No entanto, isto passa despercebido. Não devemos criticar ou condenar apenas as forças de segurança, enquanto os outros parecem estar isentos de crítica.
Timor-Leste enfrenta grandes desafios, como a dependência do petróleo e a necessidade de diversificar a economia. Que estratégias acredita que o país deve adotar para garantir um desenvolvimento sustentável a longo prazo?
O desenvolvimento sustentável não depende apenas do fundo do petróleo; é apenas uma das condições para criar sustentabilidade. Em Timor-Leste, de onde virá a sustentabilidade? Se continuarmos a retirar dinheiro do Fundo Petrolífero, não teremos sustentabilidade. Precisamos de investir em setores estratégicos para garantir a nossa soberania. Gastamos biliões para obter milhões, o que representa um grande desequilíbrio. Devemos começar a investir noutros setores que possam crescer; se conseguirmos garantir um retorno de 1%, já é um bom começo. Isso pode assegurar o pagamento de salários, pois sem esta diversificação estamos a entrar numa era que poderá tornar-se incontrolável.
“Fico contente por termos muitos jovens, mas triste por eles não estarem a receber a formação adequada”
A juventude timorense representa uma grande parte da nossa população. Acredita que os jovens estão bem preparados para os desafios futuros?
Quando se fala da juventude, temos uma grande percentagem de jovens, mas a situação é preocupante. Não é culpa deles, mas sim das sucessivas governações que não lhes dão a devida atenção, especialmente no que diz respeito à sua formação. Eu próprio não pergunto a ninguém, mas o que é que os nossos professores estão a ensinar aos nossos filhos e netos para que sejam os futuros líderes desta terra? Nunca tive responsabilidades para opinar sobre educação, mas acredito que vamos enfrentar uma grande crise de recursos humanos. A grande maioria dos jovens possui uma formação que não corresponde ao nível que desejamos. Podemos ter muitos licenciados, mas a qualidade é reduzida. Estes problemas preocupam-nos profundamente. Os políticos não parecem estar atentos a esta realidade.
Fico contente por termos muitos jovens, mas triste por eles não estarem a receber a formação adequada. A única escola de Língua Portuguesa é a Ruy Cinatti. Peço desculpa ao Ministério da Educação e aos vários professores que estão a promover o ensino da Língua Portuguesa, se realmente o estão a fazer. Peço desculpa se não reconheço esses esforços. Sou um político que não se aprofunda em todas as questões, mas estou a ver as coisas desta forma.
Timor-Leste ainda enfrenta desafios e problemas estruturais principalmente na saúde, educação, agricultura e outros. Acha que Timor-Leste está preparado para aderir à ASEAN?
Já apresentámos vários exemplos a outros membros. Economicamente, estamos muito aquém do nível dos restantes países da ASEAN. A ASEAN possui um fundo significativo para apoiar os países que se encontram num patamar muito baixo, e já demonstrámos que, apesar de ainda termos muito a cumprir, somos capazes de alcançar esses objetivos. Existem vários requisitos que nos são impostos: económicos, de recursos humanos, de segurança e muitos outros, incluindo a nossa defesa e segurança.
No entanto, já provámos que somos capazes de fazer parte desta organização, pois não há outro país como Timor-Leste. Os outros países vêm apoiar-nos e ajudar-nos a dar os primeiros passos, como uma criança que aprende a andar, até que possamos integrar plenamente esta organização.
Recebemos a visita da figura n.º 1 do mundo, o Secretário-Geral das Nações Unidas, que visitou Timor-Leste e o Museu da Resistência. Foi um grande orgulho receber personalidades tão importantes. Depois, de 9 a 11 de setembro, recebemos a visita do Papa, o líder máximo dos católicos. Outros países podem ter uma grande segurança e um elevado nível de desenvolvimento, mas ainda não passaram por este teste.
A nossa sociedade é, em geral, pacífica. No entanto, precisamos de encontrar uma grande concertação para resolver os nossos problemas internos e implementar uma política que beneficie todos os timorenses.
Olhando para os últimos 25 anos desde a restauração da independência, que conquistas mais o orgulham e que aspetos ainda precisam de ser melhorados?
Lutámos durante 24 anos e somos livres há 25. Fizemos muitos progressos. Quando regressei a Timor em 2003, não havia praticamente carros; agora temos um grande tráfego, o que indica um desenvolvimento social, apesar de alguma anarquia e descontrolo. Os transportes representam riqueza, pois quem possui um carro tem dinheiro para o adquirir. Pode viver numa casa em más condições, mas tem um carro. O que é que isto significa?
Os políticos precisam de aprender a gerir esta sociedade. É necessário ordenar o nosso território e organizar as cidades; é uma política que tem de ser iniciada.
Em termos de sustentabilidade, a agricultura pode ser um setor-chave. Podem discordar, mas não se trata de competir; trata-se de garantir a segurança alimentar, sem dependermos das importações. Nem sequer temos vergonha de publicitar produtos que vêm de fora. Não podemos continuar a ser dominados. Durante a sua campanha, Prabowo disse: “Não vamos depender dos outros países, os outros países é que vão depender de nós.” Os políticos devem refletir sobre isto, pois significa que Timor-Leste continuará a depender dos produtos da Indonésia.
Já alcançámos muito, mas não podemos continuar divididos. Estão a ser feitos vários esforços, mas ainda existem bloqueios que persistem. É necessário alcançar um consenso e uma verdadeira reconciliação em torno do desenvolvimento deste país, da estabilidade política, e da segurança económica e cultural de Timor-Leste.
Parabens ao Diligente e Somoxto.
E preciso ter a coragem de acabar com a Fretilin, UDT, etc…
Comecar um novo desabrochar.
Esquecer as rivalidades de um passado sangrento.
Um heroi nacional de tempos idos nao significa que seja um bom PM ou PR, sobretudo se tem “ulun bubur” ou “ulun tos”.
Individuos ha que pensam que sao intocaveis, maromaks e isso e o fulcro do problema, o “busilis”.
Muita da culpa desses individuos actuarem dessa maneira, e culpa nossa. Nos criamos os monstros por falta de educacao, de nao vermos mais do que um palmo a frente dos olhos.
Santos de casa nao fazem milagres!