Leo Moniz, um dos músicos mais icónicos de Timor-Leste, usa a música como uma forma de resistência, identidade e inspiração. Autor de canções marcantes como “Oras To’o Ona”, que fortaleceu a luta pela independência, continua a apoiar novos talentos e a defender a valorização da música timorense.
Leopoldo Moniz dos Santos Maia, mais conhecido como Leo Moniz, nasceu em 1973, em Same. Filho de Moniz Maia (falecido) e de Leopoldina dos Santos, cresceu num ambiente musical, influenciado pelos pais e familiares que participavam em grupos corais e compunham músicas.
Leo Moniz é considerado uma figura importante no desenvolvimento e promoção da música tradicional de Timor-Leste. Ele inovou ao incorporar elementos tradicionais na música, reduzindo as barreiras entre o estilo musical local e o moderno. Além de ser músico, também é um defensor da cultura que inspira as novas gerações a proteger e promover a cultura timorense por meio da arte e da música.
Desde cedo, mostrou interesse pela música. Durante o ensino primário, em Same, já participava em atividades musicais escolares. Quando se mudou para Díli para continuar os estudos na Escola Pré-secundária SMP 1 Díli e mais tarde na Escola Pública Número 2, em Balide, formou bandas com os colegas e participou em diversas competições musicais.
“Desde pequeno, identifiquei-me com a música. Criei um grupo na escola e, juntos, participámos em concursos entre escolas. No ensino pré-secundário, permaneci ativo na música e percebi que o meu talento começou a desenvolver-se a partir daí. No entanto, as oportunidades ainda não surgiam. No secundário, continuei a formar bandas com colegas e a explorar novas oportunidades para crescer como músico”, recorda.
Inicialmente, aprendeu a tocar baixo na escola, mas foi como vocalista que se destacou. Durante os ensaios com uma banda de estudantes, o vocalista principal, Nelson Turquel, incentivou-o a explorar a sua voz.
“As circunstâncias levaram-me a cantar. Aos poucos, organizámo-nos e começámos a atuar em festas, eventos escolares e até em igrejas”, relembra.
A sua primeira conquista aconteceu em 1995, quando participou num concurso musical organizado por Dom Carlos Ximenes Belo, em Lecidere, onde conquistou primeiro lugar como cantor solo. “Essa vitória deu-me ainda mais motivação para continuar e procurar novas oportunidades “, conta.
Hoje, além de músico, Leo Moniz é estudante da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), onde está na fase final do curso de Ciência Política.
A música como arma na luta pela independência
Durante a ocupação indonésia, Leo Moniz tinha 18 anos e já compreendia que a música poderia ser uma poderosa ferramenta para fortalecer a identidade nacional e a resistência.
Em 1990, começou a compor músicas que refletiam a realidade do povo timorense. “Produzi várias canções, algumas sobre o Natal, outras sobre a vida e muitas outras sobre a situação que vivíamos. Uma delas ‘O Rai Timor’ foi escrita após o massacre de Santa Cruz, em 1991. Era um apelo aos políticos indonésios para refletirem sobre a situação do país”, conta.
Naquela época, gravar músicas era um grande desafio. Os artistas timorenses não tinham acesso a estúdios e precisavam atuar discretamente para evitar represálias. “Cantávamos apenas em reuniões informais, pois divulgar as músicas era perigoso”, explica.
Foi apenas em 1998 que Leo Moniz conseguiu gravar a sua primeira música na Indonésia. “Regressei a Timor-Leste num momento tenso, quando o país se preparava para o referendo. Divulgar as nossas canções era arriscado, mas continuámos a cantar para motivar o povo a resistir e lutar pela independência”, afirma.
Em 1999, Leo Moniz juntou-se a outros músicos timorenses, incluindo Jeca Smith e Anito Matos, para compor a icónica “Oras To’o Ona” (Chegou a hora). A música foi criada durante a missão da UNAMET (Missão das Nações Unidas em Timor-Leste), com o objetivo de incentivar a participação popular no referendo.
“Dois funcionários da UNAMET souberam do nosso grupo e procuraram-nos para apoiar a criação de uma música que reforçasse a importância do referendo. Queríamos transmitir uma mensagem clara: estava na hora de Timor escolher o seu próprio destino”, explica.
A canção tornou-se um símbolo de resistência e um incentivo para a população timorense. “A música representava o sentimento coletivo do povo, que já estava determinado a ser independente. Foi uma forma de unir e fortalecer a nossa luta”, acrescenta.
No entanto, cantar uma música com uma mensagem tão forte naquela época era perigoso. “Muitos timorenses alertavam os militares indonésios sobre a letra da música, pois entendiam que ela encorajava a luta pela independência. Por isso, após cada apresentação, precisávamos esconder-nos”, recorda.
Após o anúncio da vitória do referendo, em 30 de agosto de 1999, o país mergulhou num cenário de violência e destruição provocado pelas milícias pró-Indonésia. Durante esse período, “Oras To’o Ona” tornou-se ainda mais popular, sendo um lembrete dos sacrifícios do povo timorense.
Da banda NAIL ao apoio a novos talentos
Leo Moniz recorda que, no início da sua carreira, fez parte da banda NAIL, um grupo que enfrentou inúmeros desafios, mas nunca desistiu de explorar e expressar o seu talento.
“Mesmo em tempos difíceis, encontrámos formas de desenvolver o nosso talento. Tivemos o apoio e a inspiração de colegas de Babadok, como Nelson Martins, Aurito e um amigo australiano, que nos incentivaram e nos deram coragem para continuar. Eles acreditavam na importância das nossas músicas, pois sabiam que refletiam fielmente a dura realidade que o povo enfrentava naquela época”, conta.
A música sempre foi mais do que entretenimento para Leo Moniz – foi uma forma de resistência e um meio de dar voz ao povo timorense.
Além da sua carreira como cantor e compositor, Leo Moniz tornou-se uma referência para as novas gerações de músicos timorenses. Muitas bandas e artistas emergentes procuram-no em busca de conselhos sobre como iniciar um percurso na música.
“Eu faço questão de incentivar tanto indivíduos como grupos. A música exige dedicação e compromisso, e procuro ajudar aqueles que realmente querem evoluir. Um exemplo disso são as bandas Galaxy e Klamar, que me veem como uma referência e inspiração para seguirem em frente”, afirma.
Para ele, o papel da música vai além do palco – é uma ferramenta de identidade cultural e transformação social.
A luta pela valorização da música em Timor-Leste
Leo Moniz defende que a arte deve ser prioridade nacional e apela ao governo para que invista no setor, promovendo os talentos da nova geração e fortalecendo a identidade cultural de Timor-Leste.
“O mundo está sempre ligado à arte, e Timor-Leste precisa desenvolvê-la ainda mais, pois ela representa a nossa identidade no cenário internacional. Temos muitas riquezas artísticas – da escultura à pintura, passando pela música. Os jovens devem promovê-las e o governo deve apoiar essa iniciativa, pois há muitos timorenses talentosos”, sublinha.
Para isso, considera fundamental criar uma academia de música para capacitar jovens artistas. “Se nos organizarmos bem e tivermos uma boa gestão, podemos formar uma nova geração de músicos preparados para o futuro, permitindo que conquistem a sua independência artística”, defende.
Um dos temas que mais preocupa Leo Moniz é a falta de proteção dos direitos autorais em Timor-Leste. Ele alerta para o problema do plágio e para a necessidade de leis mais rigorosas para garantir que os artistas sejam reconhecidos pelo seu trabalho.
“Sabemos que, no VIII Governo, já foi estabelecida uma lei para regular a música, mas são necessárias mais medidas para garantir a proteção dos direitos autorais. Caso contrário, as obras continuarão a ser copiadas sem o devido reconhecimento”, critica.
Destaca que muitos músicos timorenses enfrentam dificuldades devido à reprodução e modificação indevida das suas músicas. “Atualmente, há muita gente que copia músicas sem autorização dos seus autores. Fico triste quando ouço as minhas canções alteradas. Quando criamos música, fazemos isso com o coração. Mas, quando ela é modificada, perde a sua essência”, lamenta.
Leo Moniz defende que Timor-Leste precisa urgentemente de um decreto-lei que proteja os direitos dos artistas e impeça a apropriação indevida das suas obras. “Se o governo der atenção a esta questão, podemos garantir que as músicas timorenses permaneçam autênticas e que os artistas sejam devidamente valorizados”, reforça.
A modernização da música, atuações internacionais e conexão com o público
Leo Moniz também reflete sobre as diferenças entre os artistas da sua geração e os músicos de hoje. Para ele, a modernização trouxe facilidades, mas também desafios.
“Na minha época, fazíamos tudo manualmente, e as nossas vozes precisavam de ser autênticas. Hoje, com a digitalização, tudo se tornou mais acessível, mas muitos esquecem-se da importância da qualidade musical. Os jovens talentosos devem continuar a aprender e a aperfeiçoar-se, sem depender apenas da tecnologia”, aconselha.
Ao longo da sua carreira, Leo Moniz nunca frequentou uma escola de música formal, mas aprendeu na prática, pesquisando, experimentando e trabalhando com outros músicos. Já produziu cerca de 60 canções, muitas das quais retratam amor, desafios da vida e a história de Timor-Leste.
“Nunca fiz um curso de música, mas aprendi com os meus colegas, pesquisando e praticando todos os dias. A inspiração constante e o trabalho conjunto ajudaram-me a expandir o meu conhecimento e a melhorar as minhas habilidades artísticas”, revela.
Mesmo com uma carreira consolidada, ele continua a colaborar com outros músicos e está envolvido em novos projetos com as bandas NAIL e VI-Almax. “Estamos a planear lançar uma nova coleção musical e, ainda este ano, vamos lançar sete novas músicas”, adianta.
Embora ainda não tenha participado em competições musicais internacionais, Leo Moniz já teve a oportunidade de atuar em espetáculos na Austrália, Macau e outros países.
Para ele, o essencial numa apresentação musical não é apenas a técnica, mas a forma como o artista transmite a sua mensagem ao público. “O que realmente importa não é apenas cantar ou tocar bem, mas sim como conseguimos expressar emoção através da música. A gestualidade, a voz e o sentimento são fundamentais para captarmos a atenção da audiência”, explica.
Leo Moniz destaca que, ao longo da sua carreira, foi conquistando o reconhecimento do público porque as suas músicas refletem a realidade do povo timorense e transmitem mensagens significativas. “O reconhecimento de um artista não acontece de um dia para o outro. É um processo. À medida que as pessoas se identificam com as músicas e compreendem a mensagem, a conexão torna-se mais forte”, observa.
Leo Moniz, um dos músicos mais icónicos de Timor-Leste, continua a ser uma voz ativa na defesa da cultura e da música timorense, inspirando novos talentos e reforçando a necessidade de proteger a arte no país.