Inserção de berlindes no órgão genital: entre a busca por prazer e os riscos para a saúde

Cada berlinde custa cinco dólares americanos, e alguns clientes pedem até 12 implantes. A circuncisão ou a modificação para cobra custa 15 dólares /Foto: DR

Num país onde a educação sexual continua a ser um tabu, muitos jovens timorenses expõem-se a situações de risco ao recorrerem à inserção de objetos, como berlindes, nos seus órgãos genitais. Especialistas alertam para os perigos dessa prática, enquanto o governo mantém silêncio sobre o tema. 

Dar prazer às suas parceiras é, para muitos homens, um objetivo primordial. Para o alcançar, recorrem a diversas estratégias, desde o consumo de estimulantes sexuais, como Viagra e Vitamale, até à utilização de óleos e remédios tradicionais. No entanto, algumas práticas vão muito além dessas abordagens convencionais, incluindo modificações genitais extremas.

Na sociedade timorense, tem-se observado um fenómeno inquietante: a modificação do pénis, onde alguns homens removem a pele do órgão para lhe dar a aparência de uma cobra, enquanto outros inserem objetos como escovas de dentes para alterar a sua estrutura. O objetivo, segundo os próprios, é melhorar o desempenho sexual e demonstrar força e masculinidade perante as parceiras e os colegas.

Contudo, especialistas alertam para o facto de essas práticas não serem seguras nem saudáveis, podendo causar infeções graves e traumas tanto para os homens como para as suas parceiras. O Centro de Saúde de Vera Cruz, em Díli, já registou diversos casos de infeções genitais masculinas e de mulheres que tiveram de se submeter a cirurgias devido a lesões provocadas por essas modificações.

Atino dos Santos (nome fictício) partilhou com o Diligente as mensagens e fotografias de procedimentos de inserção de berlindes que um alegado colega do responsável pela cirurgia lhe enviou. Atino viu uma publicação no Facebook a anunciar o procedimento por 15 dólares americanos e ligou para o número.

Embora durante a conversa, sem que se apercebesse, tivesse admitido que fez cirurgias, o jovem por detrás da linha disse que o responsável por estes procedimentos é um enfermeiro, que terá estudado Medicina Geral na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) e trabalhado como voluntário num centro de saúde em Díli. Este tipo de procedimento começou em 2020 e, além da inserção de berlindes, são também realizadas circuncisões e modificações estéticas do pénis, para que se assemelhe à cabeça de uma cobra.

O serviço é divulgado em redes sociais, e os clientes podem ser atendidos em sua própria casa ou no local onde se sentirem mais confortáveis. Segundo o suposto colega do enfermeiro, os berlindes utilizados são retirados de embalagens de perfumes como Red Label e Fresque, lavados e desinfetados com álcool antes da implantação.

Apesar das garantias que dá, reconhece que os riscos existem. “Se o corpo não for compatível, pode infecionar. Alguns já tiveram de remover os berlindes porque desenvolveram infeções”, admite. Além dos berlindes, há também quem opte por usar escovas de dentes cortadas e lixadas, um método ainda mais arriscado. “Se não forem bem lixadas, podem causar irritação ou infeções internas”, alerta.

A principal razão para esses procedimentos, segundo o colega do enfermeiro, é o aumento do prazer durante o sexo. “O homem sente mais prazer, e as mulheres podem sentir dor, mas também ficam satisfeitas”, afirma. Apesar disso, aconselha os clientes a consultarem as suas parceiras antes de realizarem a mudança, pois os riscos para as mulheres são consideráveis.

Outro motivo apontado é a alteração estética do pénis, para que se assemelhe ao pepino-de-são-caetano (baria). “Alguns querem inserir até 15 berlindes para criar um efeito ondulado. Mas o ideal é apenas fazer a circuncisão ou a modificação para cobra, que é mais saudável”, sugere.

Contou a Atino que já atendeu mais de 200 clientes em Díli, a maioria jovens. A inserção de berlindes e a transformação estética continuam a ser os procedimentos mais procurados. A prática cresce silenciosamente, impulsionada pelo desejo de mudanças corporais e pela crença de que pode melhorar a experiência sexual – apesar dos riscos envolvidos.

O procedimento é seguro e higiénico?

O alegado médico garante que utiliza materiais comprados em farmácias de Díli, como luvas, seringas, álcool e betadine. “Depois de usar uma seringa num cliente, deito-a imediatamente fora. E os materiais para um novo procedimento são sempre retirados da embalagem original”, assegura.

O processo começa com a aplicação de anestesia local, seguida de uma pequena incisão na pele do pénis para a inserção dos berlindes. Após o procedimento, a pele é reposicionada, e os clientes são aconselhados a tomar antibióticos, como amoxicilina, e analgésicos, como paracetamol, para evitar infeções e aliviar a dor.

“Atualmente, os clientes podem retomar a atividade sexual uma semana após o procedimento, desde que tomem os medicamentos corretamente”, explica, garantindo que, em caso de complicações, assume a responsabilidade pelo tratamento até à recuperação total.

O preço do serviço varia conforme o procedimento. Cada berlinde custa cinco dólares americanos, e alguns clientes pedem até 12 implantes. A circuncisão ou a modificação para cobra custa 15 dólares.

Quando questionado sobre a necessidade de uma licença do Ministério da Saúde, rejeitou a ideia.  “Pessoas que nunca estudaram na área da saúde também conseguem fazer isto. Então, por que eu, que estudei, não posso? Em Tasi Tolu, alguns fazem cortes no pénis com uma faca para lhe dar a aparência de uma cobra e depois aplicam café moído. Mesmo assim, continuam bem e repetem a prática. Então, por que eu não posso?”, questionou.

O Diligente contactou o número que surge no Facebook. Apesar da insistência, o homem que atendeu negou ser o responsável pelo procedimento. Disse ser apenas um cliente a partilhar a sua experiência do trabalho realizado pelo amigo. Comprometeu-se a enviar o contacto do amigo, mas não o fez.

O processo começa com a aplicação de anestesia local, seguida de uma pequena incisão na pele do pénis para a inserção dos berlindes /Foto:DR

Testemunho: a experiência de um homem com berlindes no pénis

Atino não realizou a cirurgia, mas Piter Belo (nome fictício), de 44 anos, decidiu experimentar a prática movido pela curiosidade e pelo desejo de satisfazer a sua parceira. “Quando ela está satisfeita, o homem sente orgulho”, afirma.

A ideia surgiu após um amigo relatar a experiência positiva da sua namorada. “Pesquisei sobre o procedimento, li comentários online e perguntei à minha namorada se ela concordava. Quando ela aceitou, decidi tentar”, conta.

Com o apoio de um amigo médico, Piter realizou a inserção de quatro berlindes. “Ele usou materiais esterilizados e deu-me analgésicos. Não senti dor nem tive infeções até hoje, quase quatro anos depois”, relata.

No entanto, admite que a primeira relação sexual após o procedimento foi estranha devido à presença dos berlindes. Embora nunca tenha consultado um médico, está preparado para remover os objetos caso enfrente complicações no futuro.

A experiência não trouxe mudanças significativas para a sua vida sexual. “Algumas mulheres acham estranho ao tocar no meu pénis”, diz. Piter aconselha outros homens a conversarem primeiro com as suas parceiras e a realizarem o procedimento num ambiente seguro.

Infeções e complicações: o alerta dos especialistas 

O médico Raimundo Serra, do Centro de Saúde de Vera Cruz, alerta para os riscos dessa prática, que tem levado vários jovens a procurar atendimento de emergência devido a infeções genitais.  “A pele do pénis é muito sensível. A presença constante de um berlinde pode causar lacerações, levando a infeções graves. Os berlindes pressionam constantemente os músculos do órgão, podendo levar à impotência sexual, dificultar a ereção ou até mesmo causar a perda da função erétil”, explica. Alguns pacientes chegam a implantar mais de 25 berlindes, aumentando os riscos.

Além disso, o centro de saúde tem tratado mulheres com lesões na vagina e no ânus causadas por essas práticas. “Muitas apresentam feridas graves e têm de ser suturadas. Quando os casos são muito complexos, encaminhamos para o hospital nacional”, diz o médico.

Segundo ele, a maioria dos jovens afetados procura atendimento à noite, com medo do estigma social. “Tentamos convencê-los a remover os berlindes, mas muitos resistem”, lamenta.

Além dos casos mencionados, o médico relatou que alguns homens chegam ao centro de saúde com o pénis ferido e inchado devido à prática de massagens com métodos tradicionais. “Muitos jovens dizem que fizeram massagens em Kaitehu e que o pénis ficou inchado e dolorido, a ponto de não conseguirem urinar. Nesses casos, temos de cortar a pele do órgão, como numa circuncisão, para aliviar o problema”, explicou.

O médico também mencionou um caso em que um jovem procurou um colega para a aplicação de um medicamento no pénis, mas acabou por desenvolver uma infeção grave. “Depois do procedimento, passou uma semana e o pénis dele ficou inchado e acabou por rebentar. Ele veio para o hospital e fizemos o tratamento, mas o órgão ficou significativamente menor”, afirmou.

Diante destas situações, Raimundo Serra alertou os jovens para que tenham cuidado com o próprio corpo e evitem práticas que colocam a saúde em risco. “Muitos homens fazem estes procedimentos apenas para se destacarem e receberem elogios, mas o corpo deve ser mantido na sua forma natural”, sublinhou.

Em relação aos profissionais de saúde que realizam esses procedimentos fora do ambiente hospitalar, o médico considerou que se trata, sobretudo, de uma atividade lucrativa. “Aqui no hospital não temos autorização para inserir objetos nos órgãos sexuais”, esclareceu.

O médico sugeriu ainda que, para aumentar o tamanho do pénis e melhorar a sua resistência, a opção mais segura são os exercícios específicos. “Se queres aumentar o tamanho do peito, fazes exercícios. Com o pénis é o mesmo, há dispositivos próprios, como bombas, que podem ajudar”, afirmou.

Atualmente, o hospital não realiza campanhas de sensibilização sobre os riscos da inserção de berlindes no pénis. “No entanto, sempre que recebemos pacientes com infeções, aconselhamos sobre os perigos dessa prática para que evitem repeti-la”, explicou o médico.

Por fim, destacou a necessidade de o governo conduzir um estudo para identificar quantos homens já recorreram a este tipo de procedimento e, com base nisso, desenvolver um programa de sensibilização para as comunidades. “Ainda não temos dados concretos sobre quantos jovens já implantaram berlindes no corpo, por isso ainda não há campanhas de sensibilização. No entanto, mais vale prevenir do que remediar”, concluiu.

O Diligente tentou contactar a Ministra da Saúde, Élia dos Reis Amaral, e urologistas timorenses, mas não obteve resposta até à publicação desta reportagem.

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  1. A cada ano somos surpreendidos por eventos que nos causam muita apreensão, mas há quem aprecie e desfrute desta realidade. Todos os seres humanos se sentem livres para fazer o que quiser, mas precisam entender que devem responder pelas consequências, neste caso, se tratando de saúde, deverá entender quando a doença bater a porta. O ser humano não gosta de dor, mas busca o constante prazer, no entando, quando não consegue viver o belo em suas relações intimas, sofrem com inprovisações. Na maioria das vezes são pessoas que estão com sentimentos reprimidos e com altos níveis de frustrações consimo mesmo. Quem pode me dizer que estas pessoas são felizes? Se você fizer um minuto de silêncio consigo mesmo, perceberá que o sofrimento faz parte da própria vida que carrega. Quantas pessos estão na busca intensa pelo prazer e depois que vivem os seus momentos, em seguida são surpreendidos pelas frustrações e estresses? Quantas pessoas estão buscando tanto o prazer, mas sofrem dores invisíveis? Então, não são os objetos que os ajudarão a melhorar as suas performances, pelo contrário – é a necessidade de revisar a sua mentalidade!

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