Apoiado pelo BNU Timor, o evento, organizado pela ONG MOVE, é uma montra de iniciativas de negócio de jovens timorenses, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento do país, através da promoção do setor privado.
Foram três as iniciativas de negócio premiadas, no passado sábado (29.06), na competição de “pitches”, no âmbito da 4ª edição da Feira do Empreendedor, organizada pelo MOVE, no Hotel Timor, em Díli. No evento, que contou com o apoio do Banco Nacional Ultramarino (BNU) de Timor-Leste, foram apresentadas 13 ideias inovadoras, que tinham sido amadurecidas durante uma das etapas de formação realizadas pelo MOVE.
Ao longo do dia, o salão no Hotel Timor esteve bastante movimentado, com um público diversificado, que ficou a conhecer não só os empreendedores em competição, como outros negócios exibidos através de 21 pequenas bancas.
O MOVE é uma Organização Não-Governamental (ONG), sediada em Portugal, que procura “capacitar empreendedores para mover o mundo”. O grupo desenvolve atividades em território timorense desde 2011, contando atualmente com quatro voluntários, que assumiram funções em fevereiro deste ano.
Para a diretora-geral adjunta do BNU Timor, Ana Andrade, “a Feira é muito importante porque promove o empreendedorismo e dá espaço aos jovens empreendedores para a constituição dos seus negócios”. O BNU Timor é um grande incentivador do evento, tendo também apoiado edições anteriores.
O programa da Feira – “Aprender com o passado para construir o futuro” – foi dividido em três momentos: ontem, hoje e amanhã. O painel sobre “Os 25 anos do Referendo e o desenvolvimento de Timor-Leste desde então” debruçou-se sobre o passado (ontem). O presente (hoje) ganhou forma nos expositores com representantes de iniciativas privadas, na competição dos “pitches” e na partilha de experiências de empreendedores. Já o futuro (amanhã) foi abordado no painel “O potencial de Timor-Leste e oportunidades para a nova geração”.
A ideia vencedora da competição chama-se Lay Eco-Banana. Pertence a Lay Tun Moe, uma estudante de Gestão Empresarial da Universidade Católica Timorense (UCT). O negócio pretende elevar a produção e a qualidade da banana, tendo em conta o potencial da fruta no país. Além do fruto propriamente dito, o aproveitamento das folhas de bananeira para criar embalagens de comida é, além de uma forma de rentabilizar a produção, uma medida ecológica, contribuindo para a conservação do ambiente.
A iniciativa foi premiada com uma abertura de conta bancária no BNU Timor, já com 150 dólares de saldo disponível. A Lay Eco-Banana também recebeu um telemóvel e 100 dólares de pulsa, oferta da Timor Telecom, e ainda teve direito a uma noite com pequeno-almoço no Hotel Timor Plaza. A jovem, enquanto mentora do negócio, vai ser acompanhada pelo MOVE para materializar a ideia através do programa MAKE.
A ideia da Lay Eco-Banana surgiu porque o irmão de Lay Tun Moe, sempre que ela ia ao mercado, pedia-lhe para comprar fruta. A jovem foi percebendo que as bananas mais baratas tinham má qualidade. “Isto deve-se ao facto de a produção estar a baixar ano após ano, mesmo num país com um clima favorável. Se os agricultores conseguissem cultivar com sustentabilidade, podemos até exportar fruta”, argumentou Lay Tun Moe.
O ponto de partida do negócio vai ser a sensibilização junto dos agricultores, dando a conhecer práticas que possam melhorar a produção e a qualidade da banana. A jovem está confiante quanto ao sucesso do negócio, que irá ajudar os agricultores, os clientes e a economia do país.
Já Olga Boavida, jovem voluntária do grupo Haktuir Ai-knanoik, conquistou o segundo lugar, com HalimAprende, uma iniciativa extracurricular que promove o ensino através de atividades lúdicas – contar histórias (storytelling), jogos e brincadeiras – para crianças dos 6 aos 11 anos. O projeto pretende garantir o direito de meninos e meninas a uma educação de qualidade, visto que, no país, o sistema educacional público enfrenta muitos problemas – e a maioria das famílias não dispõem de recursos para custear uma escola privada.
“Tenho mergulhado no mundo das crianças desde 2014, através da Associação Haktuir Ai-knanoik. Portanto, a minha ideia de negócio será implementada em breve”, afirmou a jovem. No entanto, um dos primeiros desafios a ultrapassar é a procura de financiadores, para cobrirem as rendas do espaço, o imobiliário, os materiais didáticos, entre outros.
Jovem Hadomi To’os, uma iniciativa para aumentar a produção agrícola, foi a terceira ideia premiada na Feira do Empreendedor. É um conceito que pretende envolver jovens, no sentido de resolver também problemas de desemprego. José Maria Pinto, o proponente, está preocupado com a conservação do ambiente e pretende reutilizar as garrafas de água para o cultivo dos vegetais, de forma consistente, para combater os impactos das alterações climáticas e da falta de acesso a água potável.
José Pinto viu a Feira como uma oportunidade para treinar a apresentação em frente a possíveis investidores. “O MOVE apoia-me com a identificação do mercado e a análise da produção, para definir o preço ideal das mercadorias”, partilhou. O jovem já investiu cerca de 2.500 dólares na perfuração de poços para rega e na restante preparação do projeto. Neste momento está a procurar financiamento para conseguir instalar o sistema de produção agrícola, na esperança de, dentro de cinco anos, conseguir responder a uma parte das necessidades alimentares do país.
Os prémios para segundo e terceiro lugares foram: abertura de uma conta no BNU, com um montante de dinheiro já disponível, uma noite no Hotel Timor Plaza, um voucher no restaurante Panorama ou uns auriculares da TT.
Desafios
O painel “Os 25 anos do referendo e o desenvolvimento de Timor-Leste desde então” contou com as participações de Ana Andrade, da docente do Dili Institute of Technology (DIT), Teresa Belo, e do presidente da Autoridade Municipal de Díli (AMD), Gregório Saldanha. A conversa tocou em vários pontos importantes, entre os quais, o desempenho das universidades na qualificação dos jovens, a postura e as atitudes da juventude quanto à vida em sociedade e às suas ambições profissionais, e o acesso a créditos/empréstimos nos bancos.
Na sua intervenção, Teresa Belo, considerou que existe ainda “uma falta de consciência” por parte da geração mais nova, no sentido de perceberem o que vão fazer no futuro. “No Díli Institute of Technology, ensinamos ‘formas de sobrevivência’ no mercado de trabalho, através de um currículo que se baseia na procura da indústria. Investimos na capacitação dos estudantes, para que os graduados possam competir com os recursos humanos internacionais”, partilhou.
No entanto, segundo a ONG La’o Hamutuk, a taxa de desemprego em Timor-Leste é de 27% e atinge principalmente a população mais jovem, que representa mais de metade dos timorenses. A falta de oportunidades de trabalho também é a principal queixa dos recém-graduados. Numa entrevista com o Diligente, José Jerónimo, o atual Ministro do Ensino Superior, Ciência e Cultura, informou que, todos os anos, entre mil e três mil estudantes são graduados pelas universidades timorenses.
Já o presidente da AMD, Gregório Saldanha, destacou a necessidade de os jovens não se envolverem em confrontos violentos. O líder municipal avalia que é fundamental capacitar as novas gerações para gerir as riquezas do país com responsabilidade e sabedoria.
“Em Fatumaka, desde o tempo português, os alunos são preparados para trabalhar mal acabam os estudos. Hoje não vemos isso na sociedade. Temos de elevar a qualidade da educação”, observou Gregório Saldanha, enfatizando também que os governantes devem trabalhar e estar atentos para responder às necessidades do mercado de trabalho.
O presidente da AMD alertou ainda para a importância de um espírito competitivo, apontando já para a entrada de Timor-Leste na ASEAN, e pediu aos jovens que aproveitem as formações do MOVE.
Por sua vez, o BNU Timor revelou que enfrenta desafios na concessão de empréstimos. “Temos duas grandes dificuldades: assegurar, por parte da dos clientes, a constituição de colaterais (hipotecas); além disso, 90% das empresas timorenses não têm contabilidade organizada”, referiu Ana Andrade. Entretanto, a diretora-geral adjunta do BNU Timor avalia que “os desafios são sempre oportunidades para uma empresa crescer”.
A ONG MOVE pretende apoiar os jovens a conseguir financiamento para as suas ideias, principalmente dos bancos, que exigem um plano de negócio para garantir a viabilidade dos projetos e o seu sucesso. O documento, apresentado em formato Excel, mostra quanto é que a empresa vai lucrar, no sentido de convencer os bancos a dar empréstimos.
O painel foi concluído com as recomendações da diretora-geral adjunta do BNU Timor para os jovens empreendedores. “Acreditem em vocês. Se não o fizerem, nada existe. E pensem naquilo em que podem ser diferentes, começando com pequenos negócios”, sugeriu Ana Andrade, destacando as atuais preocupações ambientais, além da riqueza da biodiversidade do país e as áreas com potencial de mercado, como a energia solar.
A diretora salientou que é essencial fazer um plano de negócios, participar em formações, para adquirir ferramentas que permitam, por exemplo, escolher uma boa equipa (funcionários, colaboradores). “O passo seguinte é falar com o BNU, se não tiverem capital. O BNU, nos últimos anos, tem apoiado as iniciativas do MOVE. Depois, é preciso alguma dose de sorte para que as coisas corram bem, mas não podem desistir”, concluiu.
A diretora-geral adjunta mencionou que o BNU Timor abriu a sua primeira Agência em Díli em 1912, tendo inaugurado a sua sede em 1968. Explicou ainda que, durante a invasão indonésia, os responsáveis fecharam as suas operações em Timor-Leste e o Banco só reabriu em 1999, já depois do Referendo. O BNU Timor é hoje uma sucursal da Caixa Geral de Depósitos (CGD), uma instituição bancária portuguesa. Desde então, o BNU Timor tem-se adaptado ao contexto económico e social de Timor-Leste, procurando uma aproximação a clientes diversificados, sejam eles particulares ou empresas.
Jovens empreendedores
Para Ana Andrade, o empreendedorismo em Timor-Leste ainda está no início, mas tem notado que as pessoas incorporam cada vez mais a noção de empoderamento, mostrando-se confiantes para pôr em prática as suas próprias ideias de negócio. Considera ainda que o investimento na criação de empresas gera riqueza para o país.
“Se aproveitarem os recursos que têm para desenvolver negócios, vão ter mais clientes, vão poder vender e colmatar necessidades, criando empregos e melhorando os serviços em Timor-Leste”, acrescentou a diretora-geral.
Uma das voluntárias do MOVE, Margarida David, licenciada em Gestão pelo ISCTE Business School, destacou que o papel da ONG é ajudar os empreendedores a amadurecer ideias, otimizando-as para que os respetivos negócios se possam materializar e, através de uma boa gestão, serem lucrativos. “Mesmo numa fase embrionária, é importante saber gerir o negócio. “Acreditamos nos jovens e ajudamo-los, para que outras pessoas também acreditem neles e nas suas iniciativas”, partilhou a voluntária do MOVE.
A metodologia do MOVE divide-se em três componentes: WAKE, formação “do zero à ideia de negócio”; SHAKE, (trans)formação “da ideia de negócio em modelo de negócio”; e MAKE, consultoria “do modelo de negócio à sustentabilidade”.
Margarida David ressaltou que a ONG também investe no networking dos empreendedores, encaminhando-os para possíveis financiamentos e clientes, de modo a construírem o seu mercado. “É preciso procurar as oportunidades e sentirem que são uma parte do crescimento do país, tendo em consideração o seu potencial e este momento crucial de entrada na ASEAN”, observou.
A voluntária testemunhou que, com o acompanhamento do MOVE, o vencedor da Feira do Empreendedor do ano passado está, neste momento, a empregar seis pessoas e a ter um lucro significativo. “Além disso, acompanhamos uma jovem que faz pulseiras. Mesmo não tendo sido vencedora na outra edição da Feira, está a ter sucesso, porque a ideia dela é fácil de implementar. Ajudámos a Adelina, mentora do projeto, a definir o catálogo, a encontrar pontos da venda e a candidatar-se a fundos. Ela conseguiu cumprir todo esse processo e ganhou ainda um concurso”, partilhou.
O negócio de Adelina Jerónimo chama-se Furak Estúdiu no Galeria Arte. Teve início no ano passado e consiste na produção de obras de artesanato com matérias-primas como tais, morten (colar tradicional timorense) e panelas de barro. Com o prémio do concurso Marimba – uma iniciativa para fomentar negócios de empreendedoras – a jovem pretende aplicar o dinheiro na melhoria dos seus produtos.
Os participantes da Feira mostraram-se satisfeitos, animados e ansiosos por mergulhar no mundo do empreendedorismo. Justina Freitas Soares, estudante da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), ficou contente por participar em muitas sessões, nas quais aprendeu a criar uma ideia inovadora e a transformá-la num negócio.
“É preciso esforço para passar da ideia à realidade. Saber fazer ligações com as pessoas, definir o mercado, entre outros. A Feira é uma motivação para eu dar os primeiros passos no sentido de realizar, pelo menos uma das muitas ideias que tenho”, disse a jovem.
Por outro lado, Juleysia Sarmento, jovem empreendedora, que começou a Ley Craft Collections durante a pandemia, estava feliz porque conseguiu lucrar mais de 70 dólares na Feira do Empreendedor deste ano, com a venda de seus produtos. Os itens mais vendidos foram o caça-sonhos (caçador de sonhos, ou cata-sonhos) e o luhu (recipiente tradicional timorense) decorado com folhas de palmeira.
“O nome do negócio refere-se ao gosto pelas obras de artesanato. Peguei nessas peças e dei-lhes um toque para as tornar mais bonitas, como o luhu, que é visto como uma coisa normal: tornei-o único através do croché e isso atrai compradores”, contou.
Aprendeu croché com a mãe e transformou-o num hobby que diz ter moldado a sua personalidade, porque dedica o seu tempo livre a criar peças usando linha e agulha. “É um escape e uma terapia”, confidenciou a jovem. Juleysia Sarmento refugia-se no croché sempre que está cansada, triste ou à procura de paz interior. E, na maioria das vezes, acaba por aprender algo novo.
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