Importância da língua portuguesa em Timor-Leste divide opiniões entre identidade nacional e mercado de trabalho

Debate sobre a importância de língua portuguesa em Timor-Leste/Foto: Diligente

O linguista Benjamim Corte-Real e a docente de língua portuguesa da UNTL, Benvinda Lemos, defendem um investimento sério no ensino do português no país e rejeitam qualquer ligação entre a falta de postos de trabalho e a adoção do português como língua oficial.

O debate sobre a importância da língua portuguesa em Timor-Leste ganhou destaque após declarações do reitor da Universidade da Paz (UNPAZ), Adolmando Soares Amaral, durante uma cerimónia de graduação. O reitor questionou a relevância do português no mercado de trabalho timorense, alegando que o conhecimento da língua não garante oportunidades de emprego, uma vez que os setores que geram mais postos de trabalho são dominados por outras línguas, como o inglês, o indonésio e o coreano. Esta posição gerou um intenso debate nas redes sociais, dividindo a opinião pública quanto ao papel do português no país.

Durante um debate sobre a língua portuguesa, organizado pelo Diligente no âmbito do seu 2.º aniversário, na Fundação Oriente, o linguista Benjamin Corte-Real contestou a posição de Adolmando Soares Amaral, afirmando que esta não tem fundamento.

As universidades, defende Corte-Real, têm a responsabilidade de formar profissionais qualificados que possam responder às exigências do mercado de trabalho. “O Estado deve exigir que as universidades formem profissionais capazes de contribuir para o desenvolvimento do país e para a criação de novas oportunidades”, afirmou.

O linguista sublinha ainda a necessidade de as instituições de ensino superior prepararem jovens em diversas áreas e incentivarem a criação do próprio emprego.

Segundo Corte-Real, o domínio de uma língua não é, por si só, garantia de empregabilidade.  “Ensinar em indonésio ou em coreano não significa que os jovens vão encontrar emprego. A Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), que adota o português como língua de ensino, nunca se queixou de que esta escolha foi um erro. São outras universidades, que não ensinam português, que se queixam de que o português não oferece oportunidades”, argumentou.

Para o linguista, a educação em português deve ser vista como um meio de preparar as crianças timorenses, proporcionando-lhes uma formação sólida e oportunidades de desenvolvimento. Contudo, reforça que é essencial garantir que os professores tenham o apoio necessário para aprender e ensinar a língua com qualidade.

O jurista Avelino Coelho, que havia sido convidado para participar no debate e confirmado a sua presença, desmarcou-se à última hora, alegando que não conseguiu encontrar um lugar para estacionar. A sua ausência impediu a apresentação de uma perspetiva contrária sobre a importância da língua portuguesa.

Já Benvinda Lemos, docente de língua portuguesa do Departamento de Língua Portuguesa, da UNTL, considera que a melhoria do ensino do português em Timor-Leste exige um esforço conjunto entre o governo, os professores e a comunidade. Para isso, é fundamental investir na formação de docentes e na criação de um ambiente que favoreça o uso contínuo do português nas escolas e universidades.

A docente também refutou as declarações do reitor da UNPAZ, assegurando que a maioria dos licenciados em língua portuguesa encontra emprego, não apenas nas escolas, mas também noutras instituições.  “Há estudantes que ainda não terminaram o curso e já estão a trabalhar. Por isso, até demoram a concluir as suas monografias, porque estão ocupados com o trabalho”, explicou.

Identidade nacional e desafios no ensino do português

Benjamin Corte-Real defende que a manutenção da língua portuguesa como língua oficial de Timor-Leste é essencial para a identidade nacional e a formação política do país. Segundo o linguista, apesar de séculos de contacto com outras línguas e da ocupação indonésia, o português manteve-se como um símbolo de soberania e unidade.

A continuidade do português como língua oficial não se deve apenas ao reconhecimento internacional de Timor-Leste, mas também à sua importância cultural e histórica.

“A língua portuguesa não é apenas um legado colonial; tornou-se uma marca distintiva que ajudou a moldar o país e a reforçar a sua presença no contexto regional e global. Desde que foi adotada como língua oficial, nunca deixou de o ser”, afirmou.

Do ponto de vista cultural, Corte-Real considera que o português já está profundamente enraizado na sociedade timorense, integrando-se de forma natural nas atividades socioculturais e no quotidiano da população. Esta integração, segundo ele, não resulta apenas de imposições legais ou políticas, mas também de uma adoção espontânea por parte da sociedade.  “A naturalidade com que o português é utilizado nas atividades socioculturais da população convence-me de que a língua portuguesa já faz parte da nossa cultura”, destacou.

Embora o português ainda não seja falado pela maioria dos timorenses no dia a dia, está presente de forma implícita na vida quotidiana, uma vez que grande parte do vocabulário do tétum tem origem no português.

Benvinda Lemos reforça que, para que o português se torne efetivamente uma ferramenta de comunicação e aprendizagem, é necessário promover uma maior integração entre o português e o tétum, respeitando a realidade linguística do país.

A docente defende que a educação deve ser inclusiva e incentivar o uso do português para além da sala de aula, através de atividades que promovam a leitura e a prática da língua no dia a dia.

No entanto, lamenta a falta de iniciativas do Governo para incentivar a aprendizagem do português fora do contexto escolar, uma preocupação frequentemente levantada pela comunidade académica.  “Precisamos de investir mais no ensino da língua portuguesa e cabe ao Governo assumir este papel, porque fomos nós que escolhemos o português como língua oficial”, concluiu.

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