Habitantes de Metiaut responsabilizam construtora e Governo por perdas durante cheias de 2021 e exigem compensações

Casas na aldeia de Carangola continuam expostas a possíveis derrocadas/Foto: Diligente

 

Moradores da aldeia de Carangola, no suco de Metiaut, em Díli, apontam o dedo ao Governo e à empresa de construção timorense Jonize por vidas perdidas e casas destruídas, aquando das fortes cheias que assolaram o país, em abril de 2021. De acordo com os moradores, a empresa terá feito, em 2019, perfurações para a construção de uma habitação privada – obra que ainda está por concluir – que terão causado maior instabilidade nos solos e propiciado os deslizamentos que provocaram um cenário calamitoso no local. Relativamente ao Governo, acusam-no de negligência nos trabalhos de construção da estrada que liga Metiaut a Camea (Becora), em 2020.

A 4 abril de 2021, Timor-Leste sofreu o maior desastre natural da história do país, que custou a vida a 44 pessoas (números do Ministério da Administração Estatal). Em Metiaut, na aldeia de Carangola, a chuva intensa começou às 16h e caiu, ininterruptamente, durante mais de duas horas.

Da montanha, um grande volume de água misturada com terra e pedras atingiu as habitações locais. A derrocada soterrou casas inteiras e respetivos recheios, o próprio terreno envolvente e, para muitos habitantes, pelo menos até agora, a esperança de uma vida segura para si e para as suas famílias.

As vítimas do desastre na aldeia da zona oriental de Díli, vêm, entretanto exigir compensações, quer ao Governo quer à construtora Jonize, uma vez que passados praticamente dois anos, dizem não terem sido ressarcidos das perdas.

Consideram que houve negligência por parte da Jonize, empresa responsável pelas obras para a construção de uma casa e respetivos acessos, no cimo da montanha da aldeia. De acordo com os residentes as perfurações, necessárias para desenvolver os trabalhos, foram a causa direta do desastre que resultou em “enormesprejuízos para as famílias que moravam perto da zona em obras. Os lesados atribuem também responsabilidades ao Governo por alegadamente terem contribuído para a fragilidade dos solos, quando construíram a estrada de acesso entre Metiaut e Camea (Becora).

Habitualmente, a ribeira não tem uma corrente forte, mas, de repente, a água trouxe terra do cimo da montanha e enterrou as nossas moradias. Arrisquei a minha vida para tentar salvar as casas, mas os meus filhos gritaram para não o fazer e parei. Senão, também eu teria ficado enterrado no local, como aconteceu com um vizinho meu”, testemunha José Pires, de 65 anos. O morador conta que, “enquanto a maioria das pessoas saiu de casa para procurar um sítio seguro, um jovem, com mais ou menos 24 anos, quis voltar para recuperar alguns dos seus bens pessoais”. Foi arrastado pela torrente de água e terra. Embora as famílias ainda o tenham conseguido socorrer e levar para o hospital, acabaria por não sobreviver.

Dois anos depois, a precaridade mantém-se no local das inundações: as casas continuam entulhadas de terra e pedras.

Alexandrino da Conceição, morador em Metiaut, desde 2005, exige que a empresa Jonize requalifique a ribeira que ladeia as habitações de modo a evitar que, quando chove muito, a água ultrapasse as margens do leito e para que o caudal tome a direção do mar e não a das casas. “A Jonize estragou tudo. É melhor a empresa cumprir o que prometeu e reabilitar a ribeira para que esta não continue a colocar riscos para os habitantes”, enfatiza.

“Pedimos também ao Governo que construa um muro de proteção para prevenir inundações e ajudar a garantir a segurança das pessoas”. No entanto, o morador sublinha que, apesar de tanto representantes da empresa como do Governo já se terem deslocado muitas vezes ao local e analisado as condições da ribeira, até ao momento nada foi feito.

José Pires, outro dos residentes no local do desastre, mora em Metiaut desde o tempo da ocupação indonésia e nunca sofreu uma calamidade como a de 2021. “Antes de as empresas construtoras fazerem perfurações na montanha, a ribeira era pequenina e podíamos atravessá-la, mas depois de furarem o solo, agora, quando chove, a terra desliza facilmente juntamente com água”.

Pouco tempo após o desastre, ainda no mês de abril, José Pires afirma ter recebido um apoio da Secretaria de Estado da Proteção Civil no valor de mil dólares, além de zinco, ferro e cimento para construção de outra casa. “Não tenho outra alternativa de espaço. Mudei-me um pouco para o lado da casa destruída e construí uma nova. Sempre que chove, tenho muito medo, porque não há nenhuma estrutura que nos proteja, caso a água transborde a ribeira”, acrescenta.

Já Alexandrino da Conceição e a sua família garantem não ter recebido nenhum apoio do Governo ou de qualquer organização. “Sentimos que há injustiças no tratamento dado às vítimas das inundações. Algumas famílias, em cujas casas não entrou muita água, receberam apoios, mas nós, que tivemos a casa cheia de lama e pedras e, por causa disso, muitos prejuízos, não recebemos nada”, lamenta.

O Presidente da Autoridade de Proteção Civil (APC), Ismael da Costa Babo, justificou em entrevista ao Diligente: “As vítimas que residem em locais de risco de desastre ou em terrenos de que não são proprietários não têm direito a receber apoios do Governo para a recuperação das respetivas casas”.

De acordo com números da APC, a entidade registou em 2021, em todo o território, cerca de cinco mil casas a precisar de trabalhos de recuperação. Destas, segundo o responsável, a APC “já ajudou a recuperar cerca de duas mil, mas as restantes três mil não obedecem às prerrogativas previstas na lei para a atribuição de apoios públicos”.

Nesse sentido, pede às famílias que residam “na beira da ribeira ou em zonas montanhosas para, voluntariamente, deixarem esses lugares”, tendo em conta que são zonas de risco mais propícias a situações de catástrofe”. Apela também às autoridades locais “para obrigarem os habitantes a mudarem as suas residências para locais seguros, caso estes não o façam por sua livre e espontânea vontade”.

O responsável sublinhou que “o Governo pode penalizar os proprietários das casas construídas em locais proibidos” e que a APC está a trabalhar com as entidades competentes, nomeadamente o Ministério das Obras Públicas, para tomar medidas urgentes que façam face às construções ilegais.

Por sua vez, o chefe de suco de Metiaut, Mateus Inácio da Costa, também questionado sobre as vítimas que não terão sido ressarcidas pelos prejuízos, explica que as autoridades locais “têm o dever moral de relatar qualquer acontecimento que ocorra na comunidade, mas a decisão [de conceder apoios] tem de ser tomada a nível superior”.

Avança ainda que a zona onde a Jonize fez obras “era uma propriedade privada que foi comprada pela empresa” e, por isso, “não é ao suco que cabe impedir a construção”.

Apesar de a lei determinar que existem três tipos de terrenos onde se aplicam restrições à construção, nomeadamente zonas perto do mar, das ribeiras, das colinas e montanhas, “algumas empresas fazem obras no topo das montanhas na mesma”, descreve.

O que as vítimas pedem é “apenas que a empresa cumpra a promessa que fez de disponibilizar equipamentos e trabalhadores para a reabilitação da ribeira e construção de um muro de proteção” junto às casas mais expostas a possíveis derrocadas, concluiu.

O Diligente conseguiu obter declarações de um dos responsáveis da empresa Jonize, que não quis, contudo, revelar a sua identidade. Relativamente à promessa de reabilitar a ribeira e disponibilizar máquinas 24 horas por dia que assegurassem a reabilitação e a segurança dos trabalhos, o responsável garante que “não foi feita nenhuma promessa relativamente à normalização da ribeira” e sublinha que essa “é uma responsabilidade do Governo e não da empresa”.

Assegura que os estragos nas habitações na aldeia de Carangola, em Metiaut, não foram provocados pelas atividades da empresa. “A empresa fez furos no terreno há cerca de 10 anos. As inundações aconteceram em 2021. Esta reclamação não é racional”.

Também não concorda que as vítimas “apontem o dedo às obras da sua empresa, porque, no mesmo local, se construiu uma estrada nas colinas e não houve qualquer reclamação”.

Afirmou ainda que, “apesar de a responsabilidade não ter sido da Jonize, depois de as famílias terem sido atingidas pelos deslizamentos de terras e inundações”, foram enviados trabalhadores da empresa ao local para ajudar as famílias afetadas”. Na altura, terão inclusivamente, diz o responsável, feito um furo profundo na ribeira para que água pudesse seguir o seu curso natural.

“Eu não tenho mais comentários a fazer sobre este assunto. Não estou preocupado, porque as vítimas não souberam agradecer a ajuda que a empresa deu. Os transportes que a população mobilizou não conseguiram aceder aos locais afetados e a Jonize é que foi ajudar a tirar a lama e as pedras”, garante.

As inundações do dia 4 de abril de 2021 afetaram 106 pessoas (números da Autoridade Local de Metiaut) de três aldeias do suco de Metiaut, que, no dia do desastre, foram acolhidas na Capela 4 de abril e na escola do mesmo suco. Receberam apoio humanitário de algumas organizações não-governamentais e, em alguns casos, ajudas governamentais, tendo depois regressado às suas casas ou ao que restou delas ainda que sem condições de segurança.

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