Representantes de seis municípios estiveram reunidos em Díli para exigir soluções para um problema já antigo. A Bee Timor-Leste, empresa pública responsável pelo abastecimento em todo o país, promete melhorar o serviço.
A preocupação com o acesso a água em Timor-Leste continua a ser um problema sério para a população, tanto nas áreas rurais como nas urbanas. Neste sentido, os representantes das autoridades locais dos municípios de Aileu, Covalima, Díli, Ermera, Manufahi e Viqueque reuniram-se na passada terça-feira, 30 de julho, no salão do Fórum das Organizações Não-Governamentais de Timor-Leste (FONGTIL), para discutir os problemas e tentar encontrar soluções.
Durante o encontro, realizado pela Plataforma Nacional de Água, Saneamento e Higiene de Timor-Leste (PN-BESI TL, em tétum), os líderes comunitários destacaram que a falta de abastecimento regular obriga a população a percorrer longas distâncias para procurar o bem essencial.
O chefe de suco da Uma Kiik, de Viqueque, Claudino Amaral, classificou a falta de água nas áreas rurais da região como “um problema grave” que, apesar de várias queixas, “continua sem solução à vista”. Segundo a autoridade local, a população tem de procurar água na ribeira, que não é adequada para o consumo, situação que coloca a saúde e a segurança em risco.
“A maioria das pessoas de Uma Kiik consome água da ribeira. Os estudantes, todos os dias, vão buscar dois garrafões de água para poderem ir à escola e preparar a merenda escolar. A água que usam para cozinhar é poluída e, quando vão buscá-la, podem ainda sofrer ataques de crocodilos”, lamentou.
O morador informou ainda que o Governo já construiu o sistema de canalização no seu suco, porém, a distribuição do bem essencial não chega a toda comunidade, uma vez que muitas famílias vivem em zonas remotas. O líder comunitário informou que o suco tem 3.459 habitantes e recomendou à Bee Timor-Leste (BTL), empresa pública responsável pelo abastecimento de água no país, que procure soluções junto das autoridades de Viqueque.
“Temos uma fonte de água pertencente à zona jurídica do suco Uma Kiik que podemos aproveitar. Estou preparado para mobilizar a comunidade para trabalhar, mas é importante o Governo alocar orçamento e materiais”, referiu.
Já em Baucau, no passado dia 14 de julho, uma cidadã de 76 anos morreu na sequência de um acidente, quando foi buscar água à ribeira. Segundo o relatório da Autoridade de Proteção Civil (APC), a vítima caminhou cerca de três quilómetros, desde a sua residência, em Quelicai, e caiu de uma montanha de 100 metros, tendo sido encontrada já sem vida no local.
“Aproximadamente 65% da população em Bebonuk consome água de furos, mesmo sabendo que há uma grande possibilidade de contaminação pelas fossas sépticas”
Problema comum também na capital
A falta de água não se verifica apenas nas áreas rurais, mas também nas urbanas, sobretudo em Díli, onde a situação tem piorado. O fornecimento de água é instável, o que levou a que muitas pessoas tenham de fazer furos perto de poços, como acontece em Bebonuk.
“A distribuição de água à comunidade de Benonuk, muitas vezes, acontece apenas uma vez por semana. A população tem de procurar uma alternativa. Aproximadamente 65% da população em Bebonuk consome água de furos, mesmo sabendo que há uma grande possibilidade de contaminação pelas fossas sépticas”, afirmou o chefe de suco, Alfredo da Costa.
Acrescentou ainda que as autoridades locais já alertaram a população para o risco de utilizar esta água para consumo próprio, mas em vão. Por isso, apelou para que os técnicos da BTL se desloquem ao terreno para identificar e resolver os problemas.
No suco de Comoro, na aldeia 12 de outubro, a comunidade também tem dificuldade em conseguir aceder ao bem essencial adequado para consumo, como refere Daniel de Jesus, o representante da autoridade local. “Aqueles que têm dinheiro podem comprar água às empresas privadas, mas os que não têm continuam a consumir água imprópria, o que pode afetar a saúde”, ressaltou.
Por sua vez, Abílio da Costa, representante da autoridade local do suco Manleu, afirmou que a canalização passou pela região e depois para outras localidades, mas a comunidade desta zona continua a não ter água garantida.
“Cerca de 35% das famílias têm acesso a água da torneira pública, sendo que uma torneira é partilhada por cinco famílias. Aqueles que vivem em terrenos baixos decidem usar água do poço, representando cerca de 5% da população”, explicou.
Manleu, com dez aldeias e mais de 18 mil habitantes, faz fronteira com o suco de Dare, onde 40% da população consome água de nascentes. No entanto, o volume do bem essencial tem diminuído, devido ao corte de árvores nas montanhas – situação que diminui a porosidade do solo e favorece processos de erosão.
Abílio da Costa informou que Manleu tem uma nascente que pertence ao património do Estado e que está a desenvolver um plano para aproveitar esta fonte. “Pedimos, assim, ao Governo que nos apoie, quando apresentarmos a nossa proposta”, concluiu.
Segundo o censo de 2022, apenas 10% das famílias têm torneiras próprias e 39% moradias têm acesso a torneiras públicas em todo o território. Ainda de acordo com o referido levantamento, mais da metade dos agrupamentos familiares em Timor-Leste ainda recorre às fontes desprotegidas ou desconhecidas e depende da proximidade de ribeiras e lagos para ter acesso a água.
Falta de investimento do Governo
O acesso a água potável, segundo a presidente da PN-BESI TL, Esmenia Laura Ximenes, é um direito fundamental dos cidadãos. Porém, segundo a organização, a comunidade, sobretudo nas áreas rurais, ainda percorre longas distâncias a pé para conseguir aceder a água. “Para além disso, os grupos de gestão de recursos nos municípios funcionam mal e há fontes de água contaminadas com dejetos de animais”, enfatizou.
A presidente da PN-BESI TL referiu também que as “infraestruturas básicas de água, saneamento e higiene nas escolas e nos postos de saúde ainda não são adequadas e inclusivas, contribuindo para o aumento de casos de malnutrição”.
Esmenia Laura Ximenes observou ainda que o decreto-lei n.º 31/2020 (Controlo da qualidade da água para consumo humano) não está a ser implementado. O artigo 4.º da referida legislação estabelece que a entidade gestora pela exploração do sistema de abastecimento de água tem a obrigação de “disponibilizar, por rede fixa ou outros meios, água própria para consumo humano de qualidade devidamente controlada e em quantidade que satisfaça as necessidades básicas da população”.
Por sua vez, o artigo 5.º do decreto-lei n.º 31/2020 define que “a água distribuída através de um sistema de abastecimento público deve ser submetida a um processo de desinfeção.”
Perante este cenário, a representante da PN-BESI TL considera que é importante o Governo aumentar o orçamento para o setor da água, saneamento e higiene. “Desde o primeiro até ao nono [Governo], o valor destinado para os serviços tem sido de apenas 1% do montante total. A população continua a aumentar, por isso seria melhor o Governo investir mais de 2% para o setor”, sugeriu.
Segundo a Organização Não-Governamental (ONG) La’o Hamutuk, o Governo alocou 1,3 % do Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2024 para o serviço de água e saneamento.
BTL compromete-se a melhorar o serviço
Segundo o presidente da BTL, Carlos Peloi dos Reis, o Governo, desde a criação da empresa pública, em 2020, “está a esforçar-se para melhorar o sistema de distribuição de água, de modo a chegar a toda a população”. Ao Diligente, Carlos Reis destacou que as equipas da BTL estão em todos municípios, com exceção da Região Administrativa Especial Oé-Cusse Ambeno (RAEOA), com o objetivo de resolver as dificuldades de acesso ao bem essencial.
O presidente da BTL afirmou ainda que estão ser desenvolvidos 53 novos projetos de sistema de água nos 23 postos administrativos, como em Tutuala, Baguia, Kelikai, Waturcarbau, Ossu, Fohorem, Fatululik, entre outros.
“Em breve vamos inaugurar algumas iniciativas em Maubara e Ataúro, para garantir que a população tenha acesso a água 24 horas”, afirmou. Acrescentou que serão lançados, em breve, novos projetos em 15 postos administrativos.
Carlos Reis informou ainda que a BTL está preparar um programa para os municípios, onde o Governo vai estabelecer água potável, pronta para consumo. “Estamos a colaborar com os nossos parceiros, mas ainda temos de aguardar orientações do Governo para proceder à implementação”, disse.
Relativamente às falhas de distribuição de água em Díli e em outros municípios, o presidente afirmou que o problema se deve à redução de recursos hídricos, principalmente na época seca. “Não podemos bombear água continuamente, uma vez que pode estragar as máquinas, por isso, o Governo reduziu o tempo de fornecimento”.
Carlos Reis ainda culpou parte da população pela falta de água em alguns lugares. “As pessoas não sabem usar a água corretamente, desperdiçam muito e fazem ligações clandestinas. Esta situação prejudica o trabalho da Bee Timor-Leste em distribuir o recurso a toda a comunidade”, afirmou.
A reunião contou com a presença de Carlos Reis, presidente da Bee Timor-Leste, E.P, do diretor-geral da Secretaria de Estado da Inclusão, Hermínio Xavier, do chefe de gabinete da Secretaria de Eletricidade, Água e Saneamento, Luís Nascimento da Costa, e ainda com representantes de parceiros nacionais e internacionais, como Water Aid, Care International e a Agência Adventista de Desenvolvimento e Assistência (ADRA- em inglês).
Os “12 milhoes” resolviam este problema!