Educação sexual em Timor-Leste: a lição que os jovens ainda não recebem

O ensino da sexualidade em Timor-Leste limita-se ao funcionamento do corpo humano e à prevenção de doenças transmissíveis/Foto: José de Castro

Em Timor-Leste, a educação sexual continua limitada a aulas de Biologia sobre o corpo humano e doenças sexualmente transmissíveis. A falta de informação sobre contraceção e relações saudáveis deixa muitos jovens vulneráveis à gravidez precoce, ao VIH e à violência de género. Especialistas e professores alertam que a inclusão de conteúdos abrangentes e formação adequada dos docentes é urgente para proteger a saúde e os direitos dos adolescentes.

Em Timor-Leste, 4,9% das jovens entre os 15 e os 19 anos engravidam, segundo os dados mais recentes (2022) do Instituto Nacional de Estatística (INETL). Muitas das raparigas que engravidaram ainda durante os estudos perderam a oportunidade de continuar a frequentar a escola, seja por regras internas, seja por vergonha ou medo. A taxa de abandono escolar mantém-se elevada: a partir dos 18 anos, apenas 30% das mulheres continuam a estudar.

A falta de acesso à educação sexual e ao planeamento familiar contribui para que muitas mulheres solteiras grávidas sofram abandono e estigmatização, com consequências graves para a sua saúde mental e social.

Paralelamente, o número de casos de abuso sexual e violência baseada no género tem vindo a aumentar, embora exista ainda subnotificação — situação semelhante à dos casos de VIH/SIDA.

A UNESCO publicou recentemente recomendações que sublinham como a educação sexual compreensiva pode ajudar a resolver problemas estruturais que afetam a vida dos jovens. O objetivo, refere a organização, é dotar crianças e adolescentes de conhecimentos, competências, atitudes e valores que lhes permitam “concretizar a sua saúde, bem-estar e dignidade, desenvolver relações sociais e sexuais respeitosas, refletir sobre as suas escolhas e compreender e garantir a proteção dos seus direitos ao longo da vida”.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023), a educação sexual deve incluir temas como família e relações, respeito, consentimento e autonomia corporal; anatomia, puberdade e menstruação; contraceção e gravidez; e infeções sexualmente transmissíveis, incluindo o VIH. A OMS recomenda ainda que os programas sejam baseados num currículo estruturado, cientificamente rigoroso, adaptado às idades e abrangente.

Em 2021, o então ministro da Educação, Juventude e Desporto, Armindo Maia, anunciou a intenção de criar um currículo de educação sexual e saúde reprodutiva para adolescentes.

Atualmente, o Governo prepara professores para a introdução da nova disciplina Saúde e Bem-Estar, prevista para 2026, começando pelo 10.º ano do Ensino Básico. Segundo o coordenador-geral do Currículo do Ensino Básico e Secundário, João Maupelo, a disciplina virá complementar Ciências Físicas e Naturais, que já aborda conteúdos de Biologia.

“No manual atual, fala-se de forma geral sobre o corpo humano e as doenças sexualmente transmissíveis. Na nova disciplina, os alunos vão aprender a usar a ciência para viver de forma saudável”, explicou João Maupelo, acrescentando que os conteúdos serão apresentados de forma mais simples e compreensível.

O coordenador sublinhou que a introdução da sexualidade no currículo escolar acontece atualmente apenas no 3.º ciclo do Ensino Básico, coincidindo com a chegada da puberdade. “No 1.º e 2.º ciclos, são os pais que devem responder às perguntas dos filhos, como por exemplo ‘de onde vim?’, mas de forma simples e não demasiado detalhada”, observou.

No entanto, estudos mostram que a maioria dos abusos sexuais infantis ocorre dentro do lar, muitas vezes por familiares próximos. Por isso, é essencial que a educação sexual comece desde cedo, ensinando às crianças o que é aceitável e o que não é, mesmo em relação a pais, tios, primos ou avós.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (2018), a educação sexual abrangente deve iniciar aos 5 anos, com conteúdos adaptados à idade, abordando temas como consentimento, direitos e prevenção de abusos. A UNICEF também reforça a importância de integrar a educação sexual nos currículos escolares, envolvendo pais e comunidades para garantir um ambiente seguro e de apoio para as crianças.

Estas orientações internacionais sublinham a necessidade de iniciar a educação sexual desde a infância, de forma adequada à idade, para promover a proteção das crianças e o seu desenvolvimento saudável.

Segundo João Maupelo, os manuais incluem os principais temas sugeridos pela OMS — anatomia, puberdade, riscos de infeções e hábitos de vida saudável. No entanto, a contraceção, como o uso do preservativo, não está incluída. A justificação, segundo o responsável, é evitar que os alunos interpretem a informação como um incentivo à prática sexual precoce.

“Vamos encorajá-los a assumir responsabilidade sobre o seu próprio corpo, respeitando as normas sociais e religiosas, porque os currículos devem estar adaptados à realidade sociocultural”, concluiu.

Falta de conhecimentos adequados sobre saúde sexual

Os jovens do ensino secundário em Timor-Leste demonstram fraco conhecimento sobre educação sexual, limitando-se, na maioria das vezes, ao que aprendem nas aulas de Biologia.

Diana Soares Sarmento, 19 anos, finalista da Escola Secundária Geral 4 de Setembro, acabou de estudar as doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o VIH/SIDA. Questionada sobre como se pode prevenir a infeção, respondeu: “Podemos usar preservativo”.

A jovem recorda que, no 3.º ciclo do ensino básico, aprendeu conteúdos sobre anatomia e sobre o respeito pelo próprio corpo e pelo dos outros. No entanto, lamenta que só mais tarde tenha tido acesso a informação sobre a menstruação, mesmo depois de já ter vivido a experiência.

Também aluna da mesma escola, mas da área de Ciências Sociais, Celfia Pedro afirmou que aprendeu a proteger-se das doenças sexualmente transmissíveis ainda no 3.º ciclo, na Escola Básica Central de Fatumenta, Bairro Pité. Embora o preservativo tenha sido mencionado, o que mais reteve foi a mensagem de que “não fazer relações sexuais” era a forma mais eficaz de evitar a contaminação.

“Também aprendi sobre igualdade de género e a importância do consentimento numa relação”, acrescentou.

Já Adalzira dos Santos, estudante do 10.º ano de Ciências Sociais e Humanidades, admite que não sabe o que significa saúde sexual. Suspeita que o tema tenha sido abordado no pré-secundário, mas confessa não ter prestado atenção. “Nem sabia o que é puberdade, quais são as doenças sexualmente transmissíveis ou como me proteger”, disse. Quando teve a primeira menstruação, orientou-se apenas pelas instruções das irmãs mais velhas.

Inocêncio da Cruz Alves, aluno do 12.º ano de Ciências Sociais e Humanidades, na Escola Secundária Geral 4 de Setembro, reconhece que não teve contacto com educação sexual no ensino básico do 3.º ciclo.

“Na disciplina de Biologia, os professores explicaram por alto os órgãos reprodutivos e, quando perguntávamos, diziam apenas que aprenderíamos mais detalhadamente no ensino secundário”, contou. Contudo, ao escolher uma área sem Biologia, acabou por não ter mais aulas sobre o tema.

O estudante refere, no entanto, que através de formações promovidas pela escola, com peritos e membros do Governo, conseguiu aprender sobre prevenção de infeções, uso do preservativo e respeito pela autonomia corporal. “Acho importante estas formações porque nos orientam para o respeito e ajudam a evitar abusos. Não podemos viver com medo: temos de falar, senão os abusos vão continuar”, sublinhou.

Apesar destas iniciativas, os mal-entendidos persistem entre os alunos. Elezito Correia, do 11.º ano, acreditava que o VIH/SIDA podia ser transmitido através da partilha de toalhas ou sabonete. Corrigido, lembrou-se de que a transmissão ocorre, por exemplo, através do uso de agulhas contaminadas em tatuagens ou em relações sexuais desprotegidas.

O jovem disse ainda que, no 3.º ciclo, estudou conteúdos sobre o corpo humano, diferenças de género e violações. Contudo, só tomou conhecimento sobre o uso do preservativo através de formações organizadas pela escola, com médicos e especialistas. “É importante que este conhecimento seja transmitido desde cedo, para evitar que aconteçam coisas más”, alertou, incentivando os colegas a participarem nos seminários sobre saúde, de modo a compreender e prevenir doenças transmissíveis e aprender a respeitar os outros.

Obstáculos a uma educação sexual abrangente

No ensino secundário em Timor-Leste, os manuais escolares de Ciências Físicas e Naturais não incluem qualquer referência ao preservativo. Os conteúdos limitam-se ao estudo do corpo humano e das doenças sexualmente transmissíveis, deixando de fora aspetos práticos ligados à prevenção.

José Henrique de Castro, professor de Biologia na Escola Secundária Geral 4 de Setembro, leciona o 10.º ano e explica que a Biologia ocupa apenas uma pequena parte do manual, que reúne também matérias de Física e Química.

Embora o preservativo não seja abordado nos livros, o docente admite que, por vezes, o menciona ao falar de métodos de prevenção contra o VIH. “Temos de falar com cuidado, porque os estudantes ainda são inocentes. Eles até se riem quando explico que o VIH/SIDA se transmite pelas relações sexuais e perguntaram o que isso era. Respondi de forma superficial, focando-me na doença”, relatou.

Segundo o professor, os alunos chegaram a questionar quando poderiam iniciar relações sexuais. A resposta foi clara: biologicamente, é possível quando o corpo está preparado, mas a prioridade deve ser a escola, “já que ainda são muito jovens”.

Quando mencionou o preservativo como método de prevenção, alguns alunos reagiram com espanto e perguntaram o que aconteceria se este se rompesse. “Expliquei que era um risco e que é preciso ter cuidado. Mas, como professor, sei para onde a conversa pode evoluir e, por isso, tenho de ser cauteloso ao falar de sexualidade. Então, digo-lhes que aprenderão mais no 2.º ou 3.º ano”, acrescentou.

Para o docente, os casos de gravidez precoce e de infeções sexualmente transmissíveis estão muitas vezes ligados ao acesso livre a conteúdos inapropriados e à falta de compreensão dos jovens sobre responsabilidade e amor. “Depois, arrependem-se e enfrentam violência doméstica, sobretudo por causa de problemas económicos. O papel da escola é limitado, mas incentivamos sempre os alunos a estudarem, porque o futuro deles e da nação está nas suas mãos. Aqui, a escola também proíbe namoros”, frisou.

José Henrique de Castro lamenta ainda que os estudantes raramente façam perguntas em sala de aula, mesmo quando tenta estimular a curiosidade ou introduz pequenos lapsos propositados para gerar debate. Para ele, as dificuldades económicas dos alunos prejudicam a concentração durante as aulas.

O professor defende que o currículo deve responder às necessidades reais dos jovens. Recorda que muitas raparigas só aprendem sobre menstruação no 3.º ciclo do ensino básico, ou até já no secundário, quando algumas podem ter a primeira menstruação logo no 2.º ciclo.

“Acho que o tema devia começar a ser ensinado desde o 2.º ano do ensino básico, para que entendam como se proteger. Mas isso depende de quem define o currículo. Talvez ponderem quando e como introduzir a educação sexual, tendo em conta a mentalidade timorense”, observou, comparando com a Indonésia, onde os alunos aprendem no 3.º ciclo do ensino básico conteúdos que em Timor só surgem no secundário.

Além disso, a limitada disponibilização de métodos contracetivos reforça a necessidade de educação sexual abrangente no currículo escolar e de informação sobre planeamento familiar. Em Timor-Leste, os serviços de planeamento familiar muitas vezes negam contracetivos a mulheres solteiras, mesmo adultas, que já mantêm relações sexuais e, em muitos casos, exige autorização do marido ou parceiro. Especialistas alertam que esta prática viola a Constituição e restringe o direito das mulheres à autonomia sobre o próprio corpo. Isto limita a autonomia reprodutiva e aumenta o risco de gravidez precoce e infeções sexualmente transmissíveis.

Já o coordenador-geral do Currículo do Ensino Básico e Secundário, João Maupelo, identifica outro desafio: o impacto das redes sociais, que disseminam pornografia, e a necessidade de uma educação informal e holística vinda da família e da Igreja. “A escola deve apoiar, ajudando os estudantes a compreenderem o seu corpo, como funciona e como podem evitar comportamentos de risco”, afirmou.

Segundo o coordenador, a gravidez precoce compromete o bem-estar físico, económico e psicológico dos jovens. Recordou ainda que já houve uma experiência com um manual escolar que referia o uso do preservativo, mas que acabou por não ser implementada devido à oposição da Igreja. “Aprendemos com isso. Existe uma exigência internacional para abordar o assunto, mas tem de ser feito de forma progressiva, para não chocar com as normas sociais atuais”, sublinhou.

A influência de determinados segmentos religiosos, sobretudo da Igreja Católica, tem condicionado tanto o acesso a contracetivos como a implementação de políticas de planeamento familiar, num país cuja Constituição prevê a separação entre Estado e religião.

Maupelo reconhece que se trata de um dilema: é fundamental ensinar os jovens a cuidarem-se e a evitarem comportamentos de risco, incluindo o uso do preservativo para prevenir doenças e gravidezes precoces. Mas, ao mesmo tempo, teme-se que esta informação seja interpretada como um incentivo à iniciação sexual em idades muito jovens. “É difícil, mas é necessário. Há espaços onde se pode ensinar sobre preservativo, sem que esteja explicitamente no currículo”, admitiu.

Apesar das limitações, mostra-se confiante de que o atual currículo ajudará a reduzir casos de gravidez precoce e de infeções sexualmente transmissíveis. Para tal, considera essencial que os jovens compreendam o funcionamento do seu corpo e o facto de este ainda não estar preparado para conceber em idade precoce.

Um caso à parte: quando a educação sexual já é realidade

Em algumas escolas timorenses, há professores que vão além do currículo e introduzem temas de educação sexual nas suas aulas. É o caso de Amélia Gomes Sarmento, docente de Ciências Físicas Naturais e de Cidadania no 3.º Ciclo do Ensino Básico da Escola Santo António, em Manatuto.

Amélia leciona os 8.º e 9.º anos e aborda matérias como os direitos e deveres dos cidadãos, a igualdade de género, a saúde reprodutiva, a puberdade, as relações respeitosas e a prevenção da violência doméstica e de abusos.

“Abordo o relacionamento saudável, ensino sobre confiança, respeito e boa comunicação. Na saúde reprodutiva, falo sobre como cuidar do corpo e prevenir infeções sexualmente transmissíveis, incluindo através do uso de preservativos. Ensino também sobre respeito e a importância do consentimento numa relação”, explicou.

Para a professora, é essencial utilizar uma linguagem simples e acessível, de forma a que os alunos não se sintam envergonhados com o tema. Defende igualmente a criação de um ambiente onde os estudantes se sintam livres para colocar perguntas e partilhar opiniões, tratando a sexualidade como parte normal da vida e não como um tabu.

Embora reconheça que podem surgir resistências por parte da Igreja, da cultura ou das famílias, Amélia acredita que é possível ensinar educação sexual sem desrespeitar crenças ou tradições, colocando sempre no centro a saúde e o bem-estar dos alunos.

“A educação sexual não deve ser um tema proibido. É ela que ajuda os estudantes a prevenir doenças”, sublinhou.

A docente considera ainda necessário alargar os conteúdos do currículo, incluindo temas como o consentimento e as relações saudáveis, a prevenção da gravidez precoce, os direitos reprodutivos e a igualdade de género. Para si, os estudantes devem ter acesso a informações seguras, claras e relevantes para a sua vida.

Amélia defende também mais formações para professores, de modo a capacitá-los a transmitir estes conteúdos de forma dinâmica e interessante, incentivando o debate e o pensamento crítico. Sublinha ainda a importância de recorrer a recursos diversificados e interativos, para além dos manuais e dos livros tradicionais.

Na sua perspetiva, a educação sexual é fundamental para formar alunos conscientes do seu corpo, respeitadores dos direitos humanos e da igualdade de género, e responsáveis na sua vida social e sexual.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a UNICEF defendem que a educação sexual deve começar ainda na infância, de forma gradual e adequada à idade, incluindo não apenas o conhecimento sobre o corpo, mas também sobre limites pessoais, consentimento e o que é aceitável ou não, mesmo em relação a familiares próximos. Estas orientações salientam que a falta de informação aumenta o risco de abusos, de iniciação sexual precoce e de gravidez indesejada, enquanto uma educação sexual abrangente contribui para proteger direitos e fortalecer a autonomia das crianças e adolescentes.

Em Timor-Leste, a ausência de conteúdos completos sobre saúde sexual, a influência de normas religiosas e culturais, e as restrições ao acesso a métodos contracetivos reforçam vulnerabilidades sociais, incluindo a exposição a violência doméstica, gravidez precoce e infeções sexualmente transmissíveis. A escola deveria surgir, assim, como um espaço fundamental para discutir relações saudáveis, consentimento e prevenção de abusos, oferecendo informações confiáveis e promovendo reflexão crítica.

Para que a educação sexual cumpra plenamente a sua função de proteção e empoderamento, é necessária uma abordagem integrada: políticas públicas que garantam acesso seguro e inclusivo, famílias preparadas para dialogar com os filhos e escolas capazes de transmitir conteúdos cientificamente rigorosos. Este esforço conjunto é essencial para reduzir riscos sociais e fortalecer a saúde, a segurança e os direitos dos jovens ao longo da vida.

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