Com um défice de 24% no stock de medicamentos, o INFPM ultrapassa os padrões recomendados pela OMS. Apesar de 13 milhões de dólares para aquisições em 2024, problemas de planeamento, orçamento e logística continuam a afetar o sistema de saúde. Casos como o de Ivan mostram o impacto direto na vida dos cidadãos.
Durante uma visita da Comissão Anticorrupção (CAC) ao Instituto Nacional de Fármacos e Produtos Médicos (INFPM) realizada ontem, 26 de novembro, foram discutidos os problemas recentes na saúde, com destaque para a falta de medicamentos.
Segundo o diretor-executivo do INFPM, Brígido de Deus, a instituição apresenta um défice de 24% no stock de medicamentos em relação aos cerca de 400 itens essenciais, ultrapassando a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece um limite de 20%.
O comissário da CAC, Rui Pereira dos Santos, sugeriu que o INFPM e os centros de saúde implementem sistemas de vigilância, como câmaras CCTV e códigos de barras para monitorizar a entrada e saída de medicamentos. Em resposta, Brígido de Deus afirmou que já está em contacto com empresas para implementar os códigos de barras, o que facilitará o registo e a gestão do stock.
“No INFPM, é frequente os medicamentos chegarem num dia e serem enviados no dia seguinte para os centros de saúde. Por isso, 25% do stock não permanecem nos nossos armazéns”, informou o diretor. Acrescentou que, nos municípios, em média, 15% dos medicamentos estão em falta, enquanto no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), essa percentagem é de 12%.
Brígido de Deus destacou que, para garantir medicamentos suficientes, é necessário um plano de comunicação eficaz entre os centros de saúde e o INFPM, permitindo atualizações regulares do inventário e aquisições atempadas.
O diretor explicou que o orçamento insuficiente também contribui para a falta de medicamentos no país. “A OMS recomenda que, no mínimo, um país destine 13 dólares por cidadão por ano para medicamentos. Isso significa que precisaríamos, no mínimo, de 16 milhões de dólares anuais”.
Em 2024, o orçamento inicial para a compra de medicamentos foi de apenas 4,2 milhões de dólares. Em julho, o Governo recorreu ao Fundo de Contingência, adicionando 8 milhões, totalizando quase 13 milhões de dólares.
Até novembro deste ano, 98% deste orçamento já foi executado, o que, segundo Brígido de Deus, “garante a necessidade de medicamentos até fevereiro de 2025”.
Para 2025, o orçamento previsto para o INFPM é de 16,4 milhões de dólares, dos quais 13,4 milhões serão destinados à aquisição de bens e serviços, incluindo medicamentos.
A validade dos medicamentos também contribui para a falta de stock. Segundo Brígido de Deus, o processo de aquisição – desde a seleção de fornecedores até ao envio – é demorado. Por isso, sugere que os medicamentos adquiridos tenham um prazo de validade superior a 18 meses para evitar perdas durante o processo logístico.
O impacto na vida dos cidadãos
A falta de medicamentos tem sido um problema recorrente na saúde em Timor-Leste. Em junho de 2024, o défice foi também de 24%. Foi nesse período que Ivan (nome fictício) enfrentou complicações graves após uma cirurgia devido à falta de medicamentos.
Ivan, que sofreu um acidente e partiu o braço, realizou uma cirurgia onde foi colocada uma placa metálica. Recebeu então uma receita de Clindamicina HCL, que deveria tomar para prevenir infeções. Contudo, o medicamento não estava disponível na farmácia do HNGV e foi-lhe solicitado que o adquirisse fora.
Por dificuldades financeiras, Ivan optou por não comprar o medicamento, acreditando que poderia recuperar sem ele. “Naquele dia, deram-me alta por já está melhor, então pensei que talvez conseguisse recuperar sem tomar este medicamento”, contou. Ivan não quis recorrer à ajuda financeira da família, por sentir que esta já tinha gastado demasiado dinheiro com o seu tratamento.
Depois de uma semana, Ivan começou a sentir dores no braço partido. Surgiu então uma ferida, e a carne na zona da cirurgia começou a apodrecer. Procurou novamente o médico para encontrar uma solução. “O médico que me tratou desde o início, ao ver aquilo, abanou a cabeça. Naquele momento, perdi a esperança e chorei, porque, quando disseram que o braço já estava bem, fiquei otimista e pensei que iria recuperar. Mas, afinal, piorou”, relatou Ivan.
Foi necessária uma outra operação, na qual o ferro foi retirado e colocado fora do corpo. O irmão de Ivan, informado da situação, foi buscá-lo ao hospital e insistiu em comprar o medicamento necessário para evitar complicações mais graves. Contudo, após percorrerem a cidade, não conseguiram encontrar o remédio na dosagem prescrita, cápsulas de 600 miligramas, mas apenas na versão de 300 mg por cápsula, ao custo de 37 dólares americanos.
“Quando fui à farmácia, vi um senhor idoso que também procurava medicamentos. Recebeu uma resposta dos farmacêuticos que me deixou triste: ‘Avô, não venha aqui frequentemente, porque não há medicamentos. Para que vem sempre?’. Fiquei chocado. Disseram-me que ele ia todas as semanas verificar se já havia medicamentos. Não consegui falar com ele, porque acabara de ter alta e não me sentia bem”, partilhou Ivan.
O caso de Ivan reflete as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos que dependem do sistema público de saúde em Timor-Leste, onde a falta de medicamentos é um problema recorrente. Apesar dos esforços do INFPM para melhorar a gestão e garantir o fornecimento, o impacto do défice no stock continua a afetar gravemente a vida dos utentes, demonstrando a urgência de soluções eficazes e sustentáveis para responder às necessidades do país.