Cientista sugere a criação de feira da ciência para aumentar o interesse dos jovens timorenses

“O erro é uma parte necessária do que fazemos, mas as recompensas são significativas”/Foto: Diligente

“Conhecer a ciência não é apenas lê-la em livros, mas também pensar sobre ela e fazer experiências”, observou Martin Chalfie, Prémio Nobel da Química.

Especialista em genética, Martin Chalfie foi galardoado, em 2008, com o Nobel da Química, prémio que dividiu com os colegas cientistas Osamu Shimomura e Robert Y. Tsien, pela descoberta e desenvolvimento da Proteína Verde Fluorescente (GFP, em inglês) – que permite ver o funcionamento das células em organismos vivos em tempo real.

Em visita a Timor-Leste para participar na conferência internacional Sci-Tech EXPO 2024, realizada em Díli, Timor-Leste, de 14 a 16 de agosto, Martin Chelfie explicou que, no estudo premiado com o Nobel da Química, utilizou a GFP num verme minúsculo e transparente para observar os genes e mecanismos do animal.

A GFP foi descoberta por Osamu Shimomura em 1962 e, em 1990, Robert Tsien realizou experiências que variaram a cor da luz emitida pela proteína que, quando iluminada com luz azul, emite luz verde.

Nascido em 1947, nos Estados Unidos, Martin Chalfie afirmou que o estudo pode ser importante para o desenvolvimento de medicamentos capazes de prevenir a disseminação de células cancerígenas em humanos, além de contribuir para avanços no tratamento de outras doenças.

Como foi o processo de descoberta da proteína verde fluorescente (GFP) e o que mais o surpreendeu durante este percurso?

Eu não sabia que a Proteína Verde Fluorescente (GFP) existia. O que eu estava a estudar era como os genes eram usados para formar células nervosas específicas, quais os controlos que determinavam a formação de um tipo de célula nervosa em vez de outro, ou de células nervosas em vez de musculares, ou de diferentes tipos de células. Trabalhei para tentar encontrar mutantes. Usamos um minúsculo verme, Caenorhabditis elegans, para isso. A ideia era: se vemos o animal normal, podemos encontrar um que não parece normal e descobrir qual era o motivo, qual gene estava alterado na versão mutante e tentar entender onde o gene atua.

Uma das primeiras perguntas que se quer responder ao trabalhar com genes, quando se encontra um, é onde ele atua. Atua nas células musculares? Nas células da pele? Nas células nervosas? Porque nem todos os nossos genes atuam em todas as nossas células.

Então, um dia fui a um seminário e ouvi o palestrante dizer que havia uma proteína maravilhosa que podia ser vista porque, ao ser iluminada com luz azul, brilhava em verde. E o pequeno verme com o qual eu trabalho é transparente, então deveria ser possível vê-la. Pensei que seria uma ferramenta maravilhosa se funcionasse. Se colocássemos essa proteína no nosso animal, iluminássemos com luz azul, e a víssemos a brilhar em verde?

Entrei em contacto com quem estava a estudar a proteína e, juntos, planeámos uma experiência. Ele enviou-me o seu material, um estudante meu colocou-o em bactérias e, depois, introduzimo-lo nos vermes, e conseguimos ver as células que estávamos a estudar. Nunca tínhamos conseguido ver isso num animal vivo antes.

Se fornecermos as instruções, o DNA, para produzir essa proteína, o animal faz todo o trabalho: produz a proteína, que funciona e se dobra adequadamente. Tudo o que precisamos de fazer é iluminar com luz azul e conseguimos ver onde ela está. Fizemos este trabalho em 1992.

A proteína tinha sido descoberta em 1962, numa alforreca, pelo cientista Osamu Shimomura. Existem muitos animais e outros organismos que podem produzir luz: pirilampos, alguns peixes, vermes, bactérias. O cientista queria entender por que motivo essa alforreca produzia luz. Eventualmente, encontrou a molécula certa, a proteína que produzia luz, mas na cor errada, azul, enquanto a alforreca emitia luz verde. Ele tinha algo que produzia luz, mas na cor errada.

Ninguém tinha pensado que poderia haver uma proteína fluorescente. Fluorescência é quando a luz de uma cor entra e a luz de outra cor sai. Ele pensou em colocar uma lâmpada ao lado de todas as amostras e aquela que fosse verde seria a que transformava a luz azul em verde. E assim encontrou o fator que, quando presente, fazia com que a luz azul entrasse e a luz verde saísse.

Posteriormente, mais pessoas tiveram ideias brilhantes sobre o que fazer com isso e como modificá-lo. Por exemplo, algumas pessoas disseram: “O verde é bom, mas seria ótimo ter vermelho.” Descobriram que alguns corais têm fluorescência vermelha, onde se ilumina com luz verde e se obtém luz vermelha. Conseguiram obter essa proteína. Agora, existem mais de mil proteínas fluorescentes que as pessoas encontraram ou modificaram.

Como é que a GFP mudou o campo da biologia celular e quais são as aplicações mais importantes desta descoberta?

A GFP permite-nos ver células ou partes de células em organismos vivos e assistir à mudança da vida em tempo real. Antes desta descoberta, isto não era possível. Agora, as pessoas podem observar como uma célula interage com outra, como uma infeção se espalha de uma célula para outra. As pessoas finalmente puderam observar o desenvolvimento, a função e a atividade celular em tecido vivo, e não apenas capturar imagens estáticas, mas acompanhá-las continuamente.

Com a GFP, conseguimos ver as células nervosas e do corpo do verme que estudamos. Vemos os processos que vão desde a parte traseira do animal até ao meio, e do meio do animal até à cabeça. Agora que podemos vê-las, podemos fazer perguntas que nunca poderíamos ter feito antes. Podemos encontrar mutantes, variantes e anomalias nas células. Podemos identificar variantes em que as células estão no local errado ou em que, em vez de um processo, crescem dois, três ou quatro. Todas essas observações apontam para mudanças que causámos no animal e que podemos estudar.

Ser capaz de ver algo significa que podemos estudá-lo facilmente e identificar mutantes defeituosos para os estudar e usar para clonar genes. Por exemplo, onde vai uma célula cancerígena? Ainda não estudamos isto em pessoas, mas podemos estudá-lo num rato. Marcamos células cancerígenas com GFP e conseguimos vê-las em relação ao corpo do rato. E se essa célula se deslocar, podemos dizer para onde foi, porque conseguimos vê-la devido à cor verde quando iluminada com luz azul. Assim, podemos estudar o processo. Potencialmente, podemos até testar medicamentos que possam prevenir essa disseminação.

Também se utiliza para entender doenças humanas, imitando-as noutros organismos. Por exemplo, as pessoas queriam saber como o vírus VIH/SIDA era transferido de uma célula infetada para outra não infetada e queriam observar como isso acontecia. Colocaram-no numa placa de cultura, rotularam o vírus com GFP e puderam ver a transferência para a outra célula. Pode-se começar a fazer perguntas como: “O que posso fazer para prevenir esta transferência? Como posso estudar isso?” Assim, é possível investigar estas questões muito interessantes que podem levar a avanços no tratamento de doenças.

Como vê o papel da ciência na educação em países em desenvolvimento e que medidas poderiam ser implementadas em Timor-Leste para encorajar mais jovens a seguir carreiras científicas?

Uma das coisas que observo em praticamente todos os países que visito é que os seus sistemas de educação são bons. Podem não ter todos os recursos necessários, mas os professores são competentes e os alunos entusiásticos. Algo que eu sugeriria é a realização de feiras de ciência, uma prática muito popular em muitos países. Uma forma importante de aprender ciência não é apenas através dos livros, mas também pensando sobre ela e realizando experiências. As competições científicas podem ser extremamente motivadoras.

Nos Estados Unidos, há um evento anual chamado Feira Internacional de Ciência e Engenharia (ISEF), onde competem alunos do ensino secundário de todo o mundo, que participaram em feiras de ciência nos seus países ou regiões e que se destacaram. É um evento impressionante, e é maravilhoso ver jovens a falar sobre as suas descobertas científicas.

Outra iniciativa que poderia promover o interesse pela ciência é algo que vi no Brasil. Houve uma Semana Nacional de Ciência, em que foi enviado um projeto para todas as escolas primárias do país. Todos os alunos estavam a trabalhar no mesmo projeto, recolhendo dados sobre a qualidade da água e a acidez dos rios. Não era uma competição, mas um esforço colaborativo a nível nacional. Achei esta iniciativa extremamente emocionante.

Quais foram os fracassos que encontrou antes de conseguir esta descoberta?

Vou contar uma história sobre a minha filha, que agora tem 32 anos, mas quando tinha 12, fui eleito para a Academia Nacional de Ciências dos EUA. Pensei: “Oh, esta menina de 12 anos vai ficar muito aborrecida nesta reunião.” Ela ouviu-nos a todos nós, novos membros, a atravessar o palco enquanto alguém lia uma frase sobre cada um de nós, explicando por que fomos eleitos e o que fizemos. Eram 70 pessoas. Voltei para perto dela e disse: “Sinto muito, provavelmente não foi a melhor ideia trazer-te, mas estou realmente contente por estares aqui.” E ela olhou para mim e disse: “Pai, não percebes o que essas pessoas fizeram?” E eu perguntei: “O quê?” Ela tinha ouvido as frases e disse: “Pai, cada uma dessas pessoas foi a primeira no mundo a fazer ou a ver o que elas fizeram. A primeira pessoa.” Isso é algo de que me orgulho muito, tanto da resposta dela como do que significa para o nosso trabalho.

Se vais tentar algo novo, vais cometer erros, vais falhar muitas vezes. Mas o sucesso, quando chega, compensa tudo. Quando se tenta aprender algo novo, algo que ninguém fez antes, nem sempre vai funcionar. O erro é uma parte necessária do que fazemos. Não é divertido, ninguém gosta de falhar, mas as recompensas valem a pena e isso significa que tens de continuar a tentar. Não importa quantas vezes falhaste antes, quando finalmente funciona, sabes que estás no caminho certo. A partir daí, podes focar-te e seguir em frente com confiança.

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?