Cabo submarino de fibra ótica é oportunidade para levar internet veloz a mais lugares e pessoas em Timor-Leste

Instalação do cabo submarino teve início no passado 24 de junho. Equipamento terá 600 km de extensão e ligará Timor-Leste, a partir de uma estação em Díli, na região de Bebonuk, a Darwin, na Austrália/Foto: Governo de Timor-Leste

Expetativa é de que a velocidade seja muito superior à taxa de transferência atual, 2,5 Mbps, e de que os preços dos serviços de banda larga sejam reduzidos. Oceanógrafo minimiza impactos ambientais

Para tentar melhorar o sistema de internet no país, marcado pela lentidão e instabilidade, o Governo deu início, no passado 24 de junho, à instalação do cabo submarino de fibra ótica. Com 600 km de extensão, o equipamento deverá ligar Timor-Leste, a partir de uma estação em Díli, na região de Bebonuk, à Austrália, em Darwin. A previsão é de que as obras estejam concluídas até ao fim do ano.

Com a medida, a expetativa é de que mais lugares possam ter cobertura de banda larga e a velocidade de transferência de informações em Timor-Leste possa ficar entre os 51,27 Mbps (a média na Austrália, que irá gerar os sinais de luz a transmitir os dados a serem convertidos em internet) e 45,60 Mbps (a média global). Os valores, divulgados no ano passado, são de uma pesquisa da emissora britânica Cable.

Atualmente, segundo o levantamento, Timor-Leste possui a quarta internet mais lenta do mundo, com uma velocidade geral de 2,5 Mbps. Assim, para descarregar um arquivo de 5GB, contando que a conexão se mantenha estável (o que é muito raro), leva-se aproximadamente 4 horas. Com uma velocidade de 45,60 Mbps, esse mesmo documento poderia ser descarregado em 15 minutos.

Os dados do referido relatório foram recolhidos pelo coletivo M-Lab, formado por equipas da organização Code for Science & Society, Google e parceiros. Desde 2017, pelo menos, a emissora britânica publica as análises à qualidade da transmissão da banda larga a nível global.

A internet em Timor-Leste funciona com conexão via satélite, uma tecnologia mais cara em comparação com a fibra ótica submarina. Por essa razão, espera-se que, com o novo sistema, diminuam os preços das telecomunicações em Timor-Leste.

No país, há três operadoras de telecomunicações: a Timor Telecom (TT), a Telemor e a Telkomcel, que disponibilizam diferentes serviços e tarifários. Um pacote mensal de internet ilimitada pode custar, no mínimo, 20 dólares americanos – valores elevados, tendo em consideração a fraca qualidade do serviço de banda larga e o nível de vida da maioria da população. O salário mínimo em Timor-Leste é de 115 dólares americanos.

O mestre em Desenvolvimento Comunitário pela Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), Fernando Ximenes, acredita que a nova tecnologia pode democratizar a internet na nação, devido à conexão mais veloz e estável e a preços mais acessíveis.

“A fibra ótica permite que os dados sejam transmitidos por distâncias muito maiores sem prejuízo da qualidade do sinal. Isso é particularmente importante para ‘ligar’ comunidades mais afastadas dos centros urbanos”, afirmou. Fernando Ximenes é um dos responsáveis pela Rede Esperança, um projeto que procura facilitar o acesso à internet em Timor-Leste.

Criado em 2023, o grupo, em parceria com a organização guifi.net, com o East Timor Coffee Institute e com o Instituto Católico para a Formação de Professores (ICFP), leva internet gratuita a estudantes da escola Naroman ba Esperança, em Ermera, no suco Lauala, posto administrativo de Gleno.

Sobre a obra do Governo, que deve custar aproximadamente 38 milhões de dólares americanos, Fernando Ximenes, contudo, expressou ceticismo em relação aos prazos para a conclusão da instalação do cabo submarino e quanto à sua gestão, assim que estiver operacional. “Não sabemos quem vai administrar o sistema. Espero que não se torne num monopólio”, alertou.

Relativamente à segurança da informação, seja do Estado ou individual, Fernando Ximenes observou que o Governo deve ter muita atenção, “porque o cabo tem pontos de ligação em dois países, Timor-Leste e Austrália”.

Um relatório elaborado em 2022 pela Agência dos Estados Unidos da América para o Desenvolvimento Internacional (USAID, em inglês) destaca que Timor-Leste “tem a taxa mais baixa de acesso à internet de banda larga na região da Ásia-Pacífico”, e que a principal razão dessa restrição “é a falta de conectividade por cabo submarino”. “A maioria das empresas de telecomunicações depende do satélite para a conectividade internacional, mas esta é relativamente cara e tem uma largura de banda limitada. Isto afeta a disponibilidade e a qualidade do tráfego de dados”, consta no documento.

Na avaliação do diretor-executivo da Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), Venâncio Pinto, a ligação submarina entre Díli e Darwin “é algo para celebrar”, sendo o resultado “de um conjunto de esforços e a tão esperada resposta a todas as reclamações sobre a lentidão da internet em Timor-Leste”.

A TIC é uma agência de digitalização em Timor-Leste, sendo a principal entidade responsável pela criação de sites governamentais, o que muitas vezes é chamado de e-government.

O diretor-executivo salientou o facto de a velocidade das telecomunicações fazer parte dos índices de desenvolvimento do país e, como tal, deve ser encarada como uma das prioridades. “Quase todos os países usam fibra ótica submarina como meio para aceder a dados de internet. A instalação do cabo submarino de fibra ótica é o caminho para a modernização dos serviços e maior inclusão digital”, referiu.

Venâncio Pinto também apelou ao Governo para divulgar, de forma eficaz, as informações relativas ao cabo submarino. “Alguém pode, com boas ou más intenções, cortar o cabo. É preciso haver uma monitorização rigorosa da instalação. É necessário também chegar aos pescadores e a quem possui embarcações, para que, por exemplo, não lancem a âncora de forma descuidada”, destacou.

Por sua vez, o estudante de informática da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), Leonito Lino, 22 anos, mostrou entusiasmo com a nova tecnologia, realçando, sobretudo a maior capacidade no que diz respeito à realização de pesquisas. “Com uma internet de melhor qualidade vamos ter muito mais facilidade para estudar. Estamos muito animados”, enfatizou.

Os benefícios de uma conexão mais ágil são muitos. Permite, por exemplo, que professores e estudantes acedam a recursos educacionais online, como bibliotecas digitais e materiais didáticos multimédia; a modernização na prestação de serviços públicos, reduzindo burocracias; o estímulo ao espírito empreendedor e a melhoria do trabalho de equipas de segurança, na monitorização de situações de desastres naturais, entre outros.

Já um estudo feito pela universidade australiana Monash, em parceria com o Governo timorense, calculou que uma internet mais estável e veloz pode contribuir para um aumento de pelo menos 4,2% na taxa de emprego, além de gerar aproximadamente 46 milhões de dólares em receitas para a economia.

“Mesmo usando estimativas conservadoras, a análise financeira indica que um investimento em um cabo submarino de fibra ótica se pagaria em poucos anos. Da experiência de outros países destacam-se os benefícios económicos significativos, com impacto direto na economia e na redução do desemprego. Um cabo submarino também possibilitará uma série de benefícios sociais, incluindo nas áreas da educação e da saúde”, descreve o relatório.

Possíveis impactos

Para que o serviço funcione e a internet estável e rápida possa beneficiar a população timorense haverá alguma perturbação no mar, uma vez que o cabo submarino precisa de ser instalado.

O ex-ministro do Turismo, Comércio e Indústria, especialista em Biologia Marinha e presidente da Associação de Pescas e Marinha de Timor-Leste (APM-TL), José Lucas do Carmo, chamou a atenção para possíveis consequências, como alterações no comportamento de espécies de peixes e no percurso migratório das baleias.

Contudo, na perspetiva do doutorado em Ciências Oceânicas pela Universidade Internacional do Atlântico, no Havai, e membro da Comissão Oceanográfica Internacional (COI), da UNESCO, Mário Cabral, os impactos da instalação do cabo na vida marinha são “pequenos e temporários”.

Em conversa com o Diligente, a 2 de julho, o académico, que também presta consultorias ambientais para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, em inglês) em Timor-Leste, ressaltou que o equipamento não interfere nas rotas migratórias das baleias, pois fica posicionado a uma profundidade que não afeta os trajetos habituais dos animais. “Uma vez que as baleias nadam mais à superfície e não no fundo do mar, a instalação do cabo não representa uma ameaça direta para estes mamíferos”, argumentou.

Relativamente aos corais, o oceanógrafo reconhece que existe uma perturbação leve. No entanto, sublinha que os organismos são resilientes, capazes de se regenerar e até de se tornarem mais prolíficos após alguma agitação. Esta capacidade de adaptação permite que o ecossistema marinho mantenha a sua saúde, mesmo perante pequenos distúrbios passageiros.

Além disso, Mário Cabral realça o potencial do cabo submarino para a investigação marinha. “A presença do equipamento pode facilitar estudos detalhados das riquezas no fundo do mar, oferecendo a oportunidade de instalar câmaras ao longo do cabo para monitorizar a vida marinha e recolher dados valiosos, até então inacessíveis”, observou. Esta infraestrutura também possibilita a monitorização  das rotas migratórias de diversas espécies de baleias, uma prática já adotada em alguns contextos.

Por último, o oceanógrafo reconheceu que a instalação do cabo pode perturbar certos tipos de peixes, especialmente aqueles cujos hábitos estão mais concentrados em áreas específicas. No entanto, destaca que os animais têm a capacidade de se mover livremente em busca de alimentos, o que minimiza o impacto sobre estas populações.

Assim, segundo Mário Cabral, embora existam preocupações ambientais relacionadas com a instalação do cabo submarino, os seus efeitos são reversíveis e não comprometem gravemente a saúde dos ecossistemas, especialmente considerando os benefícios potenciais para a investigação e monitorização marinha.

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