Grupo, que trabalha no registo de narrativas ancestrais de Timor-Leste e na formação de contadores de histórias, já lançou nove livros. Atividades mantêm viva a herança cultural imaterial, que é parte da identidade da nação, destaca membro do Governo.
A Associação Haktuir Ai-Knanoik celebrou ontem, 3 de agosto, o 10º aniversário do grupo, que luta pela preservação de narrativas tradicionais em Timor-Leste. Para comemorar a data, a associação realizou um evento na Fundação Oriente, em Díli, e, na ocasião, aproveitou para lançar três livros de contos: A Princesa Rola, Rikawai e Mauwai e Maumeta.
Na cerimónia festiva, os membros da associação também partilharam os desafios e sucessos dos trabalhos desenvolvidos, discutiram sobre o valor pedagógico dos contos na mesa-redonda “As histórias como instrumento de educação”, entregaram certificados aos professores da “Formação de Narração de Histórias” e, no fim, apresentaram uma anedota tradicional.
A presidente da Associação Haktuir Ai-Knanoik, Olga Boavida, explicou que a organização, criada em 2014, considera as narrativas ancestrais como “parte da riqueza da sociedade” e que, por isso, “precisam de ser mantidas vivas”.
“Como todos sabemos, as histórias tradicionais estão a começar a desaparecer. Muitas vezes dizemos no nosso trabalho que, quando um idoso morre, é como se uma biblioteca ardesse”, afirmou.
Para manter as histórias vivas, os membros vão aos municípios registar as narrativas junto dos cidadãos, os contadores de histórias. O trabalho, enfatizou Olga Boavida, requer “muito tempo”.
“Hoje lançámos três livros de contos. Até agora, já produzimos nove livros, oito são de lendas e um de adivinhas. Mas ainda temos muitas histórias recolhidas. O apoio e a colaboração de patrocinadores e doadores podem ajudar-nos a produzir mais livros”, disse, acrescentando que os livros serão vendidos a 10 dólares cada, para que o dinheiro arrecadado possa garantir a sustentabilidade do grupo.
A presidente da associação disse que irá trabalhar em conjunto com o Ministério da Educação e a Secretaria de Arte e Cultura para distribuir os materiais para professores, escolas e bibliotecas em Timor-Leste.
Olga Boavida lembrou que o grupo enfrentou muitas dificuldades no início, por ser tudo muito novo para os membros. “Não tínhamos experiência em desenvolver uma associação com a visão de promover histórias orais, mas não desistimos, aprendemos com as vivências que adquirimos”, observou.
A presidente mencionou ainda que outros desafios foram a falta de recursos financeiros e humanos. No entanto, o grupo agora conta com o apoio de entidades como a União Europeia, o Instituto Camões, a Fundação Oriente, entre outras. Apoios estes que motivam o Haktuir Ai-Knanoik a continuar a missão de não deixar as histórias tradicionais desaparecerem. Para isso, o grupo procura envolver, sobretudo, a geração mais nova.
“Convido todos os jovens timorenses a recordar e registar as histórias que ouviram na infância. Essa é a nossa riqueza, que devemos manter viva através da narração, gravação e produção de livros”, encorajou Olga Boavida.
Ao longo de uma década, a associação, que é constituída por 20 elementos, já atingiu um público de mais de 30 mil pessoas com as apresentações de narrações de histórias – feitas em tétum e em português. “Testemunhámos conquistas notáveis, uma delas a nossa formação académica ao nível de mestrado e doutoramento na área da narração de histórias”, destacou Olga Boavida.
Biblioteca para o futuro
Para o futuro, o grupo quer criar mais momentos para contar histórias tradicionais, publicar mais livros e realizar apresentações regulares de contos, tanto no país como no estrangeiro, de modo a partilhar as histórias tradicionais timorenses com o mundo.
Ofélia de Piedade Freitas, 26 anos, que se juntou à associação em 2019, sublinhou que “o grupo deve permanecer firme na sua visão de tornar-se uma biblioteca para o futuro” e que, para isso, as formações são necessárias: é assim que se aprende a “partilhar o conhecimento com o público” da melhor forma, avaliou.
Márcia Cavalcante, professora e fundadora da Associação Haktuir Ai-Knanoik, confidenciou que tem acompanhado os trabalhos do grupo com “enorme satisfação e emoção”. “É uma alegria poder partilhar este momento tão especial [a comemoração dos 10 anos da associação]. Hoje [os membros] são profissionais da arte de contar histórias”, disse, orgulhosa.
Para a docente, as histórias tradicionais funcionam como elementos formativos do sujeito, já que fazem parte da vida das pessoas desde a infância. “A narração de histórias no processo educativo é extremamente importante para divulgar a cultura e a riqueza da literatura timorense”, afirmou.
O diretor-geral da Secretaria de Estado da Arte e Cultura (SEAC), Gil Paulino dos Santos Oliveira, lembrou que, no passado, durante a época da colheita do milho, depois do jantar, em noite de lua cheia, as famílias reuniam-se e os avós contavam histórias tradicionais aos seus filhos e netos. Narravam com o propósito de transmitir lições às novas gerações.
“Isso fazia parte da educação não formal. Mas, infelizmente, agora, estas situações raramente acontecem”, lamentou.
Gil Paulino agradeceu, em nome do Governo timorense, à associação por trabalhar na preservação da memória e cultura de Timor-Leste. “As lendas são parte da nossa herança cultural imaterial, que precisamos de conservar, valorizar e promover, pois compõem a nossa identidade”, destacou.
O dirigente realçou ainda que o grupo Haktuir Ai-Knanoik é um parceiro importante da Secretaria de Estado da Arte e Cultura.
O evento de celebração do 10º aniversário da associação contou com a presença do diretor-geral da SEAC, Gil Oliveira, do embaixador da União Europeia para Timor-Leste, Marc Fiederich, da adida de Cooperação Brasileira, Vita Marques, do representante do reitor da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), Vicente Paulino, do professor Roque Rodrigues, entre outros convidados.