Após alegados comentários discriminatórios, Associação das Mulheres Juristas de Timor-Leste pede demissão de Administrador de Lautem

AFJTL propõe uma mulher para substituir o líder do posto Administrativo de Lautem/Foto: DR

Autoridade disse à televisão não aceitar mulheres em cargos públicos e defende que cidadãs não podem governar para que não sofram ofensas.

A Associação das Mulheres Juristas de Timor-Leste (AFJTL em tétum ) elaborou uma petição em que pede a saída do líder do Posto Administrativo de Lautem, Zaret Alda da Silva, do cargo, devido a alegados comentários discriminatórios de género. O pedido foi entregue formalmente a 8 de agosto ao Administrador do Município de Lautem, Domingos Sávio, para que o processo de exoneração seja efetivado. A Associação propõe ainda que uma mulher assuma a função.

Em declarações à Rádio e Televisão de Timor-Leste (RTTL), no passado dia 3 de agosto, Zaret apelou a representantes de dez sucos do posto de Lautem para evitarem candidaturas de mulheres ao cargo de chefe de suco. O administrador argumentou que, culturalmente, na região, as mulheres não podem assumir posições de liderança. “Sou de Lautem e a minha identidade pessoal e cultural é forte, por isso sou contra ter mulheres a governar”, afirmou Zaret à RTTL.

As circunstâncias da afirmação aconteceram num material jornalístico sobre as eleições para chefe de suco, que acontecem neste ano.

A AFJTL considera que a declaração é uma discriminação contra as mulheres, impedindo-as de chegar ao poder. Para a associação, a postura da autoridade viola um dos objetivos do Estado, previsto no artigo 6.º – J da Constituição, de “criar, promover e garantir a efetiva igualdade de oportunidades entre a mulher e o homem”.

Enquanto organização que protege os direitos das mulheres, a AFJTL exige então que o Estado tome medidas para assegurar o direito da participação das cidadãs na vida política do país e motiva as mulheres a lutarem pela defesa dos seus direitos.

No documento, a associação pede também ao Administrador do Posto de Lautem para declarar ao público que “as mulheres desta área têm todo o direito de se candidatarem e, havendo a possibilidade, se o Administrador do posto for exonerado, pode ser nomeada uma mulher para o substituir”.

A presidente do Conselho de Administração da AFJTL, Ediana Castela, lembrou que, após a apresentação da petição à administração pública, a entidade tem o dever legal de considerar e responder ao pedido num período de 15 dias.

O artigo 7.º do decreto-lei n.º 32/2008 estipula que “os órgãos administrativos têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares (…) b) sobre quaisquer petições, representações, queixas, reclamações ou recursos formulados em defesa da legalidade ou do interesse geral”.

Também o artigo 35.º do mesmo decreto deixa claro que os “órgãos competentes ficam obrigados a proferir decisão expressa que resolva todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior”.

A presidente da Associação espera que o Administrador do Município de Lautem cumpra a lei. “Se ele não responder à nossa petição, vamos reclamar junto do Ministério da Administração Estatal e dizer que o seu subordinado não cumpre o Procedimento Administrativo. Se o processo não avançar, se não houver desenvolvimentos, vamos usar medidas judiciárias para exigir a exoneração do Administrador, com a justificação de que estamos perante uma violação da Constituição”, sublinhou Ediana Castela.

Um relatório da Organização das Nações Unidas, divulgado em 2017, identificou que, entre os 12 municípios de Timor-Leste, apenas em Lautem, Bobonaro, Ermera e Oecusse não há chefes de suco mulheres. O referido cargo prevê uma gestão de seis anos.

Levantamento da ONU revelou grande presença feminina na liderança de sucos em Timor-Leste/Foto: ONU
“Uma maneira para as dignificar é evitar que possam governar”

Em entrevista ao Diligente, o Administrador do Posto Administrativo de Lautem, Zaret Alda da Siva, argumentou que o seu objetivo não é proibir as cidadãs de se candidatarem a chefes de suco, mas evitar que sofram ofensas.

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Administrador do Posto Administrativo de Lautem, Zaret Alda da Silva/Foto: DR

“Não quero que as mulheres governem, porque não quero que recebam insultos, palavrões do público, quando cometem alguma irregularidade. Então, uma maneira para as dignificar é evitar que possam governar. Mas, na democracia, se as mulheres se querem candidatar a chefe de suco, têm todo o direito”, observou.

Zaret Alda da Silva disse que, se as cidadãs ganharem a confiança do povo para liderar o suco, vai demitir-se do cargo. “No meu mandato, se uma mulher ganhar a eleição de chefe de suco, demito-me, porque isto é uma vergonha para mim e afeta muito a dignidade dos homens”, justificou.

Ao ser questionado se se arrependia das declarações à RTTL, respondeu: “Arrepender-me de quê? Estava a defender as mulheres dos insultos”.

Ver os comentários para o artigo

  1. Durante a guerrilha, antes da independência de Timor-Leste, verifiquei que “parecia” que as mulheres não apareciam… Ao perguntar qual a razão,
    foi-me dito que eram os homens que davam a cara, pois as mulheres, embora tivessem um grande papel na guerrilha, como eram o pilar da família, ficavam assim aparentemente resguardadas das acções criminosas do invasor. Tratava-se de um puro disfarce.
    Mas isso era noutros tempos! Os tempos são outros!
    Estamos no século XXI (terceiro Milénio)! Há que esclarecer as mentalidades mais retrógradas.
    Para a frente mulheres! Força!

  2. A sério? esta última parte mostra que o Adminsitrador do Posto tem mesmo outros olhos para defender a dignidade das mulheres, o que nem as promover nem lhes dar oportunidade de estarem no cargo.

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