Alterações climáticas ameaçam segurança alimentar e recursos hídricos em Ermera

Comunidade realiza ritual tradicional "Bolu Udan" para pedir chuva/ Foto: DR

Os agricultores e autoridades locais de Ermera lamentam os efeitos das alterações climáticas, que estão a comprometer a produção de alimentos, como café, milho, feijão e mandioca, e a causar escassez de recursos hídricos. Em resposta a este fenómeno ambiental, a população tem realizado rituais tradicionais e implementado iniciativas para reabilitar as fontes de água. 

Na terça-feira, dia 19 de novembro, um grupo de aldeões chamou a atenção na estrada do suco Lauana, em Ermera. O grupo, composto maioritariamente por idosos com lenços na cabeça e tecidos tradicionais sobre os ombros, caminhava em direção à casa sagrada de Komluli, na aldeia de Hohulo, acompanhado por jovens e crianças.

Pelo caminho, as mulheres mais velhas batiam tambores e gongos, enquanto os homens cantavam em língua tradicional (dadolin) e tocavam cornos de búfalo. Alguns carregavam espadas, acompanhando o ritmo, enquanto outros transportavam bambus com cerca de 50 metros de comprimento, cheios de água recolhida em nascentes sagradas da comunidade.

O grupo, composto por membros das casas sagradas Leldu, Komuli, Dasu Mau, Mau Libu, Letebu e Bihahe, dirigiu-se à casa sagrada de Komluli. Chegados ao local, os lia nain (guardiões das tradições) prepararam esteiras de folhas de palmeira e organizaram os elementos da cerimónia: cestos com arroz e carne de porco cozida, outros cestos com noz-de-areca e folhas de bétel para homenagear os antepassados e a natureza.

A cerimónia, conhecida como “Bolu Udan”*(“Chamar a Chuva”), é uma prática realizada sempre que há períodos de seca prolongada. Manuel Kolisala, um dos lia nain, explicou: “Chamamos a chuva para que as plantas cresçam e deem vida aos animais e a nós, humanos. Sem chuva, as plantações não sobrevivem.”

Manuel Kolisala, um dos lia nain, explicou: “Chamamos a chuva para que as plantas cresçam e deem vida aos animais e a nós, humanos. Sem chuva, as plantações não sobrevivem.” O ritual, que dura quatro dias, realiza-se em diferentes nascentes, como Soi Laka, Fahi Lua e Hurtelesu. “É uma prática deixada pelos nossos antepassados, e tem sido eficaz em trazer chuva,” acrescentou.

Alterações climáticas: projeções preocupantes para Timor-Leste

De acordo com o Banco Mundial, as alterações climáticas podem intensificar os danos causados por eventos climáticos extremos e agravar as desigualdades em Timor-Leste. Projeções apontam para um aumento da temperatura média anual de quase 2,9°C até 2090, acompanhado de alterações nos padrões de chuva que ameaçam a segurança alimentar no país.

Atualmente, cerca de 70% da população depende da agricultura para subsistência, o que torna Timor-Leste um dos países mais vulneráveis às mudanças no regime de chuvas no Sudeste Asiático. A longo prazo, estas alterações climáticas poderão aumentar a pobreza e aprofundar desigualdades.

Agricultura em Ermera sofre impactos devastadores das mudanças climáticas

A maioria das famílias de Ermera depende da cafeicultura e da horticultura, atividades fortemente dependentes da água da chuva. Quando as chuvas não chegam na altura certa, a produção agrícola é gravemente afetada, comprometendo a subsistência das famílias.

Lúcio Soares, de 54 anos, cafeicultor do suco Lauana, lembrou que, durante a ocupação indonésia, as chuvas eram regulares, mas desde a independência de Timor-Leste, passaram a ser imprevisíveis, afetando negativamente a produção agrícola. “Quando plantamos milho ou feijão, eles não crescem. Nos últimos dois anos, os cafeeiros também não produziram bem, mas este ano começaram a melhorar ligeiramente”, afirmou.

As árvores de sombra, essenciais para proteger os cafeeiros do sol intenso, estão a envelhecer e a morrer, deixando os cafeeiros expostos, o que resulta na morte de muitas plantas. Lúcio explicou que os cafeicultores recebem mudas da Cooperativa Café Timor, mas estas crescem rapidamente e não sobrevivem por muito tempo.

“Plantamos as mudas, elas crescem e proporcionam sombra para os cafeeiros, mas acabam por morrer, o que também prejudica outras culturas, como feijão, milho, mandioca e taro”, lamentou. Acrescentou ainda que, em Ermera, quase todas as terras disponíveis são dedicadas à plantação de café, sendo que algumas famílias utilizam os espaços em redor das suas casas para cultivar milho e taro como forma de sustento.

João da Costa, de 38 anos, agricultor da aldeia Leubasa, suco Lauana, mostrou-se desanimado com o atraso das chuvas, que afeta diretamente a sua família. “Agora as chuvas chegam tarde, ao contrário de outros anos. Antes, em setembro, já começávamos a plantar milho. Em novembro, o milho e o feijão começavam a dar flores, e em dezembro já estávamos a colher, a comer e a vender no mercado”, explicou. Acrescentou que a irregularidade das chuvas compromete a qualidade de culturas como milho, feijão, taro e mandioca.

O agricultor, pai de três filhos, afirmou que as alterações climáticas têm prejudicado a produção de café. “Quando chove muito, a água arrasta o solo fértil para os rios, deixando a terra seca, o que impede o crescimento adequado dos cafeeiros. Ventos fortes também podem fazer com que as flores dos cafeeiros caiam, reduzindo a produção”, lamentou. Além disso, muitos cafeeiros estão envelhecidos e necessitam de reabilitação.

Marcos da Silva, de 50 anos, agricultor da aldeia Leobasa, enfrenta os mesmos desafios. Afirmou que as comunidades das zonas montanhosas dependem quase exclusivamente da água da chuva para plantar alimentos. “Tudo depende da chegada da chuva. No ano passado, não ganhámos dinheiro porque as chuvas foram irregulares, e o milho ficou sem grãos. Como vivemos numa região fria, só conseguimos plantar taro e feijão”, explicou.

Carlos da Costa Soares, chefe do suco Catrai Craic, afirmou que as alterações climáticas são um fenómeno global que está a afetar gravemente as comunidades agrícolas em Ermera, especialmente em Catrai Craic, dificultando a produção de alimentos. “A produção de café este ano foi mais baixa devido ao impacto das alterações climáticas. Quando o sol é muito intenso, os cafeeiros não produzem bem. Quando a chuva e o vento são fortes, as flores caem, prejudicando a produção”, explicou.

Segundo o chefe do suco, a redução da produção de café também se deve ao envelhecimento das árvores. Apelou ao governo para apoiar os cafeicultores na substituição das plantas que já não são produtivas. “Este ano, apenas cinco hectares de cafeeiros foram reabilitados. Os resultados ainda não são visíveis porque as plantas levam cerca de três anos a começar a dar frutos”, referiu.

Além dos desafios das alterações climáticas, as comunidades em Ermera estão preocupadas com as flutuações anuais no preço do café. “As empresas que compram café avaliam a produção. Quando o café é de boa qualidade, começam a baixar o preço para até 30 cêntimos por quilo. Este ano, o preço subiu para 60 cêntimos devido à baixa produção”, afirmou.

As empresas que compram café em Ermera incluem a Associação de Negócios e Cooperativas Nacionais (NCBA), a Cooperativa Café Timor, a Timor Cop, a Global e a Café Atsabe. Representando os cafeicultores de Ermera, Carlos da Costa Soares apelou ao governo para estabelecer um preço fixo para o café, de forma a incentivar a população a aumentar a produção.

Produção de café em declínio exige medidas urgentes

Dados do Instituto do Café de Timor-Leste mostram que entre 2017 e 2021, o café timorense mantinha uma boa qualidade, mas a produção era baixa. Em 2022 e 2023, os dados indicam que a produção caiu 10%.

A Cooperativa Café Timor, uma das principais exportadoras de café do país, registou uma redução de 40% nas suas exportações, passando de 3.500 toneladas em 2021 para 1.600 toneladas em 2022. Esta situação evidencia a necessidade de um investimento governamental significativo para expandir a produção e garantir a sustentabilidade da cafeicultura nos próximos anos.

Jovens revitalizam nascentes de água: uma solução comunitária

Desde 2021, um movimento comunitário tem revitalizado fontes de água em Ermera, recuperando 28 nascentes antigas e abrindo 34 novas. Jovens e líderes locais trabalham juntos para ajudar as comunidades a resistir aos efeitos das alterações climáticas e à degradação ambiental/Foto: DR

De acordo com o censo de 2022, apenas 39% das famílias timorenses têm acesso a torneiras públicas, enquanto 10% possuem torneiras instaladas dentro de casa. Ainda assim, 8% da população continua a recorrer a rios, nascentes, lagos e sistemas de irrigação para atender às suas necessidades diárias, e 0,2% dependem da recolha de água da chuva.

Estas estatísticas realçam a urgência de melhorar a infraestrutura hídrica no país, especialmente em áreas rurais, onde a escassez de água potável compromete a saúde e o bem-estar das comunidades.

O acesso a água potável é uma grande preocupação tanto em áreas urbanas como rurais. Em Ermera, jovens organizam-se no movimento de conservação de fontes de água, promovendo atividades como a escavação de nascentes e a canalização para reservatórios, fortalecendo e revitalizando as fontes afetadas por longos períodos de seca e pelas alterações climáticas. Este trabalho teve início em 2019, após uma formação organizada pela PERMATIL, uma organização da sociedade civil liderada por Ego Lemos.

Abrão Maia, coordenador do movimento, explicou que o grupo focou os seus esforços na conservação de recursos hídricos devido à dificuldade crescente no acesso a água potável. “Se não tomarmos medidas para conservar as nascentes, as gerações futuras sofrerão ainda mais do que nós,” afirmou.

Antes de iniciar qualquer trabalho, o grupo coordena com as autoridades locais e realiza cerimónias culturais para pedir permissão à natureza. “A licença cultural é fundamental para garantir que o trabalho seja feito de forma harmoniosa e respeitosa,” explicou.

Os jovens utilizam ferramentas como enxadas, picaretas e pás para escavar o solo, criando condições para que a água da chuva se infiltre e fortaleça as nascentes. Segundo Abrão Maia, esta abordagem tem mostrado resultados positivos, não só no abastecimento de água, mas também no crescimento de árvores próximas às fontes.

Estes instrumentos são usados para escavar o solo, atingindo profundidades de até 20 metros e larguras de 1,5 metros, conforme a capacidade física de cada pessoa envolvida.

Abrão Maia sublinhou que o objetivo da escavação e restauração das nascentes é permitir que a água da chuva se infiltre gradualmente no solo, fortalecendo as nascentes que secam durante a estação seca. “Grande parte da erosão ocorre nas áreas mais altas, por isso é essencial conservar a água da chuva em pontos estratégicos, permitindo que esta se infiltre e nutra as áreas mais baixas,” explicou. Além disso, destacou que as nascentes restauradas também ajudam a nutrir árvores próximas, promovendo o seu crescimento.

Segundo Maia, a conservação de água através da escavação de nascentes é um conceito novo para as comunidades rurais. Quando a TILOFE (Timor Leste Institute of Permaculture) começou a implementar o programa, houve mal-entendidos e críticas. “Algumas pessoas diziam que estávamos a usar o dinheiro em nosso benefício e deixávamos a população a trabalhar arduamente. Também nos chamaram loucos por alterarmos o terreno e afirmaram que estávamos a interferir nas tradições locais. Mas isso não diminuiu a nossa determinação em ajudar a comunidade a adaptar-se às alterações climáticas,” afirmou.

As nascentes restauradas ou fortalecidas estão em localidades como Leobasa, Lasaun, Lentou, Poetali, Matata, Fatuquero, Tata, Lalimlau, Ponilala, Urahou, Humboe, Estado, Letefoho, Aimeta, Fatugau, Railaco, entre outras.

Impacto das mudanças na vida das comunidades

Ana Rosa Maria Pereira, de 48 anos e mãe de dois filhos, contou que, durante a estação seca, a falta de água obrigava a comunidade a recolher água às 4 horas da manhã para suprir as necessidades diárias. “Antes, a nascente secava durante a estação seca, mas agora, com o programa da TILOFE, a conservação fortaleceu as nascentes, e temos água suficiente mesmo nos períodos mais secos,” explicou. Acrescentou que agora a água é suficiente para as atividades diárias, como cozinhar, lavar roupa e tomar banho.

Alfredo Maia Pires, chefe da aldeia de Leobasa, agradeceu à TILOFE por revitalizar e fortalecer as fontes de água do suco Lauana. Destacou que a nascente Saren beneficia 27 famílias durante a estação seca, de maio a agosto, período em que antes enfrentavam escassez severa de água potável.

Segundo Alfredo, durante a ocupação indonésia, a nascente Saren tinha um grande volume de água, mas, após a independência, esse volume começou a diminuir. “Não sabíamos a causa, mas, com a chegada da TILOFE e a restauração das nascentes, o volume aumentou novamente, mesmo durante a estação seca,” afirmou.

Anteriormente, a água escasseava em setembro e outubro, mas agora, com as intervenções da TILOFE, a situação melhorou. Além disso, a criação de barreiras de contenção para a água da chuva ajudou a prevenir a erosão do solo. “Antes, quando chovia, havia sempre erosão na aldeia. Agora, com o trabalho dos últimos três anos, o solo já não sofre erosão. O programa foi muito positivo, reduzindo os riscos de deslizamentos de terra em Leobasa. O solo era frágil, mas, com a contenção da água e a restauração das nascentes, deixámos de enfrentar esses problemas,” concluiu, manifestando a sua gratidão.

Apesar dos desafios impostos pelas alterações climáticas, a comunidade de Ermera tem demonstrado resiliência ao combinar práticas tradicionais com iniciativas de conservação ambiental. No entanto, são necessários maiores investimentos e apoio governamental para garantir a segurança alimentar e o acesso sustentável a recursos hídricos no futuro.

A viagem ao suco Lauana e Catrai Craic, Ermera, de 19 a 21 de novembro, foi uma iniciativa da Associação dos Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), em parceria com a OXFAM de Timor-Leste. Outros três media tours (Lautem, Baucau e Oecusse) foram realizados pela AJTL, que contou com um financiamento da OXFAM de Hong Kong, no valor de 35 mil dólares americanos, para a concretização das atividades. A OXFAM é uma organização mundial de desenvolvimento e ajuda humanitária.

Ver os comentários para o artigo

  1. Ha que se adaptar. E necessario aprender, desaprender e voltar a aprender de novo. O ser humano e capaz disso e muito mais.
    Nao baixem os bracis, NUNCA!

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