Agressão a jornalistas e denúncias de assédio sexual abalam a Universidade de Díli

Vídeo mostra um jornalista agarrado por estudantes ao tentar cobrir uma conferência de imprensa na UNDIL/Foto: Sapnews

Vice-Reitor da UNDIL pede desculpa após estudantes expulsarem jornalistas durante conferência sobre alegações de assédio sexual. O caso gera indignação nacional e reabre debate sobre liberdade de imprensa e segurança nas universidades.

Um vídeo de curta duração, amplamente partilhado nas redes sociais, mostra o momento em que um jornalista é impedido por um grupo de estudantes enquanto tentava cobrir uma conferência de imprensa na Universidade de Díli (UNDIL), na terça-feira, 21 de outubro de 2025. Nas imagens, um estudante agarra o jornalista pela camisa, exigindo em voz alta a sua identificação. Outros estudantes, visivelmente exaltados, cercam-no e pedem que abandone o recinto.

O incidente ocorreu quando jornalistas foram convidados por um grupo de estudantes que alegam ter sido vítimas de assédio sexual por parte de um professor identificado pelas iniciais M.L.S. A conferência pretendia denunciar publicamente o caso, mas foi interrompida por outros estudantes que impediram a cobertura mediática.

De acordo com um comunicado lido pela porta-voz da Sapnews Media, Ermelinda Soares, durante a conferência da Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), os repórteres de vários órgãos de comunicação — televisão, imprensa e meios online — foram inicialmente questionados pelos estudantes sobre a sua legitimidade para estar no campus.

“Os estudantes perguntaram ao jornalista da Sapnews, Mariano de Deus Pinto, quem o tinha enviado, onde estava o convite e quem o tinha assinado. Depois de mostrar o convite, os estudantes afastaram-se. No entanto, quando os jornalistas decidiram sair, foram empurrados e insultados por estudantes que exigiam a sua saída”, relatou.

Antes de deixar o local, o jornalista afirmou: “Viemos cá porque fomos convidados para cobrir a conferência de imprensa das vítimas de assédio sexual.” Pouco depois, foi agarrado pela camisa e forçado a sair. “Durante o confronto, vários estudantes gritavam: ‘Não precisamos disto! O que é que vocês estão aqui a fazer?’ Outros acrescentaram: ‘Vão-se embora!’”, descreve o comunicado.

Diante das ameaças, o jornalista retirou-se calmamente, deslocando-se depois para o bairro Farol, onde a conferência acabou por se realizar, uma vez que a direção da UNDIL não autorizou o evento dentro do campus.

Organizações de jornalistas condenam a agressão

Em reação ao incidente, representantes dos meios de comunicação social manifestaram indignação e preocupação com o comportamento de estudantes que, segundo denunciam, empurraram e gritaram contra jornalistas no campus. Consideraram o caso uma violação da liberdade de imprensa.

“Lamentamos o comportamento de alguns estudantes da UNDIL, que optaram por agredir e intimidar jornalistas em vez de se exprimirem de forma académica e civilizada”, refere a nota divulgada.

A declaração sublinha que este tipo de atitude revela falta de conhecimento sobre os direitos fundamentais de liberdade de imprensa e de expressão, consagrados nos artigos 40.º e 41.º da Constituição da República e na Lei n.º 5/2014 da Comunicação Social.

O comunicado adianta que jornalistas e associações da classe irão encaminhar o caso ao Conselho de Imprensa e à Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), pedindo que seja submetido ao Ministério Público para efeitos de justiça. Apelaram ainda ao Primeiro-Ministro, Kay Rala Xanana Gusmão, e ao reitor da UNDIL, José Belo, para que adotem medidas contra os responsáveis pelas agressões ao jornalista Marino de Deus Pinto e a outros profissionais que estavam no local.

A nota recorda que estudantes, professores e dirigentes académicos devem respeitar o trabalho da imprensa e destaca que o evento em questão tinha sido organizado pelas supostas vítimas. Pede ainda à sociedade e à comunidade académica que não protejam os agressores e que garantam espaço para o exercício livre do jornalismo. “Os jornalistas são os olhos, os ouvidos e a voz dos que não têm voz. A verdade vence sempre”, sublinha.

A Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL) e a Timor-Leste Press Union (TLPU) condenaram os atos de violência e intimidação, sublinhando que se trata de uma grave violação da liberdade de imprensa e da democracia no país.

A presidente da AJTL, Zevónia Vieira, lembrou que os repórteres estavam presentes a convite oficial do grupo de estudantes. “A presença dos jornalistas foi para responder a um convite enviado pelos estudantes da universidade, para cobrir o caso de alegado assédio sexual”, explicou.

O presidente da TLPU, Cândido Alves, também criticou duramente o ataque, considerando “lamentável que a repressão à imprensa parta da própria comunidade académica, que deveria ser exemplo de conhecimento e tolerância”. Cândido sublinhou que os artigos 8.º e 9.º da Lei da Comunicação Social asseguram o direito dos jornalistas a informar e o direito de todos à liberdade de expressão. “Se alguém considerar uma reportagem injusta, a lei já prevê o direito de resposta e de retificação”, recordou.

Para ele, este episódio terá consequências diretas no índice de liberdade de imprensa, que já sofreu uma queda em 2024. “Estamos desapontados. Este ato vai agravar ainda mais a imagem do país”, lamentou.

O presidente do Conselho de Imprensa, António César Mali, classificou o caso como “uma grave violação da Constituição e da Lei da Comunicação Social”. O CI confirmou ter recebido vídeos e relatos que comprovam os atos de intimidação por parte de alguns estudantes e anunciou que já iniciou a recolha de provas. “Não há qualquer justificação para violência física contra jornalistas em serviço. Isto é inaceitável num país democrático”, declarou.

Também o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, condenou o episódio. “Este é um retrocesso grave para a democracia”, disse.

Segundo informações publicadas pela AJTL, no dia 23 de outubro de 2025, às 14h00, a AJTL, a TLPU, a UPJTL e a SAP News apresentaram uma queixa formal ao Ministério Público contra os agressores.

A versão do Senado Geral da UNDIL

Ao Diligente, o presidente do Senado Geral da UNDIL, José Eduardo Freitas, afirmou que ele e a sua equipa intervieram devido à presença de jornalistas no campus sem autorização prévia.

“Os jornalistas não apresentaram qualquer carta de reconhecimento oficial do Senado Geral. Os estudantes que as convidaram também não notificaram o Senado. Além disso, o caso de assédio sexual mencionado ainda está em fase de investigação, pelo que não seria apropriado realizar uma conferência aberta antes da divulgação de resultados oficiais”, justificou.

Em resposta ao vídeo que mostra a expulsão de um jornalista da área da UNDIL quando tentava cobrir a conferência de imprensa dos estudantes, o Senado afirmou que a presença dos jornalistas “não seguiu os procedimentos oficiais” e que o segurança do campus apenas cumpriu regras internas.

José Eduardo explicou que a intervenção teve “o propósito de fazer cumprir os procedimentos, e não de intimidar”. Segundo relatou, “o jornalista estava a usar uma t-shirt de outra instituição, a UNTL. Por isso, a nossa equipa pediu-lhe o cartão de imprensa e o motivo da sua presença. Como se recusou a responder, a equipa apenas segurou parte da sua roupa para pedir a identificação e encaminhou-o para fora da universidade”.

O Senado acrescentou que pediu educadamente aos jornalistas que abandonassem o campus por não possuírem autorização oficial e reiterou que “não houve coação, apenas cumprimento das regras”.

Sobre uma notícia publicada pela Sap News, que referia alegada participação de professores ou funcionários da UNDIL no caso, José Eduardo afirmou tratar-se de uma “interpretação errada” e classificou-a como “notícia falsa”, garantindo que os envolvidos são apenas membros do Senado Geral e estudantes.

O Senado declarou ainda estar disponível para cooperar com as autoridades e “seguir o caminho legal” para que a verdade seja esclarecida.

Em resposta a este incidente, a Universidade de Díli (UNDIL) apresentou um pedido de desculpas pela expulsão e intimidação dos jornalistas durante de cobertura da conferência de imprensa na universidade.

Numa entrevista ao Diligente, Feliciano Pinto Magalhães, Vice-Reitor para Assuntos Estudantis, explicou que o grande número de pessoas presentes, aliado ao facto de o jornalista não estar a usar o cartão de imprensa, provocou a revolta dos estudantes, culminando no incidente.

“No entanto, nós, enquanto docentes e representantes dos assuntos estudantis, apresentamos um pedido de desculpas a toda a comunidade dos meios de comunicação. Hoje, o Reitor também já dirigiu um pedido de desculpas oficial aos órgãos de comunicação,” revelou Feliciano.

Conferência de Imprensa dos Estudantes sobre alegações de assédio sexual na UNDIL

O repórter foi atacado enquanto cobria a conferência, num momento em que os estudantes liam uma declaração pública sobre alegadas condutas abusivas praticadas por um docente da Faculdade de Ciências Políticas, identificado pelas iniciais M.L.S. O caso expõe, simultaneamente, dois problemas que persistem em Timor-Leste: a vulnerabilidade dos profissionais de imprensa e a persistência de casos de assédio sexual em instituições de ensino.

Na declaração, os estudantes exigiram que o reitor demitisse imediatamente o professor acusado, afirmando que o processo interno já confirmou provas e confissões, mas que a administração universitária tem sido demasiado lenta a agir.

“Não podemos continuar a aceitar comportamentos de predadores sexuais no campus. Exigimos que o reitor use a sua autoridade para demitir este professor imediatamente”, afirmou Delcia da Costa Belo, porta-voz do grupo estudantil, durante a conferência.

Segundo o comunicado, o alegado assédio ocorreu de três formas distintas: física, através de toques inapropriados em partes do corpo das vítimas; verbal, com comentários de teor sexual e digital, através de mensagens privadas e chamadas telefónicas insistentes durante a noite.

Os estudantes afirmam que a denúncia foi apresentada à faculdade no segundo semestre, mas nenhuma medida foi tomada até ao momento. Apesar de o docente ter sido advertido, teria repetido o comportamento com outras alunas. “Não é um caso novo. Isto acontece há vários anos e culminou agora”, acrescentou Delcia.

As vítimas e os seus apoiantes entregaram uma carta formal à universidade a exigir a demissão imediata do professor. No entanto, até à data da conferência, a reitoria apenas tinha decidido suspender temporariamente o docente e abrir uma nova investigação de dez dias, sem tomar uma decisão definitiva — uma atitude considerada dececionante pelos estudantes.

“O reitor deveria agir com mais coragem e firmeza. A investigação já foi concluída a nível da faculdade, e o próprio acusado admitiu as suas ações. Não há razão para adiar a justiça”, sublinhou a porta-voz.

Além de exigir a demissão do professor, os estudantes pediram sanções severas, a suspensão das suas atividades académicas, a revisão da acreditação da UNDIL pelo Ministério e pela ANAA e a implementação de políticas eficazes contra a violência de género no campus.

“O campus deve ser um espaço seguro para aprender e construir valores humanos, e não um lugar onde predadores e o terror sexual prosperam”, lê-se na declaração conjunta.

Os estudantes também apelaram ao Governo para que reconheça o assédio sexual como um problema estrutural e público, exigindo políticas de prevenção e apoio às vítimas.

Reação da Reitoria

O Vice-Reitor para os Assuntos Estudantis da UNDIL, Feliciano Pinto Magalhães, reagiu às denúncias, confirmando que o primeiro relato verbal foi recebido a 17 de outubro. Segundo afirmou, entrou de imediato em contacto com o Diretor da Faculdade para “orientar e procurar uma solução” para o caso.

A situação já estava a ser acompanhada desde 15 de outubro pela Divisão de Disciplina e pela Provedoria da UNDIL. No dia 18 de outubro, foi realizado um diálogo com os estudantes da Faculdade de Ciências Políticas, no auditório da universidade, para recolher informações complementares.

O Vice-Reitor explicou que os estudantes foram convidados a apresentar provas para que o caso pudesse ser reportado ao reitor e reforçou que a universidade “não apoia atos de assédio sexual”.

“A decisão que pretendo reportar ao Reitor não é algo que eu possa tomar sozinho. O assunto é urgente e foi tratado em tempo útil, para que a investigação possa apurar a verdade e corrigir o erro”, afirmou.

Feliciano Magalhães confirmou que o professor suspeito foi suspenso temporariamente das suas funções e que foi criada uma equipa de investigação composta por representantes do Senado da Faculdade, Senado Geral, Faculdade de Direito, Divisão de Disciplina e Provedoria da UNDIL, sob supervisão direta da administração central.

O Vice-Reitor sublinhou que a UNDIL, enquanto instituição que se rege pelos princípios do Estado de direito e da democracia, seguirá rigorosamente as normas laborais vigentes.

“Se a culpa for comprovada, o professor enfrentará sanções severas, incluindo a demissão. O processo está em curso e, após a conclusão, será elaborado um relatório final. Não haverá tolerância”, concluiu.

Instituições não governamentais, PDHJ e Ministério unem esforços contra o assédio sexual nas universidades

Em resposta às recentes alegações de assédio sexual na Universidade de Díli (UNDIL), o ministro do Ensino Superior, Ciência e Cultura, José Honório, recordou que o ministério já enfrentou situações semelhantes na Universidade Nacional de Timor Lorosa’e (UNTL).

“Quando ocorreram casos na UNTL, convocámos de imediato a direção da universidade para discutir as medidas a adotar. Neste momento, estamos a preparar um esboço de decreto-lei para regulamentar o assédio sexual no ambiente académico”, afirmou.

Segundo o ministro, o projeto será debatido com o Ministério da Justiça, a Secretaria de Estado para a Igualdade (SEI), e organizações como a JSMP e a ONU Mulheres. “Após a discussão do Orçamento Geral do Estado, daremos continuidade às negociações”, adiantou.

Sobre o caso na UNDIL, José Honório sublinhou que as universidades devem tratar todas as denúncias com seriedade. “Pedimos às instituições que deem atenção rigorosa a este tema e que realizem reuniões regulares com os docentes. Vivemos numa cultura que valoriza a moral e a ética, e é essencial que os professores reflitam sobre a forma como orientam os estudantes”, disse.

O ministro enfatizou ainda a importância de respeitar a dignidade das mulheres no meio académico. “Todos temos dignidade e as estudantes devem ser respeitadas”, declarou.

José Honório acrescentou que o futuro diploma legal pretende evitar a repetição de situações semelhantes. “O projeto vai proibir o uso de palavras impróprias por parte dos professores, especialmente durante a orientação académica. Queremos garantir que a educação seja um espaço seguro para todos”, concluiu.

O Provedor dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, afirmou que o assédio sexual nas universidades “não é novidade”. “Essas situações são um segredo público há muito tempo. Já houve casos semelhantes na UNTL e na UNPAZ, como o de um professor que tentou violar uma estudante dentro do carro, ou de um funcionário da Justiça que exibiu os órgãos genitais a uma jovem”, revelou.

Segundo o Provedor, as universidades timorenses estão, finalmente, a começar a ter coragem para se pronunciar publicamente sobre estas violações de direitos.

Relativamente às ações da Provedoria, Guterres explicou que a instituição tem promovido campanhas de sensibilização e encorajado as vítimas a apresentar queixa. “Queremos que os jovens, sobretudo as mulheres, tenham coragem de denunciar às instituições competentes ou de procurar advogados que as possam apoiar legalmente”, disse.

Lamentou, no entanto, que o medo e o estigma social ainda impeçam muitas vítimas de se manifestarem. “Muitas mulheres não denunciam por receio de julgamentos sociais e de bullying. É compreensível, porque vivemos numa sociedade patriarcal, ainda muito influenciada por valores culturais e religiosos que desvalorizam as mulheres”, reconheceu.

O Provedor revelou também que a instituição tentou estabelecer contacto com a UNTL, sem sucesso. “Há já algum tempo que procuramos dialogar com a universidade, mas ainda não obtivemos resposta”, lamentou.

A coordenadora e investigadora jurídica da JSMP, Flora Soriano Menezes, explicou ainda que o crime de assédio sexual não está explicitamente tipificado no Código Penal de Timor-Leste, embora existam figuras jurídicas semelhantes, como coação sexual, violação e exibicionismo. “É ao longo do processo que se determina o enquadramento do crime”, esclareceu, acrescentando que as penas são agravadas em casos de abuso de autoridade ou relação hierárquica.

A Frente Buibere Oan (FBO) denunciou publicamente o aumento de casos de assédio sexual no meio académico, em especial na UNDIL e na UNTL, considerando que esses episódios “enfraquecem a luta do Estado por uma sociedade igualitária, inclusiva e justa”.

Num comunicado lido por Deonizia da Silva, a organização apelou à união do movimento feminino “para se revoltar contra comportamentos patriarcais e práticas de violação dos corpos das mulheres, bem como contra o silenciamento das vítimas através do abuso de poder”.

A FBO acusou ainda a direção da UNDIL de proteger um docente suspeito de assédio, apesar de antecedentes disciplinares. “A universidade não pode continuar a aplicar as mesmas sanções. Deve demitir o agressor. Isto é um crime e uma ofensa aos princípios de justiça e igualdade”, afirmou.

Segundo o grupo, as vítimas enfrentam forte pressão e intimidação dentro da própria instituição, que deveria ser um espaço seguro. A FBO apelou ao Parlamento, ao Governo e às universidades para adotarem uma política de tolerância zero perante o assédio sexual e reforçarem a proteção às vítimas. “Todos temos o dever moral de criar espaços livres de violência”, concluiu Deonizia da Silva.

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *