O ativista ambiental, fundador do grupo Conservação da Flora e Fauna (KFF), produziu um manual de pesquisa que reúne cerca de 80 espécies da herpetofauna.
Agivedo Varela Laca, 39 anos, ativista ambiental e pesquisador na área da herpetofauna (espécies de répteis e anfíbios, animais que rastejam), emprestou, a partir de 2023, o seu apelido para denominar uma espécie endémica em Timor-Leste. Indotyphlops laca é o nome científico de uma serpente, cuja denominação em tétum é “samea matan-delek” – serpente cega, na tradução literal para português.
A espécie foi descoberta em 2014, nas imediações do Aeroporto Internacional Nicolau Lobato, durante um trabalho de campo referente a uma pesquisa iniciada em 2009, que envolveu estudiosos do Reino Unido, dos Estados Unidos da América (EUA) e de Timor-Leste, da qual Agivedo Laca fez parte.
É também o primeiro pesquisador de Timor-Leste a conseguir ter os resultados de anos de estudos reconhecidos pelo Museu Nacional de História Natural Smithsonian, nos EUA: as 21 espécies conservadas de anfíbios e répteis – incluindo a Indotyphlops laca – estão expostas no espaço. A façanha é resultado da sua pesquisa de monografia, concluída em 2010.
O ativista ambiental é ainda um dos fundadores do Conservação da Flora e Fauna (KFF, em tétum), grupo que, desde 2012, trabalha na reflorestação de mangais e que tem beneficiado a comunidade, através do Centro de Estudo de Mangais, criado em 2019 e financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Licenciado, em 2011, pela Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) em ensino da Biologia, Agivedo Laca dedica-se à observação e estudo dos animais rastejantes desde cedo. Na adolescência, sempre que as cobras entravam em casa de pessoas no suco Raça, em Lautém, era chamado para as capturar.
Confidenciou, contudo, que a motivação para estudar Biologia nasceu da vontade de se vingar do seu professor do ensino secundário, que o atingiu com um apagador na testa por não conseguir responder a uma pergunta do jovem. Queria provar-lhe que seria um docente melhor. Porém, durante os estudos superiores, percebeu que deveria mudar de motivação. Viu que a herpetofauna é essencial para o controlo da população dos animais no planeta, entre outras finalidades agrícolas, económicas e turísticas.
A paixão pela área consolidou-se durante as suas pesquisas, ao encontrar espécies endémicas que se assemelhavam àquelas sobre as quais as suas bisavós contavam histórias. Isso e o facto de algumas espécies só saírem do seu esconderijo quando não detetam movimentação, deixaram-no ainda mais curioso e decidido a pesquisar mais espécies.
Agivedo Laca concluiu, em 2016, um manual de pesquisa de herpetofauna, que reúne cerca de 80 espécies encontradas em pesquisas em todos os municípios, desde 2009. A obra oferece vários detalhes sobre os animais, como o nome científico e o nome comum em diferentes línguas, além da hora e local onde geralmente aparecem, entre outras características.
Chegou a propor ao Ministério da Educação que incluísse no currículo do ensino básico algumas informações das suas descobertas, mas isto ainda não aconteceu. Em 2010, porém, fotos de alguns dos animais pesquisados pelo ambientalista foram impressas nos “Selos de Timor”, em forma de autocolante para ser usado pelos correios.
Já o gosto pelos mangais surgiu em 2007, durante o período de instabilidade político-militar, iniciada no ano anterior. Na altura, quando viu que algumas pessoas cortavam as árvores nos mangais, em Metinaro, Hera, para vender e sobreviver, Agivedo Laca, já estudante universitário, decidiu criar um grupo para produzir viveiros e plantar árvores, tendo entregado todo o trabalho de proteção ao então Governo.
Durante o percurso académico, o então jovem e os colegas juntaram-se à direção da Floresta para realizar ações de sensibilização, junto da comunidade de Lautém, sobre a importância da criação do Parque Nacional Nino Konis Santana. Agivedo Laca e os 11 amigos são alguns dos fundadores do Parque, inaugurado a 1 de agosto de 2008.
Conservação da Fauna e Flora
As experiências no ensino superior motivaram os jovens a devolverem o conhecimento pelo bem comum do país. “Não pensem em estudar e procurar emprego, mas sim em estudar e criar campo de trabalho”. Foi assim que nasceu o grupo Conservação da Flora e Fauna (KFF), em 2012, um ano depois de terminar a licenciatura, tendo juntado cerca de 30 antigos alunos do curso de Biologia.
O grupo, que inicialmente se chamava Bio Conservação, tinha como principais objetivos preservar plantas, animais e o ambiente, de modo a garantir o equilíbrio do ecossistema. A Bio Conservação conseguiu, em parceria com a direção da Biodiversidade do então Governo, resolver o problema de ataques de macacos em Díli, deslocando-os para o Parque Nacional Nino Konis Santana, em Lospalos.
Em 2013, a Bio Conservação construiu um centro de viveiros em Hera, atrás da companhia Esperança Timor Oan (ETO), e decidiram mudar o nome para KFF, focando-se na conservação dos mangais. No início, o KFF estabeleceu parceria com o PNUD e com a direção da Floresta no programa One Child One Mangrove, fornecendo viveiros e organizando o cultivo da planta em Ulmera, Liquiçá, e em Metinaro, Hera.
Posteriormente, o grupo contou com o apoio da Blue Ventures, Kiwa, Merci Corps e JICA para cultivar mangais anualmente. Desde a sua existência, o KFF plantou mais de 1 milhão de árvores desde as praias de Ulmera até às de Metinaro, sendo produzidos, anualmente, 30 a 40 mil viveiros.
Para além de mangais, o grupo também cultiva plantas terrestres como a catalpa, a acácia, e outras que conseguem sobreviver num ambiente com pouca água, de modo a não deixar que as montanhas em Hera sequem.
A iniciativa também se estende para dentro do mar, através da plantação de corais e proteção do habitat de ervas marinhas. Por se tratar de um lugar de pesca, os corais são plantados a uma profundidade maior e são vigiados trimestralmente.
Algumas dinâmicas do KFF consistem em realizar pesquisas sobre herpetofauna, aves, corais e ervas marinhas e sensibilizar a população para o impacto do lixo para o ecossistema. O grupo dá ainda formação sobre conservação do ambiente e biodiversidade a funcionários públicos desta área e aos guardas-florestais, em parceria com a Organização Não Governamental (ONG) Conservação Internacional. Com o apoio da Mercy Corps, produziram autocolantes sobre educação ambiental, que foram colocados nos transportes públicos para que os passageiros não atirassem lixo para fora da viatura.
As parcerias garantem algum apoio financeiro para deslocações, mas o grupo continua sem fundos permanentes. Desde o início, os fundadores ajudam-se mutuamente para conseguirem deslocar-se até ao local de trabalho. Devido a necessidades pessoais e profissionais, o KFF está agora reduzido a 7 fundadores e 8 novos membros. “O que me permite continuar a fazer este trabalho é a dedicação e a compreensão da minha parceira, que é ativista social, e entende a minha situação”, partilhou Agivedo Laca.
Para conservar a flora e fauna de Timor-Leste, o biólogo pretende identificar espécies que se encontram no Parque Nacional Nino Konis Santana, colaborando com cientistas competentes. Lamentou que, muitas vezes, os governos estabeleçam parques e áreas protegidas, mas desconheçam os tipos de animais e de plantas que se encontram nestes locais – não avaliando o estado dos lugares de forma regular.
“Se o Governo mostrar vontade e seriedade em proteger a riqueza ambiental do país, garanto que consigo trazer os cientistas certos para o fazer”, frisou.
Centro de Estudo de Mangais
Em Hera, no meio dos mangais, os visitantes ficam em cima de uma ponte de madeira a observar os diferentes tipos de plantas, tendo à sua disposição informações sobre os nomes e características das espécies. Ao caminhar pelos trilhos cobertos de árvores que formam um túnel, chega-se ao Centro de Estudo de Mangais, onde o público pode consultar livremente os muitos livros que ali se encontram.
O Centro de Estudo pretende sensibilizar os estudantes e a comunidade para a importância do ecossistema e encorajá-los a proteger o ambiente. Para os que querem estudar os mangais, a entrada é gratuita e ainda há a possibilidade de terem uma visita guiada educativa.
A estrutura foi estabelecida com a ajuda da comunidade e o financiamento do PNUD. Desde o seu início, em 2019, o Centro de Estudo atrai muitos visitantes, funcionando também como um ponto turístico. A entrada é de apenas um dólar americano. Nos primeiros seis meses, por mês, entre mil e 1,2 mil pessoas visitaram o local. Atualmente, o centro regista cerca de 300 visitantes mensais, sendo que aproximadamente cem deles são estudantes.
Tendo um grande potencial, o ativista espera que o Governo invista mais no espaço. “Seria uma boa forma de contribuir para os habitantes e pescadores locais”, afirmou , antecipando o aumento pela procura de alimentação e alojamento. Neste sentido, mostrou-se disponível para apoiar as iniciativas de ecoturismo, a fim de garantir que o ambiente continue a ser saudável e sustentável.
Há um lugar semelhante também em Hera, um parque gerido pela comunidade. Agivedo Laca sonha em conseguir juntar os dois locais para alargar o serviço. A sua ideia envolve a criação de uma zona de campismo e de atividades como snorkelling para ver os corais, as ervas marinhas, peixes e outras espécies.
“Diz-se que vai haver um tara-bandu para que não se pesque nas áreas de mangais. Se isso acontecer, dentro de cinco, dez anos, poderíamos ver diversas espécies a aparecer, enriquecendo o mar”, observou. No entanto, é preciso encontrar alternativas que garantam o sustento da comunidade.
“O ar tem sabor”
Nos dois anos em que deu aulas de Biologia, Agivedo Laca percebeu que estava vocacionado para ensinar a conservar o ambiente. “O mundo está cada vez mais afetado pelas mudanças climáticas. O tempo mudou, o nível do mar subiu, a temperatura aumentou. O sabor do ar também se transformou. O ar tem sabor”, meditou.
Para tentar ilustrar o que quer dizer, pede que imaginemos estar perto de um forno a lenha ou no meio da cidade com muitas viaturas a circular. “Depois, pensemos que estamos no meio de um mato ou simplesmente fora da cidade. O verdadeiro sabor do ar está no último. Sem contaminação, sem poluição. Por isso, não devemos estragar as plantas, porque elas garantem o sabor do ar”, refletiu.
A vontade de salvar o planeta fez com que se tornasse ativista ambiental. Porém, mostra-se preocupado com o facto de as nações mais pequenas serem vítimas das mais avançadas que emitem muitos gases tóxicos com efeito de estufa.
“Com a tecnologia, conseguem saber o que pode acontecer no período de dez anos e tentam encobrir a sua contribuição para a degradação ambiental, através do financiamento aos países pequenos para mitigar os impactos. Mas o problema não se resolve”, lamentou.
No contexto timorense, também critica o facto de os sucessivos governos, de cinco em cinco anos, não aproveitarem os profissionais já habilitados para continuar o trabalho de conservação do ambiente. “A administração pode mudar, mas não os técnicos. Não podemos pagar salários a pessoas que não sabem o que estão a fazer”, realçou.
Qual é o objetivo da independência?
O desemprego no país preocupa Agivedo Laca. “Muitos jovens não trabalham e os que o fazem, fazem-no através do nepotismo. Começamos o país de forma errada, porque não formamos os jovens, o futuro do país, para que sejam criativos”, disse.
O ativista acredita que Timor-Leste é constituído por três grupos: as elites, que são as pessoas que podem dar uma boa educação aos seus filhos para que sejam os futuros líderes; o segundo grupo são as pessoas que têm acesso a trabalho, mas apenas para sobreviver; e a terceira classe, as pessoas que intencionalmente foram incapacitadas para não conseguirem acesso ao trabalho, através de sistemas de educação e de saúde precários. “Os filhos dos governantes não estudam nas escolas públicas gratuitas. E os líderes não vão ao Hospital Nacional Guido Valadares. É um sistema pré-estabelecido”, afirmou.
Para ele, o facto de alguns líderes estarem no país durante a guerra e outros não gerou rivalidade entre eles, o que afetou o povo, que é apenas um instrumento para conseguir o poder. “Nas eleições, utilizam os grupos de artes marciais para conseguirem votos, mas ignoram-nos durante o mandato. Para a comunidade, só fazem algo bom no último ano do cargo para obter a sua simpatia. O fundo petrolífero vai acabar e as dívidas acumulam-se”, observou.
Por isso, sugeriu aos jovens que aproveitem oportunidades que estão ao seu alcance, no sentido de se formarem e serem criativos. “No futuro, se Timor-Leste entrar numa crise económica, o impacto é para nós que só queremos sobreviver”, alertou.
O que o choca mais é o facto de muitas pessoas terem de emigrar, levando consigo a produtividade. “Qual é o objetivo da restauração da independência? O povo não vive confortável no seu próprio país. A definição de gozar a independência é conseguir respirar e sobreviver. Perdemos o direito da cidadania!”, indignou-se.
Agivedo Laca também foi trabalhador sazonal para conseguir financiar a pesquisa monográfica e continuar o mestrado e o doutoramento. A experiência não foi gratificante. Sentiu-se escravizado, a trabalhar como uma máquina. Mas a situação de Timor-Leste não lhe deixou outra opção. Conseguiu atingir a primeira meta, mas não a segunda, por questões pessoais. Usou o dinheiro para concluir o manual de pesquisa e ajudar os amigos do KFF. O ativista defende que trabalhar no estrangeiro deve servir para criar uma fonte de rendimento no seu próprio país, não apenas para conseguir sobreviver por mais algum tempo.
“É errado dizer que os que são funcionários públicos têm um serviço melhor do que os agricultores e que os agricultores são pobres”, afirmou. Em outros países, os mais ricos são os agricultores, porque conseguem trabalhar hectares de terra com poucas pessoas, recorrendo à tecnologia. Por isso, não percebe a falta de investimento na agricultura.
A existência de elevados casos de homicídio, conflitos, entre outros, leva-o a questionar a qualidade dos líderes. Lamenta que os cidadãos não se preocupem com estas questões, “mas apenas se têm a barriga cheia”. Mostrou-se preocupado ainda com o facto de os jovens serem cada vez mais pessimistas. “Não conseguem competir com os amigos e têm vergonha de mostrar que são capazes de fazer alguma coisa”, observou.
A sua preocupação socioambiental também se manifesta através da arte. Gosta de esculpir peças de madeiras no formato de animais. As esculturas são feitas no quintal da sua própria casa, em Díli. No tempo livre, ainda escreve guiões de filmes. Os seus roteiros já foram transformados em curtas-metragens Vampir Timor-leste Hamrok Ba Ran (Vampiros Timorenses Sanguinários), publicado em 2017, e Ema Nudar Umanu (Ser Humano), concluído em 2019. A primeira obra recorre à comédia para abordar questões políticas.
O ativista chegou a atuar no filme timorense Mensajeiru, em 2015, que conta a história de uma criança que leva a mensagem de um padre para funcionários das Nações Unidas, e em teatros, com o grupo Dukurai.
A educação é a “arma” para mudar a mentalidade das pessoas, segundo o ativista. Confessou que andou sem rumo e criou conflitos entre os jovens da sua época, mas os estudos salvaram-no. Para ele, aprender sobre os animais é aprender a ter paciência. Ter paciência para observar as suas características: quando é que ficam agressivos, quando é ficam mais calmos e as causas destes comportamentos.
Parabens ao nosso “encantador de serpentes”!
TL tem cobra capelo que da palmada no traseiro
TL tem cobra capelo que toca no dianteiro
Estes repteis nao mereceram anotacao do nosso expert?
Animal rastejante!
Nunca como dantes
Houve tanto animal rastejante
E deveras preocupante
Pois serpente governante
Apalpante
Kakass abundante
Giboia alucinante
Recalcitrante
Na minha terra amante
Animal rastejante!
Ze Dolar Rai
Pueta TL