Transformação Digital de Timor-Leste, Cibersegurança e “Geopolítica dos Dados”

Atualmente, Timor-Leste carece de capacidade para lidar com esta nova situação, pois os recursos humanos e tecnológicos das nossas agências de inteligência e segurança na área de Cibersegurança são muito limitados. /Foto: telegeography.com

Em Timor-Leste, projetos de infraestrutura de telecomunicações estão a acelerar o processo de transformação digital, como o primeiro cabo submarino de fibra ótica, chamado “Timor-Leste South Submarine Cable”. Ao mesmo tempo, as empresas de telecomunicações do país estão a preparar-se para implementar a tecnologia 5G. Estes projetos irão proporcionar internet mais rápida e facilitar o acesso a mais pessoas, estimulando a economia e ajudando o governo e a administração a serem mais eficientes e eficazes. No entanto, esta transformação digital também traz grandes riscos: quando o Estado e o povo dependem cada vez mais das tecnologias digitais, Timor-Leste torna-se mais vulnerável à espionagem digital e a ataques cibernéticos. A integração económica na região acelera, e a competição geopolítica aumenta, pelo que atores estatais e não estatais procurarão tirar proveito da infraestrutura digital para obter vantagens políticas e económicas. Isto é um grande risco, especialmente porque a capacidade de cibersegurança das agências de segurança do Estado de Timor-Leste é limitada.

Por esta razão, a Fundação Mahein (FM) escreve este artigo para discutir as implicações da transformação digital de Timor-Leste para a segurança nacional num contexto de mudança política e de segurança, especialmente na competição ou rivalidade geopolítica entre a China e outras nações. O artigo discute a “geopolítica dos dados” e as suas implicações para o processo de transformação digital. Por fim, a FM faz algumas recomendações sobre como o Estado pode preparar a nação e o povo para minimizar os riscos associados à conectividade digital e maximizar os seus benefícios.

Geopolítica dos Dados e a Ascensão da China

A “geopolítica dos dados” – ou “geopolítica do ciberespaço” – refere-se aos aspetos estratégicos e políticas de controlo e da governação dos dados. Em outras palavras, como os Estados utilizam os dados eletrónicos como um recurso importante na competição global por recursos e poder. No contexto mundial atual, onde a China emergiu como uma “superpotência” global, o conceito de geopolítica dos dados torna-se ainda mais relevante. A China já tomou várias medidas para fortalecer a sua posição no espaço digital, incluindo a Iniciativa Belt and Road (BRI), o que influencia fortemente as relações internacionais e o desenvolvimento da infraestrutura digital atualmente.

A China avança rapidamente na área da tecnologia e das infraestruturas ligadas às telecomunicações digitais. A sua iniciativa “Digital Silk Road”, parte da BRI, tenta construir muitas infraestruturas digitais, uma vez que, anteriormente, países como França, Japão e Estados Unidos dominavam a infraestrutura digital mundial. Quando a China investe e controla infraestruturas como cabos submarinos, centros de dados e redes 5G, pode controlar os dados que passam por essas infraestruturas, o que é uma questão estratégica crítica. Grandes empresas de tecnologia chinesas como Alibaba, Huawei e Xiaomi reforçam ainda mais a posição global da China na tecnologia.

Outros países implementam várias medidas para responder à influência da China na área digital. Por exemplo, o Governo dos Estados Unidos cria leis para limitar empresas tecnológicas chinesas como a Huawei e encoraja outros países a prevenir a participação de empresas chinesas em projetos de infraestrutura digital. Da mesma forma, a União Europeia promove a “soberania digital”, criando regulamentos para proteger a privacidade dos dados e estabelecer padrões para limitar a influência de outros países na sua infraestrutura digital.

As respostas de outras regiões são muito variadas, refletindo interesses estratégicos e níveis de dependência diferentes. Por exemplo, a ASEAN equilibra os benefícios dos investimentos chineses em infraestrutura digital com a necessidade de manter a autonomia e a segurança. A Índia adota uma posição diferente, banindo aplicações chinesas e limitando a participação da China no seu mercado digital.

Transformação Digital de Timor-Leste e Competição Geopolítica Regional

Como a FM já discutiu em outros artigos, a competição geopolítica já afeta pequenos países na região, como Timor-Leste e os estados das ilhas Pacíficas. O nosso país é pequeno e está localizado numa área estratégica entre o Indo-Pacífico e a Ásia-Pacífico. Por isso, estamos mais vulneráveis à pressão dos nossos grandes vizinhos, pois estes usam diversos mecanismos (em inglês, chamados “carrot and stick”) para promover os seus interesses numa região cada vez mais competitiva.

Alguns governos na região enfrentam problemas quando aumentam a cooperação com outros parceiros em áreas sensíveis, como a cooperação militar e de segurança. Os líderes de Timor-Leste têm navegado entre grandes parceiros para obter vantagens políticas e económicas. Até agora, podemos dizer que essa estratégia tem obtido resultados muito positivos, pois os parceiros de Timor-Leste continuam a querer fornecer apoio em diversas áreas, incluindo infraestrutura digital.

Infraestruturas digitais atualizadas criarão muitas oportunidades nos setores económicos, como finanças, telecomunicações e e-comércio, e vão melhorar o os serviços públicos e administrativos. No entanto, as redes digitais trarão dados em grande volume, críticos tanto para atividades privadas quanto para a segurança nacional. Na era digital, dados eletrónicos tornaram-se ativos de grande valor. As grandes empresas lucram muito com a recolha e venda de dados. Como a infraestrutura digital é altamente estratégica, as agências de inteligência de Estado e diversos atores não estatais procuram explorar vulnerabilidades na infraestrutura digital para aceder informações.

A Austrália apoia a infraestrutura digital em Timor-Leste, com o objetivo de promover o desenvolvimento económico e a segurança digital na região. Embora Timor-Leste beneficie significativamente do apoio técnico australiano durante o processo de construção do cabo submarino, esse apoio também reflete a competição geopolítica na região, onde grandes nações competem para influenciar o processo de transformação digital para promover os seus próprios interesses. Esta realidade levanta importantes questões sobre soberania digital, ou o controlo soberano da infraestrutura de telecomunicações digitais e do movimento de dados eletrónicos.

Capacidade Cibernética Doméstica ainda é limitada

À medida que a infraestrutura digital de Timor-Leste se desenvolve e a conectividade aumenta, enfrentaremos ameaças cibernéticas, como redes de crime organizado que procuram oportunidades económicas e atores estatais que tentam aceder dados para atividades de inteligência. Atualmente, Timor-Leste carece de capacidade para lidar com esta nova situação, pois os recursos humanos e tecnológicos das nossas agências de inteligência e segurança na área de cibersegurança são muito limitados. As instituições de segurança do Estado já estão a oferecer formação em cibersegurança, mas falta-lhes experiência e recursos para detetar e combater ameaças cibernéticas.

Por isso, a FM acredita que o Governo deve dar prioridade à cibersegurança para desenvolver a nossa capacidade local através de programas de formação e parcerias. O número de cientistas da computação qualificados em cibersegurança é insuficiente, e as instituições de ensino superior carecem da capacidade de formar profissionais nesta área. Assim, precisamos de adaptar o nosso sistema educativo às necessidades da era digital, para que os timorenses possam participar diretamente na construção e manutenção de sistemas digitais. Devemos fortalecer as nossas capacidades para reduzir a dependência de apoio externo e defender-nos de ameaças cibernéticas com independência. Segundo a FM, o único caminho para garantir a nossa soberania nacional é controlar os nossos próprios dados eletrónicos e infraestrutura digital.

Conclusão

Timor-Leste encontra-se agora numa posição crítica devido às mudanças geopolíticas e ao processo acelerado de transformação digital. Planeamento, parcerias e investimentos estratégicos são urgentes para garantir que os nossos recursos humanos se desenvolvam juntamente com as infraestruturas e tecnologias digitais. Na perspetiva da FM, precisamos de fazer isto para garantir que Timor-Leste possa controlar os seus dados e combater ameaças cibernéticas de atores estatais e não estatais. Se o Governo falhar em investir adequadamente em recursos humanos na área da cibersegurança, Timor-Leste continuará dependente de apoio externo ou de outros países. Isto limitará a nossa capacidade de proteger os nossos interesses estratégicos de segurança nacional de forma independente.

A Fundação Mahein é uma organização apartidária que procura, desde a sua fundação em 2009, fortalecer o processo democrático e criar soluções duradouras para os desafios no setor da segurança em Timor-Leste.

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