Recentemente, temos visto um aumento da prática de crimes, cometidos por jovens que ainda não completaram 20 anos. Tudo indica que possam já estar envolvidos em atividades criminosas ou antissociais desde a adolescência. Também ouvimos falar que o Governo tem planos de estabelecer Centros de Reabilitação Juvenil. Gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre as intervenções necessárias à nossa nação, especialmente para encarar e prevenir a violência entre jovens e adolescentes.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, que Timor-Leste também ratificou, define que uma criança é qualquer pessoa com menos de 18 anos. [Juridicamente, em Timor-Leste, como consta no Código Civil, Secção V, Subsecção I, Artigo 118.º, “É menor quem não tiver ainda completado dezassete anos de idade”]. O desenvolvimento psicológico de uma pessoa, ao entrar na adolescência, é muito mais avançado do que quando ainda são crianças pequenas, mas ainda não são totalmente maduras em comparação com pessoas adultas.
Quando falamos sobre desenvolvimento psicológico, também olhamos para o aspeto do desenvolvimento cognitivo (que se refere à capacidade de aprender e aplicar o que foi aprendido, bem como à capacidade de racionalizar as informações recebidas e à habilidade para tomar decisões e fazer planos) e a maturidade de uma pessoa. Na adolescência, a maturidade de uma pessoa, especialmente a parte responsável por fazer planos, tomar decisões e apresentar autocontrolo, ainda está em processo de formação e de desenvolvimento. Essa pessoa ainda não está madura. Nessa faixa etária, muitos adolescentes, embora não todos, são corajosos em assumir riscos, exibem comportamentos que podem assustar outras pessoas (por exemplo, andar de mota a alta velocidade, sem usar capacete), têm curiosidade em desafiar regras sociais diversas, e tendem a envolver-se em comportamentos que se desviam dos padrões sociais, como o consumo de álcool, o abuso de drogas, as brigas e as relações sexuais sem proteção. A adolescência é uma etapa crucial para moldar o caminho futuro de uma pessoa. Quando não há mecanismos adequados, de apoio, de controlo e de proteção, vindos da família, sociedade ou nação, muitos adolescentes podem “desviar-se do caminho certo”.
Com este cenário, muitas vezes, em várias áreas, existe a necessidade de um tratamento diferenciado para adolescentes, em comparação com adultos. Em relação à justiça, a Convenção sobre os Direitos da Criança, no Artigo 37.º, Alínea C, afirma que “…toda a criança privada de liberdade será separada dos adultos”. Com isso, uma pergunta importante que todos precisamos fazer é: para os jovens, Timor-Leste precisa de um Centro de Detenção ou de um Centro de Reabilitação? Há necessidade ou não de Timor-Leste desenvolver e implementar um sistema de justiça juvenil?
No Código Penal de Timor-Leste, o artigo 20.º (Inimputabilidade em razão da idade) consta que “os menores de 16 anos de idade são penalmente inimputáveis” e “aos jovens maiores de 16 e menores de 21 anos de idade aplicam-se as disposições do presente diploma em tudo o que for omisso em legislação autónoma, relativamente à aplicação e execução das sanções criminais”. Isso determina claramente que adolescentes que cometam atos criminosos antes dos 16 anos não podem ser punidos pelos seus atos. Esta realidade faz-me pensar: há algum mecanismo de intervenção para adolescentes que cometam crimes antes dos 16 anos? Como garantir que eles não cometam os mesmos atos ou outros crimes quando atingirem a idade adulta? Muitas outras perguntas podem surgir, quando nos preocupamos profundamente com o futuro das crianças.
Por outro lado, no sistema prisional atual, os jovens infratores (aqueles entre 16 e 21 anos) são colocados no mesmo espaço dos adultos. Ao serem misturados com adultos, vão receber o mesmo tratamento e cuidados que eles. É muito importante notar que, na prática atual, no nosso país, quando alguém é preso, não apenas perde parte da sua liberdade, mas também perde a oportunidade de aceder a uma educação formal. Isso é justo? É isso que queremos que os jovens experimentem ao serem reabilitados? Essas são perguntas muito pertinentes para todos nós, especialmente para os nossos governantes. Se pensarmos que eles estão numa fase crítica de desenvolvimento, precisamos de investir na sua reabilitação. Os jovens têm um futuro longo, possuem muita energia e habilidades que precisam de ser utilizadas e exploradas. Eles são importantes para o processo de desenvolvimento desta nação.
O que é o sistema de justiça juvenil?
O sistema de justiça juvenil deve ser um mecanismo para ajudar a reabilitar os jovens que já cometeram atos criminosos, de modo a mudar os seus pensamentos e comportamentos, para que se possam reintegrar na sociedade. Medidas assim, implementadas em muitos países, também atuam como um meio de prevenção da violência.
Nós, como sociedade e nação, precisamos de ajudar as crianças a entender e a aprender que qualquer ato ou comportamento antissocial tem consequências e também temos a obrigação de os ajudar a seguir o “caminho certo”. Muitos jovens cometem crimes devido à pressão social, à pressão dos amigos (peer pressure) e à sua predisposição para realizar atos extremos. Isso acaba por fazer parte do processo de desenvolvimento humano, especialmente na adolescência.
É obrigação do Estado garantir que esses adolescentes canalizem a sua energia e curiosidade para aprender e para que se envolvam em atividades produtivas, através de um mecanismo de intervenção planeado e estruturado. O Estado tem a obrigação de garantir que os jovens, especialmente aqueles que já cometeram crimes ou que circulem em meios propícios para a prática de crimes, se tornem membros produtivos da sociedade.
Como isso pode ser feito? O sistema de justiça juvenil é uma maneira eficaz para o Estado investir em diversos mecanismos de intervenção para prevenir que jovens cometam crimes e se envolvam em comportamentos antissociais agora e no futuro.
Como funciona o sistema de justiça juvenil?
O sistema de justiça juvenil fornece orientações para intervenções com jovens que têm contacto com o sistema de justiça (aqueles que já cometeram crimes). O sistema de justiça juvenil, em muitos países, incluindo as Filipinas, Singapura e os Estados Unidos, implementa o Mecanismo de Justiça Restaurativa (Restorative Justice Mechanism) para orientar as atividades de intervenção. Essas intervenções não são apenas para os jovens que já cometeram crimes, mas também visam grupos/comunidades, especialmente crianças que crescem em ambientes propícios para a violência. Na área da psicologia, os grupos considerados de risco incluem as pessoas que crescem em ambientes violentos e que passam, em muitos casos, de vítimas de violência a repetidores dessa mesma violência, no ambiente familiar ou na sociedade. Por essa razão, o sistema de justiça juvenil realiza intervenções em centros de reabilitação juvenil, em casa, na comunidade, na escola e também trabalha diretamente com os pais e crianças que estão em risco.
Essas intervenções, através de mecanismos de desvio, têm como objetivo principal prevenir a violência, ajudar os adolescentes a aprender como superar situações de stress, a mudar o seu comportamento, a compreender a natureza das suas ações e as consequências dessas mesmas ações, e ajudar os jovens que já cometeram crimes a não cometer mais crimes ou outros atos antissociais quando atingirem a idade adulta.
Em alguns casos raros, especialmente relacionados com crimes graves, os jovens que cometem atos criminosos precisam de ser encaminhados e processados pelo sistema de justiça para adultos. É necessário ter leis que tipifiquem os casos que podem ser processados através do sistema de justiça juvenil e aqueles que realmente precisam ser transferidos para o sistema de justiça para adultos.
De que é que a nossa nação, Timor-Leste, realmente precisa?
A pergunta é: Timor-Leste precisa de um Centro de Detenção Juvenil ou de um Centro de Reabilitação Juvenil? Qual é o conceito operacional do Centro de Detenção? Queremos punir ou reabilitar nossos jovens? A crença na intervenção com os jovens, refletida na linguagem que escolhemos para representar nosso trabalho, influencia profundamente a nossa abordagem às atividades relacionadas.
Eu acredito firmemente que os órgãos de soberania de Timor-Leste têm bons planos para todos os timorenses, especialmente sobre como reabilitar os jovens que estão em contacto (ou estarão em contacto) com as instituições de justiça. Para estabelecer um bom sistema de justiça juvenil, precisamos de um grande investimento, especialmente na preparação de recursos humanos para trabalhar com sucesso com os adolescentes. Esses recursos humanos precisam de ter um profundo conhecimento na área de desenvolvimento psicológico de crianças e jovens, serviço social, como trabalhar com famílias, escolas e entidades relevantes. Também precisamos de autoridades de segurança que compreendam como agir com os jovens e que entendam bem o conceito de mecanismos de desvio. Precisamos de garantir que o tratamento dos jovens não seja no sentido de os encarar como criminosos, mas como pessoas que precisam de ajuda (reabilitação). Também é necessário um estudo aprofundado, para identificar as melhores estratégias para os jovens, que realmente reflitam as necessidades e a cultura dos timorenses. Também é essencial considerar a necessidade de rever o artigo 20.º do Código Penal, para reduzir o limite de idade para se responsabilizar criminalmente uma pessoa.
Para ajudar no trabalho da justiça juvenil, Timor-Leste, como nação, também precisa de eliminar (ou reduzir) os fatores de risco. Esses fatores de risco são: 1. violência doméstica e na sociedade, 2. venda de álcool a crianças e jovens, 3. tolerância à violência na sociedade, e 4. pobreza. É muito importante limitar o acesso e a exposição dos adolescentes aos fatores de risco, que contribuem para comportamentos antissociais. O que é que Timor-Leste precisa de fazer agora? Além de investir no desenvolvimento do sistema de justiça juvenil, o Estado precisa de aprimorar os serviços de prevenção da violência, melhorar a qualidade da educação e erradicar a pobreza no nosso país.
É importante reconhecer que a violência contra as mulheres e crianças é muito elevada em Timor-Leste e que a violência entre grupos de jovens é frequente. Além disso, há reportes de abuso de autoridade e de abordagens violentas por parte de algumas forças de segurança contra as comunidades. Se permitirmos que estes fatores de risco de violência continuem a surgir e a florescer no nosso país, nós, involuntariamente, continuamos a tolerar a violência no nosso país. Se não prepararmos recursos humanos adequados, o nosso trabalho de reabilitação de jovens enfrentará grandes dificuldades hoje e no futuro. Enquanto a violência, sob várias formas, continuar a florescer, não conseguiremos fortalecer a paz nem a estabilidade social. Tudo isso tem um impacto na população em termos de desenvolvimento socioeconómico de Timor-Leste. É possível prevenir a violência. O sistema juvenil serve para reabilitar… podemos ajudar os adolescentes a não cometer crimes quando entram na idade adulta.
Ângelo Alcino Menezes Guterres Aparício, ou Alau, é natural de Baucau. Licenciou-se em Psicologia e Sociologia na Universidade do Havaí e fez o mestrado em Psicologia Clínica Forense na Universidade de Montclair State University, Nova Jersey, Estados Unidos da América. Atualmente, trabalha como consultor independente.