Estado recorre à força policial e militar para violar direitos dos cidadãos. Sem qualquer justificação, uma jornalista do Diligente, Antónia Martins, foi submetida a uma série de constrangimentos por membros da PNTL, sendo levada para uma esquadra em Díli.
Na preparação para receber o Papa Francisco, que visita o país entre os dias 9 e 11 de setembro, o Estado timorense faz uso de brutalidade, através da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), para cometer uma série de violações aos direitos civis das pessoas. Nos últimos dias e sempre com muita truculência, os agentes de segurança destruíram os negócios dos vendedores de vegetais, detiveram cidadãos sem motivo aparente e levaram-nos para interrogatório nas esquadras. Mais recentemente, atacaram duas jornalistas.
Uma das profissionais que teve os seus direitos violados foi Antónia Kastono Martins, repórter e uma das fundadoras do Diligente. Na noite de terça-feira (3.09), enquanto fazia uma cobertura em Fatuhada sobre mais uma ação de despejo da Secretaria de Estado dos Assuntos da Toponímia e da Organização Urbana (SEATOU) em Díli, Antónia Martins foi abordada por membros da PNTL, fortemente armados com pistolas e metralhadoras. De forma intimidatória, os elementos cercaram-na e questionaram a profissional, que, sozinha, tentava argumentar que era jornalista e estava a trabalhar num local público.
A falar alto e a gesticular, os elementos pediram que a jornalista se identificasse. Depois de Antónia Martins mostrar o seu cartão profissional, emitido pelo Conselho de Imprensa de Timor-Leste, os elementos não só não a libertaram, como a ameaçaram sobre a eventual divulgação do vídeo do despejo dos vendedores. Os homens armados tiraram uma fotografia do cartão profissional de Antónia Martins e disseram que, caso o material se tornasse viral a jornalista “seria responsabilizada”.
Confusos e agitados, os agentes levaram a profissional até ao comandante da esquadra de Dom Aleixo, em Díli, Alex da Costa, conhecido como “Samurai”, que estava no terreno. “Esta jornalista só mostrou o cartão [de identificação] quando nós pedimos”, disse um polícia; “nós estamos a fazer o nosso trabalho”, falou outro; “vocês [jornalistas] estão contra nós”, declarou um terceiro, diante do comandante.
“Samurai”, à frente de aproximadamente dez agentes de segurança, interrogou Antónia Martins. “De onde és? Estás a trabalhar? Para quê filmar?”, questionou o comandante. “Sou jornalista do Diligente. Trabalho todos os dias. Estou a gravar as imagens para escrever uma notícia sobre o despejo”, respondeu a jornalista. “Levem-na [para a esquadra]”, ordenou “Samurai” aos seus subordinados, que, durante todo o tempo diziam frases como “vocês [jornalistas] só querem divulgar o que fazemos de mal” e “ela está a falar muito”.
Sem se deixar intimidar, Antónia Martins tentava responder que o papel do jornalista é escrever sobre os factos importantes que acontecem na sociedade. “Qual é o crime que estou a cometer para me levarem para a esquadra?”, indagou. “A identificação não tem a ver com crime, é só para saber se és mesmo jornalista”, respondeu “Samurai”. Nesse momento, os agentes já a levavam até ao carro, para a encaminharem para a esquadra, a fim de se realizar o procedimento conhecido como identificação. A jornalista teve então o seu telemóvel apreendido e foi obrigada a “colaborar”, sendo levada para o local.
De acordo com o artigo 53º do Código de Processo Penal de Timor-Leste, os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação dos cidadãos que se encontram em lugar público somente diante de “fundadas suspeitas da prática de crimes.” A lei também determina que o indivíduo só pode ser conduzido para o posto policial “se a pessoa não for capaz de se identificar ou se recusar ilegitimamente a fazê-lo”.
Conforme a lei, portanto, o que aconteceu a Antónia Martins – que prontamente identificou-se e estava a trabalhar – na noite de terça-feira (3.09), e a outros cidadãos nos últimos dias, é uma ação ilegal cometida pelas forças de segurança de Timor-Leste.
Solidariedade a jornalista na esquadra
Quando chegaram à esquadra, um dos polícias que estava com a jornalista recebeu um telefonema. Na chamada, que durou cerca de dois minutos, o homem identificado como Morais, falou “sim” muitas vezes. O homem então disse à profissional que tudo o que tinha acontecido não passava de um “desentendimento” entre a jornalista e os elementos da PNTL, comprometendo-se a deixá-la em casa depois de registarem os seus dados pessoais.
O comandante Alex da Costa chegou à esquadra e pediu a Antónia Martins para conversarem. A jornalista teve os seus pertences devolvidos e, emocionada, queixou-se da atuação da polícia. “Eu não deveria estar aqui. Vocês já tinham todos os meus documentos. Não aceito o que estão a fazer comigo”, disse ao comandante. “Samurai”, por sua vez, tentava justificar a atitude ilegal, dizendo que a profissional “não era conhecida” pelos agentes e que, por isso, resolveu levá-la até à esquadra para que “nada de mal” lhe acontecesse.
Já libertada, Antónia Martins foi recebida na receção da esquadra por membros da Associação dos Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), do Conselho de Imprensa, da Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), colegas do Diligente e outros jornalistas. Surpreso com a quantidade de pessoas presentes no local para apoiar a jornalista, o comandante chamou todos para conversar na sua sala.
Muito enfática, a presidente da AJTL, Zevónia Vieira, aproveitou o momento para condenar todo o procedimento policial contra a jornalista. “Antónia Martins estava a fazer o seu trabalho. Não é crime fazer cobertura jornalística num lugar público. A lei da comunicação social permite isso. Com a polícia a ter essas atitudes, os jornalistas não se sentem seguros. Não deveriam tê-la trazido para aqui”, ressaltou a presidente da AJTL ao comandante.
Antes do término da reunião, Zevónia Vieira ainda apelou para que Alex da Costa promovesse uma formação para os seus agentes sobre os direitos dos profissionais da comunicação social de Timor-Leste.
Polícias impedem o trabalho de mais uma jornalista e cidadão é punido por estar com amigo da Papua Ocidental
Também na terça-feira (3.09), outra jornalista foi atacada por elementos da PNTL, enquanto estava a fazer uma cobertura sobre mais um despejo contra vendedores, desta vez na região de Comoro, em Díli. Suzana Cardozo, profissional do órgão de comunicação online One Timor, mesmo vestida com o uniforme da redação, foi pressionada pelas autoridades.
“Depois de terminar uma cobertura em Motael, ainda com o uniforme da redação e com os materiais jornalísticos comigo, fui a Comoro comprar vegetais. Ao chegar, vi que a polícia estava a destruir os produtos dos vendedores. Como sou jornalista, tirei logo o telemóvel para fazer uma transmissão em direto. No entanto, um segurança mandou-me parar. Aproximei-me dele para me identificar e ele permitiu que continuasse a filmar”, contou.
Contudo, a profissional partilhou que, ao avistar o titular da SEATOU, Germano Brites, a falar com os vendedores, tentou filmar, mas foi impedida.
“Um funcionário da Autoridade do Município de Díli, que estava ao lado de Germano Brites, gritou para eu desligar a câmara. Não desliguei e aproximei-me deles para mostrar o meu uniforme e expliquei que sou jornalista, esperando ser autorizada a filmar. Depois, o secretário de Estado [Germano Brites] perguntou-me: ‘És jornalista?’ Respondi que sim. Ele continuou a questionar-me: ‘Trabalhei desde manhã até agora, não te vi a filmar, e agora vens filmar para obter benefícios?’ Senti-me pressionada e desliguei a câmara. A seguir, um funcionário tentou tirar-me o telemóvel para o partir. Impedi-o, mas ele pediu-me o telemóvel para apagar o vídeo que tinha gravado e assim o fez. Tive medo, porque havia muitas pessoas e forças de segurança. Estava apenas a fazer o meu trabalho”, lamentou a jornalista.
Já na passada segunda-feira (2.09), o jovem Nelson Xavier, sem qualquer fundamento legal, também foi abordado por elementos da PNTL e levado para interrogatório num posto policial, em Díli. A violação contra o rapaz aconteceu enquanto ele acompanhava um amigo da Papua Ocidental – região que luta pela independência em relação à Indonésia – ao aeroporto Nicolau Lobato. A situação vivida por Nelson Xavier é difícil de acreditar – tamanha a paranoia e ignorância –, mas aconteceu de facto.
“Depois de o meu amigo ir, saí e reparei que havia muitos agentes dos serviços de inteligência no aeroporto. Ao dirigir-me para o estacionamento, fui perseguido até à área de check-out. Viram a minha pasta com as bandeiras da Papua Ocidental e de Timor-Leste e pediram-me para parar. Como não era possível parar ali, continuei um pouco mais para a frente, mas pensaram que eu estava a fugir. Um agente gritou, insultou-me e apontou-me uma pistola, ameaçando disparar. Outra colega que estava comigo ficou traumatizada. Levaram-me para a sede da Unidade da Polícia Fronteira, onde inspecionaram a minha pasta, ficaram com os meus documentos e mandaram-me tirar as bandeiras de Papua e de Timor. Fui interrogado durante duas horas na UPF e depois levado para identificação na sede do Comando Geral da Polícia Nacional de Timor-Leste, onde estive duas horas. Pensaram que eu queria fugir para a Indonésia e proibiram-nos de realizar qualquer ação de solidariedade durante a visita do Papa”, partilhou.
Conforme o artigo 10º da Constituição, “a República Democrática de Timor-Leste é solidária com a luta dos povos pela libertação nacional”.
“Tentativas de censura”
Na manhã desta quarta-feira (4.09) entidades ligadas à comunicação social, aos direitos humanos e à administração municipal condenaram a atuação da polícia contra os vendedores e os jornalistas, ocorrida no dia anterior.
O Conselho de Imprensa de Timor-Leste (CI), em conferência realizada na sua sede em Kintal Boot, considerou que a detenção da jornalista do Diligente, Antónia Kastono Martins, e o impedimento da jornalista Suzana Cardoso de realizar o seu trabalho por parte das autoridades de segurança representam uma ameaça à liberdade de imprensa em Timor-Leste.
“Estas situações não deveriam ocorrer, uma vez que os jornalistas desempenham um papel de controlo social num país democrático, assegurando assim o desenvolvimento do país”, afirmou a porta-voz Isabel de Jesus.
A conselheira do CI avaliou que estes atos constituem uma violação da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), nomeadamente dos artigos 40º e 41º, que garantem a liberdade de imprensa e o acesso a informações corretas e credíveis, sem impedimentos de qualquer natureza.
Isabel de Jesus enfatizou ainda que deter jornalistas e danificar ou destruir os seus equipamentos contraria os artigos 8º e 10º da Lei da Comunicação Social, que tratam da liberdade de imprensa, liberdade de informação e censura. “Essas ações são tentativas de censura, o que, de acordo com a lei, é uma violação do direito básico do público à informação”, frisou.
O órgão regulador ressaltou que os meios de comunicação social e os jornalistas devem ser livres e trabalhar num ambiente seguro e pacífico, de modo a garantir o direito de acesso à informação a todos os cidadãos.
O porta-voz da Rede Defensora dos Direitos Humanos, Inocêncio Xavier, afirmou que, num país democrático (como Timor-Leste em tese é), a cobertura jornalística em espaços públicos não deve ter restrições. “A confidencialidade só é aplicável em alguns encontros e reuniões onde pode haver limitações à cobertura jornalística, mas, em espaços públicos, os jornalistas têm o direito de gravar, e ninguém pode proibi-los”, declarou.
Inocêncio Xavier considera que as ações da equipa da SEATOU contra os vendedores e a atuação da polícia em Fatuhada e Comoro são semelhantes a um sistema ditatorial. “Os militares estavam atrás e os guardas da gestão do mercado à frente. Isto relembra as situações da ocupação indonésia, onde os militares ficavam atrás e as milícias tinham a coragem de matar timorenses. Este é o modelo que os nossos governantes estão a adotar agora, e isso não pode continuar. Discordamos deste tipo de operação, pois têm um estilo semimilitar e, além disso, confiscaram os pertences dos jornalistas e agrediram-nos”, disse.
O porta-voz da Rede Defensora dos Direitos Humanos sublinhou que as autoridades cerceiam os profissionais da comunicação social por ignorância. “Não compreendem o trabalho jornalístico, são incompetentes e desconhecem as leis. Os governantes apenas asseguram a proteção da polícia e dos militares”, afirmou.
Em relação ao episódio envolvendo a jornalista do Diligente, a Rede Defensora dos Direitos Humanos incentiva que o caso seja levado ao Ministério Público. “Apoiamos e encorajamos os colegas jornalistas, os profissionais da comunicação social e o Conselho de Imprensa a acompanharem e levarem este processo a Tribunal. Estas pessoas [membros da PNTL] precisam de ser educadas sobre a lei, uma vez que os seus comportamentos prepotentes já ultrapassaram as normas da democracia”, ressaltou Inocêncio Xavier. Acrescentou que a Rede já informou a Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça para que tome medidas contra as autoridades de segurança.
Inocêncio Xavier destacou que é necessário investigar os membros da polícia destacados naquela noite e aplicar sanções disciplinares, porque “proibir jornalistas de exercerem o seu trabalho é um crime”. O porta-voz lembrou que a liberdade de imprensa está consagrada na Constituição da República (artigo 41º), e se os membros da polícia não a compreendem, o responsável deve explicá-la aos seus subordinados.
Com um tom firme, Inocêncio Xavier declarou: “Exigimos que este processo avance. É necessário punir aqueles que levaram a jornalista para a esquadra. Exigimos a abertura de um processo de investigação, e o comando não pode proteger os seus membros. A PNTL é uma instituição do Estado, financiada pelos impostos do povo, e, se cometem erros, temos a obrigação de os questionar.”
A Rede Defensora dos Direitos Humanos lamentou ainda que a Igreja Católica em Timor-Leste continue em silêncio face às situações que o povo, especialmente os vendedores ambulantes, está a enfrentar. “Queremos que a Igreja assuma um papel perante as dificuldades que as pessoas estão a passar. Não pode permanecer calada nesta situação. Questionei as confissões religiosas, porque não falam sobre o que está a acontecer no nosso país”, observou.
O Papa Francisco, conhecido pela sua humildade e preocupação com os mais vulneráveis, não aprovaria estas ações repressivas. A ironia da situação é evidente: as medidas tomadas pelo Governo timorense para “limpar” a cidade antes da visita papal estão a prejudicar precisamente os cidadãos mais desprotegidos, aqueles que o Papa mais defende e valoriza.
O presidente da Autoridade Municipal de Díli, Gregório Saldanha, expressou o seu descontentamento com as ações violentas praticadas pela equipa do Governo contra os vendedores ambulantes e os profissionais da comunicação social que estavam a cobrir os acontecimentos. “Não concordo com estes comportamentos, que continuam a ser criticados e que têm feito do nosso povo vítima, como tem acontecido durante muitos anos. São vítimas, porque os governantes também estão envolvidos neste erro, pois não preparam as condições necessárias”, opinou.
O presidente da Autoridade Municipal de Díli lamentou o incidente em que a equipa do Governo e a polícia impediram os jornalistas de cobrir as ações das autoridades contra os vendedores ambulantes. “Retiraram à força o equipamento dos jornalistas, o que demonstra uma violação do trabalho jornalístico. Esta é uma situação que precisamos de evitar”, afirmou.
Gregório Saldanha criticou ainda o facto de a SEATOU não ter coordenado com a presidência da Autoridade de Díli antes de expulsar os vendedores. “Quando se trata de demolir, o secretário de Estado liga-me e diz: ‘Sua Excelência, amanhã vamos demolir neste ou naquele lugar’. Eu não preciso de ordens, preciso de coordenação, para que, antes de destruir, possamos preparar as condições necessárias. Mas o que recebo não é coordenação, apenas ordens”, revelou.
“Não podemos permitir a invenção ou divulgação de situações que possam prejudicar a vinda do Papa”
Durante a conversa na sua sala com os membros da AJTL, Antónia Martins e os colegas do Diligente, membros da PDHJ e demais jornalistas, o comandante da esquadra de Dom Aleixo, Alex da Costa “Samurai”, revelou que os procedimentos são motivados pela visita do Papa Francisco ao país. “Vivemos numa democracia, mas não podemos permitir a invenção ou divulgação de situações que possam prejudicar a vinda do Papa”, afirmou.
Na sede da polícia, a situação agravou-se devido a abuso de poder. Quando os colegas jornalistas de Antónia Martins entraram na esquadra, foram imediatamente ordenados por polícias que se encontravam na receção a sentar-se, mesmo que não quisessem. Foi-lhes dito que tinham de cumprir as regras estabelecidas no edifício e que quem se recusasse a sentar teria de sair. “Isto é intimidação e abuso de poder”, observou Eduardo Soares, jornalista e diretor do Diligente.
O Diligente repudia qualquer forma de intimidação ou de tentativa de censura contra os jornalistas e condena veementemente a atuação das forças policiais-militares contra os cidadãos de Timor-Leste e trabalhadores, que, sem qualquer fundamento, são humilhados por ações ilegais cometidas pelos agentes. Como diria o educador Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.”
Que democracia é esta? Estes governantes são uma vergonha, envergonham Timor-Leste e todos aqueles que lutaram pela libertação do povo!
Alguem ja se esqueceu do procedimento da policia e tentaras indonesios nao ha muito tempo atras? Dejavu?
Um jornalista imcomoda muita gente, dois jornalistas incomodam muito mais!
Alguem tem de informar o Papa desse procedimento pidesco.