Pedra e nascente de Dadil: um tesouro sagrado e cultural com potencial turístico

Reconhecida pela produção agrícola de café, que deu fama a Timor-Leste a nível internacional, Ermera é também rica em paisagens naturais impressionantes/Foto: Diligente

A pedra e nascente de Dadil, em Ermera, guardam histórias sagradas e tradições culturais profundas, além de um som único que ecoa como um gongo. Rodeado por paisagens de cortar a respiração, este tesouro natural enfrenta desafios que limitam o seu potencial turístico.

No coração de Ermera, na aldeia de Hatlipi, no suco Catrai Craic, posto administrativo de Letefoho, em Ermera, a pedra e a nascente de Dadil (Fatuk no Bee Matan Dadil, em tétum) não são apenas marcos naturais impressionantes, representam também um local de profundo significado cultural e espiritual. Rodeadas por paisagens de cortar a respiração, têm atraído curiosos, enquanto a comunidade luta para preservar o património e explorar o potencial turístico do sítio.

A pedra Dadil é famosa por possuir uma rocha especial que, quando tocada, emite um som semelhante ao de um gongo, característica que dá nome ao local (em mambae, “Dadil” significa gongo). Além disso, a nascente de água é considerada vital para a comunidade local, especialmente durante as secas prolongadas, sendo utilizada tanto para consumo como em rituais para invocar a chuva.

O sítio pertence às casas tradicionais (uma lisan) de Bihahi Hatlipi, Malikusa, Kaibasa e Kaebau, que realizam anualmente cerimónias no local para pedir bênçãos e proteção para as gerações futuras. Durante os períodos de seca prolongada, os lian nain (donos da palavra) recolhem a água desta nascente nas cerimónias tradicionais para chamar a chuva.

A viagem de Díli até ao Posto Administrativo de Letefoho, em Ermera, demora cerca de seis horas devido às más condições das estradas. É essencial dispor de meios de transporte em boas condições. No entanto, a comunidade local prefere utilizar motorizadas, que permitem escolher os melhores caminhos e chegar mais rapidamente.

Grande parte das comunidades em Ermera depende da cafeicultura e da horticultura. Durante a viagem pela região, é impossível não reparar na omnipresença das plantações de café, cultivadas junto às margens das estradas. Estas, por sua vez, não são asfaltadas e estão repletas de buracos, tornando o percurso desafiante.

A entrada para o Fatuk no Bee Matan Dadil /Foto: Diligente

Tradições e regras

Quando a equipa de jornalistas chegou ao Fatuk no Bee Matan, uma senhora com um lenço antigo amarrado à cabeça e vestindo uma lipa (traje tradicional) caminhou lentamente ao encontro do grupo. Era Verónica dos Santos, de 50 anos, pertencente à casa tradicional Bihail, que, juntamente com o marido, é responsável pela proteção do local.

Após as saudações e bênçãos, o representante da equipa de jornalistas, Acácio Pinto, explicou o propósito da visita. No entanto, Verónica, visivelmente inquieta, hesitou em autorizar o grupo a subir. Tal relutância deve-se a episódios anteriores, em que alguns visitantes locais, especialmente jovens, demonstraram falta de respeito, chegando a discutir com os guardiões, como Verónica e o marido.

Anualmente, as casas sagradas de Bihail, Kaibasa, Kaubibu e Markusa realizam cerimónias na pedra Dadil, oferecendo sacrifícios, como porcos, para honrar a natureza e pedindo prosperidade e proteção para as gerações futuras. A nascente de água é a única fonte disponível para a comunidade local, e os guardiões pedem aos visitantes que respeitem as regras: evitar lavar mãos ou pés na água, não permanecer dentro da nascente e não deixar lixo.

Verónica dos Santos solicita respeito pelo caráter sagrado do local e proíbe o acampamento na área. Segundo Abrão Maia, um dos guias, todos os visitantes devem pedir autorização prévia aos guardiões e informar sobre qualquer situação desconfortável. Antes de partir, os guardiões realizam pequenos rituais para garantir proteção e boas energias.

“Este é um lugar cultural. Desde que os nossos avós e pais faleceram durante a guerra, deixaram-nos aqui sozinhos. Até agora, o governo ainda não nos deu atenção”, explicou Verónica.

Após um diálogo cuidadoso, Verónica acabou por autorizar a visita. Antes de subir, foi necessário entregar um valor simbólico de 25 ou 50 centavos. Este montante não é uma taxa, mas sim uma contribuição utilizada para adquirir bua e malus (itens tradicionais) que são usados nos rituais e cerimónias realizados no Fatuk no Bee Matan Dadil.

Um percurso desafiante, mas recompensador

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“Quando decidimos subir, devemos ir até ao fim, sem pensar em voltar a meio do caminho, pois este é um lugar sagrado.” /Foto: DR

A caminhada de dois quilómetros até ao topo é um verdadeiro teste de resistência, mas a recompensa vale cada passo. Ao chegar, os visitantes são recebidos por um silêncio sagrado, interrompido apenas pelo canto dos pássaros e pelo som único da pedra que ecoa como um gongo.

Ao longo da caminhada, os visitantes podem observar uma grande pedra em forma de um búfalo. Na base desta pedra, a comunidade local construiu uma uma lisan (casa tradicional), usada para armazenar milho, batata, feijão e roupas, protegendo-os de ataques dos macacos.

A chegada ao topo é recompensada com a visão da nascente de água e a oportunidade de ouvir o som característico da pedra Dadil.

Tomás Gonçalves e Abrão Maia, os guias, seguiram à frente, enquanto nós os acompanhávamos de perto. Os homens ajudavam, segurando as mãos das mulheres para as apoiar na travessia de uma pedra para outra. É necessário ter coragem, autoconfiança e calma para enfrentar a subida. Outro ponto importante é prestar atenção aos pertences, especialmente telemóveis e óculos, pois, caso caiam nas fendas entre as pedras, será difícil recuperá-los.

Para quem está habituado a subir montanhas, o percurso talvez não seja tão difícil, mas, para quem não tem experiência, pode ser bastante desafiador. Foi o caso de duas colegas do grupo que, após caminharem cerca de dez metros, decidiram regressar. Tomás Gonçalves teve de as acompanhar até ao ponto de partida, onde esperaram pelo grupo que continuou a visita.

De acordo com Tomás Gonçalves, o local é sagrado e, para os visitantes que não se sintam confiantes na subida, é melhor regressarem. “Quando decidimos subir, precisamos de ir até ao fim, sem voltar a meio do caminho, pois este é um lugar sagrado”, explicou enquanto continuava a caminhar.

O percurso até ao topo demora cerca de uma hora. Apesar do cansaço e do receio diante das pedras que atravessávamos, o entusiasmo da equipa manteve-se. Depois de caminhar de uma pedra para outra durante aproximadamente um quilómetro, chegámos a duas grandes rochas separadas por uma abertura, considerada um grande portão.

Ao chegar a este pórtico, especialmente para quem visita o local pela primeira vez, é obrigatório fazer o sinal da cruz antes de prosseguir. “Lá em baixo pedimos permissão à senhora e ao senhor que guardam este lugar sagrado. Aqui, fazemos o sinal da cruz como forma de pedir licença à natureza e aos antepassados”, explicou Abrão Maia.

Após cumprir esta orientação, o grupo continuou a caminhada. Antes de chegar à fonte de água Dadil, há um grande tronco encostado à pedra, pelo qual os visitantes devem subir utilizando um caminho improvisado. Antigamente, havia uma escada, mas deteriorou-se. Subindo cuidadosamente por este caminho, ao levantar o olhar, vê-se imediatamente a água cristalina que brota do topo da rocha. No meio da água, cresce uma árvore chamada Onu’u.

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O volume de água mantém-se, mesmo com a comunidade a utilizá-la regularmente para consumo e outras necessidades diárias/Foto: DR

Antes de desfrutar da paisagem deslumbrante, Tomás Gonçalves encheu uma garrafa com a água da nascente e distribuiu-a pelos presentes. “É um sinal de boas-vindas, um gesto para trazer frescura e bênçãos aos visitantes”, explicou, acrescentando que a água da nascente, proveniente da chuva armazenada na formação rochosa, mantém-se durante todo o ano, servindo como fonte essencial de consumo para as comunidades próximas, especialmente durante a estação seca.

No topo da pedra Dadil, encontra-se a rocha que emite um som semelhante ao de um gongo. Movidos pela curiosidade, os guias demonstraram o som, seguindo o ritmo tradicional do povo Mambae.”Sentíamos uma brisa refrescante, acompanhada pelo som suave do vento, a neblina a passar pelas pedras e o canto dos pássaros. Este é realmente um lugar único em Timor-Leste”, disse Maria Rosa, de 28 anos, jornalista da Rádio Liberdade.

Abrão Maia explicou que o som da pedra pode ser ouvido a uma distância de até 50 metros, realçando que, quando se utiliza ferro para bater, o som se torna ainda mais forte.

Abrão também destacou que algumas pedras da região, quando observadas cuidadosamente, têm formas que representam animais. “Antes de chegarmos ao grande portão, vemos que algumas pedras têm formas que lembram crocodilos e búfalos, que parecem estar a subir”, afirmou.

Desafios e apelo ao Governo

A comunidade local tem apelado ao Governo para melhorar as condições de acesso, incluindo a construção de estradas, escadas e instalações básicas como eletricidade e sanitários. O chefe de suco de Catrai Craica, Carlos da Costa Soares, destacou que o desenvolvimento do turismo na região é essencial para gerar rendimento para a comunidade local, que depende principalmente da agricultura, especialmente do café.

Carlos Soares também mencionou que o local possui um forte potencial turístico, mas enfrenta desafios devido à falta de infraestruturas. Referiu ainda que a pedra e a nascente de Dadil e outras cavernas foram usadas como abrigo pelas Falintil durante a ocupação indonésia.

De acordo com Carlos Soares, estes locais são considerados sagrados e pertencem ao património cultural da comunidade. Neste sentido, solicita aos interessados em visitar estas áreas que obtenham previamente permissão das autoridades locais, que explicam as regras a seguir durante a visita.

Em 2018, um visitante desapareceu durante uma visita. Para o encontrar, as autoridades locais, com o apoio dos lian nain, realizaram rituais que levaram ao seu resgate com vida.

“Começámos a proibir a entrada sem autorização porque muitos visitantes não tinham consciência de que estavam a desrespeitar uma área sagrada. Vários jovens visitaram o local, mas não tinham noção da importância de preservar o ambiente. Deixavam lixo no local e comportavam-se de forma prejudicial para a área,” afirmou.

Para evitar novas situações de desrespeito, Carlos Soares informou que as autoridades da aldeia de Catrai Craic já estão em contacto com a Autoridade Municipal de Ermera e a Direção de Desenvolvimento do Turismo para construir um portão adequado e uma estrada que melhore o acesso a várias turísticas da região.

“Podemos transformar este lugar numa atração turística, mas, se as estradas não forem adequadas, as pessoas não vão querer vir. Por isso, a reabilitação das estradas é uma das nossas prioridades”, afirmou.

Carlos salientou ainda que as chuvas dificultam bastante a viagem, tornando urgente a reabilitação das estradas. O plano inclui também a construção de dormitórios, casas de banho e a instalação de eletricidade no local.Parte superior do formulário

A pedra e a nascente Dadil não são apenas atrações naturais, mas também um símbolo de história, cultura e resiliência. Preservar este património é um dever que recai não só sobre a comunidade local, mas sobre todos os que acreditam no valor da herança cultural de Timor-Leste.

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