A suspensão das artes marciais continua a ser um tema controverso em Timor-Leste, refletindo a complexidade de equilibrar ordem pública, financiamento estatal e a necessidade de oportunidades para os jovens. Enquanto o Governo e a oposição divergem sobre os próximos passos, as organizações e a sociedade aguardam uma solução que assegure a paz social e o desenvolvimento das artes marciais no país.
A suspensão das atividades dos grupos de artes marciais em Timor-Leste, em vigor desde novembro de 2023, tem gerado intensos debates no Parlamento Nacional e na sociedade. O Governo prorrogou a proibição até abril de 2025, justificando a medida como necessária para assegurar a paz social e preparar as organizações para um funcionamento regulamentado. No entanto, a oposição exige esclarecimentos sobre os motivos da suspensão e o destino dos orçamentos atribuídos a estas atividades.
Durante uma intervenção no Parlamento Nacional, esta segunda-feira, 18 de novembro, o deputado Luís Roberto da Silva, do KHUNTO, questionou o Ministro da Juventude, Desporto, Arte e Cultura, Nélio Isaac Sarmento, sobre a política de suspensão. “Estamos apenas a pedir esclarecimentos sobre as atividades de artes marciais que o Governo suspendeu com base na Resolução do Governo n.º 46/2023. Quando é que o Governo planeia reabrir estas atividades? Existe algum plano para as reabrir ou para as encerrar definitivamente? Pedimos também ao Primeiro-Ministro que se pronuncie sobre este tema”, destacando que o orçamento de 300 mil dólares atribuído no VIII Governo Constitucional não impediu a suspensão das atividades.
Luís Roberto alertou ainda para os conflitos persistentes entre jovens ligados às artes marciais e apelou à regulamentação das regras internas das organizações. “Se o Governo decidir encerrar as atividades, esta decisão deve ser definitiva, para evitar treinos clandestinos que fomentam a violência”, afirmou.
Por sua vez, o deputado Antoninho Doutel Sarmento, da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), criticou a contradição entre o financiamento concedido aos grupos e a suspensão das suas atividades. “O dinheiro investido deve beneficiar os jovens, por exemplo, com ações de formação, e não travar as suas iniciativas. De outro modo, todos acabam por vir para Díli sem nada para fazer”, alertou, sugerindo a criação de centros de juventude nos municípios como alternativa para capacitar os jovens.
Já Abel dos Santos, do Partido de Libertação Popular (PLP), apontou incoerências na abordagem do Governo. “Se as atividades estão suspensas, tudo deve parar. No entanto, o Governo, através da KRAM, continua a realizar ações com os grupos”, afirmou.
Explicações do Governo
O Ministro Nélio Isaac Sarmento justificou a suspensão com a necessidade de resolver problemas internos nos grupos de artes marciais. “Decidimos suspender para que as organizações possam organizar-se e preparar-se para cumprir as regras estabelecidas”, afirmou. O ministro também informou que o Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2025 não prevê financiamento para os grupos, uma vez que a KRAM foi transformada em Instituto Público, conforme disposto na Lei n.º 5/2017, relativa às armas brancas, e ainda não apresentou o relatório sobre o uso do orçamento anterior.
O Primeiro-Ministro, Kay Rala Xanana Gusmão, reconheceu que a questão é antiga e atribuiu aos grupos de artes marciais a responsabilidade por atos de violência em Díli e nos municípios. “Treinar jovens não pode significar prepará-los para se matarem uns aos outros ou incendiarem casas”, afirmou, destacando a necessidade de uma nova lei para regulamentar estas organizações.
Posições das organizações e da KRAM
O Presidente da Organização PSHT, Baltazar Lemos, declarou compreender a decisão do Governo e destacou que a suspensão é uma oportunidade para os grupos se adaptarem às regras. “Penso que esta suspensão é positiva para nos prepararmos bem e seguirmos as regras antes de o Governo reabrir as atividades”, afirmou.
Baltazar também assegurou que a PSHT já submeteu o relatório sobre o uso dos 86 mil dólares atribuídos à organização. No entanto, pediu às autoridades que ajam contra membros que realizem treinos clandestinos.
Por outro lado, o Presidente da KRAM, Octávio da Conceição, revelou que a suspensão foi motivada por incidentes graves entre grupos, como o confronto em Bobonaro em 2023. Octávio sublinhou que a KRAM está a fiscalizar 993 locais de treino e a exigir o cumprimento dos critérios estabelecidos. Dos 2,5 milhões de dólares atribuídos à KRAM, 700 mil foram gastos, mas o restante aguarda a apresentação de relatórios finais das organizações.
Autoridades locais, como o Chefe de Suco de Triloca, Reinaldo Nicolau da Silva, elogiaram a suspensão, mas alertaram para a necessidade de aplicar a lei com rigor e evitar atividades clandestinas. “A lei existe, mas será que tem força? É preciso implementá-la de forma mais eficaz”, afirmou Reinaldo, pedindo ao Governo que crie uma legislação mais rigorosa para regular os grupos.
O investigador da AJAR, Inocêncio Xavier, criticou a politização das artes marciais e a marginalização dos jovens. “Durante as campanhas eleitorais, os políticos usam as artes marciais como massa de apoio, mas depois ignoram os jovens”, afirmou, apelando a políticas mais inclusivas que promovam a formação e eventos para melhorar o comportamento dos praticantes.
Para ele, a suspensão não resolve os problemas estruturais e os políticos devem tratar as artes marciais com imparcialidade, promovendo eventos e formação para melhorar o comportamento dos jovens. Inocêncio destacou ainda que a marginalização e a falta de oportunidades para os jovens são fatores que agravam os problemas associados às artes marciais.
Recorde-se que em 2 de julho de 2013, o Governo emitiu a Resolução n.º 16/2013, extinguindo grupos como o PSHT, IKS e KORK devido a incidentes que ameaçavam a ordem pública. Posteriormente, a 19 de abril de 2017, foi aprovada a Lei n.º 5/2017, que regula a prática de artes marciais, rituais e o uso de armas brancas.
Em 19 de fevereiro de 2020, o Governo revogou a Resolução de 2013 e permitiu a reativação das atividades de artes marciais sob condições rigorosas, conforme a Resolução n.º 4/2020. No entanto, a suspensão voltou a ser decretada em 2023 e foi prorrogada em 2024 devido ao aumento de incidentes envolvendo praticantes.
Na reunião de 30 de outubro de 2024, o Conselho de Ministros decidiu prolongar a suspensão até 10 de abril de 2025 com o objetivo de consolidar a paz social e assegurar que a prática de artes marciais se enquadre exclusivamente no desporto, promovendo educação cívica e formação humanista.