A ativista pela justiça climática defende o fim do uso de combustíveis fósseis, mas acredita que os países ricos devem liderar esse processo, permitindo que nações em desenvolvimento, como Timor-Leste, continuem a explorar petróleo enquanto procuram alternativas sustentáveis.
Licypriya Kangujam, de 12 anos, é uma jovem ativista que luta pela justiça climática e destaca-se pela coragem de ter subido ao palco da cimeira COP28, em 2023, com um cartaz onde se lia: “Acabe com os combustíveis fósseis. Salvem as crianças e o futuro”.
Começou a dedicar-se ao ativismo aos seis anos, após ter passado por desastres naturais no seu país, a Índia. Para ela, a liberdade consiste em poder respirar e proteger as crianças, sonhando que todas tenham acesso a água potável, educação de qualidade, cuidados de saúde adequados e que vivam livres da pobreza. Ela acredita no poder das crianças para se unirem e levantarem as suas vozes contra a degradação ambiental causada pela ação humana.
Na sua segunda visita ao país, a convite do presidente Ramos-Horta para participar no Festival Internacional de Filmes de Díli (DIFF, na sigla em inglês), Licypriya Kangujam permaneceu duas semanas em Díli e distribuiu bens e materiais a crianças mais carenciadas, como computadores portáteis, projetores, mochilas, materiais escolares, entre outros. A sua primeira visita foi em 2022, aquando da tomada de posse do atual presidente timorense.
No passo dia 24 de setembro, na abertura do DIFF, a ativista afirmou que quer ser a mais jovem primeira-ministra da Índia na história. Prometeu que, se alcançar esse objetivo, enviará um satélite para Timor-Leste, dado que a internet no país é muito cara e lenta, e alocará um orçamento para a construção de um auditório em homenagem a Xanana Gusmão e de uma grande estátua de Ramos-Horta na Índia. A jovem também convidou o presidente timorense para uma visita à Índia em fevereiro do próximo ano.
No entanto, a jornada da jovem ativista foi manchada pelo caso do seu pai, Kanarjit Kangujam, que foi preso em 2021 por acusações de fraude e falsificação. O caso teve ampla cobertura na comunicação social indiana, destacando acusações como falsificação de documentos e cobrança ilegal de fundos. Segundo o jornal VICE World News, quase cem jovens ativistas de 12 países denunciaram que perderam pelo menos 44 mil dólares para programas de intercâmbio e seminários organizados pelo Comité Internacional da Juventude (IYC, em inglês), presidido pelo pai da ativista, mas que nunca foram realizados.
Questionado pelo Diligente no Palácio da Presidência, em Díli, Kanarjit Kangujam recusou dar entrevista, argumentando que se tratava apenas de uma questão política promovida pelo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, por não gostar do trabalho de ativismo que a sua filha desenvolve. Afirmou ainda que isso não tem qualquer relação com a sua filha ou com o trabalho dela. Acrescentou que os processos já foram concluídos, exceto um, mas não especificou qual.
Com esta segunda visita e depois de alguns dias no país, há algo que a preocupa em Timor-Leste?
A mudança climática. Sou ativista climática e trabalho para combater as alterações climáticas, dar voz aos jovens, entre outras atividades. Olhando para as condições de Timor-Leste, as cidades do país podem submergir no mar dentro de algumas décadas, devido à subida do nível do mar causada pelo aquecimento global e pelo degelo dos glaciares na Antártida. Tudo isso é consequência das atividades humanas. Sinto que é necessário que as pessoas tenham sentido de responsabilidade.
Nós, ativistas do clima, cientistas, especialistas e decisores políticos, não devemos ser os únicos a assumir a responsabilidade de combater as alterações climáticas, porque todos vivemos no mesmo planeta e todos temos a responsabilidade de amar e respeitar a mãe natureza. Portanto, ao assumir essa responsabilidade, as pessoas têm de mudar o seu comportamento. Quando cheguei a Timor-Leste, o país pareceu-me limpo em comparação com outros países, como a minha Índia, mas ainda vejo muita poluição, como a poluição de plásticos nas ruas e praias, que afeta o ambiente de forma cruel, pois o plástico não é biodegradável e demora muitos anos a decompor-se.
As pessoas deitam lixo sem pensar duas vezes, talvez por falta de sensibilização e consciência do impacto que isso tem no ambiente e na natureza. O governo e as pessoas mais informadas poderiam sensibilizar a comunidade, de modo a que esta tomasse precauções antes de deitar plástico para qualquer lugar, como praias, mares, oceanos, rios, etc. A consciencialização é essencial, pois muitas pessoas não estão cientes desta crise e deste problema global.
Existem regras para regular o uso de plástico, como a Política de Zero Plástico, mas isso não alterou o comportamento das pessoas. Muitos ativistas timorenses têm tentado sensibilizar a comunidade, falando com os jovens e promovendo limpezas, mas o problema persiste.
Talvez porque a consciencialização não tenha chegado a todos. É óbvio que não chegou. Depende das pessoas mudar o seu comportamento. Se quiserem, fá-lo-ão. Para salvar o nosso planeta, é preciso mudar comportamentos. O comportamento humano é a causa das alterações climáticas e de todos os problemas globais que enfrentamos atualmente.
O que o motiva a ser ativista? Como é que tudo começou?
As alterações climáticas fizeram de mim uma ativista climática. Nasci em Manipur, um pequeno e belo estado do nordeste da Índia, que faz fronteira com o Myanmar e está repleto de hotspots de biodiversidade, mas a maior parte deles transformou-se agora em hotspots climáticos. Cresci em Bhubaneswar, Odisha, por razões escolares, e enfrentei o ciclone Title em 2018 e o ciclone Fani em 2019. Durante esses ciclones, muitas pessoas perderam a vida, muitas crianças inocentes perderam os seus pais e muitas famílias ficaram desalojadas e sem-abrigo, apesar de não serem responsáveis por isso.
Depois, mudei-me para Deli em 2019 e enfrentei problemas ambientais, como o elevado nível de poluição atmosférica e a intensa crise das ondas de calor. A situação ainda hoje é grave, não conseguimos respirar adequadamente, mesmo dentro das nossas casas, e temos de ir para a escola todos os dias com máscara. No verão, enfrentamos uma intensa crise das ondas de calor e, no inverno, níveis elevados de poluição do ar. O meu país, a Índia, enfrenta muitos problemas ambientais ao mesmo tempo, como inundações, ondas de calor, ciclones e poluição atmosférica. Tudo isso fez de mim um ativista climática. Com todas estas iniciativas e ações, as pessoas começaram a chamar-me ativista, embora eu não soubesse, na altura, que o que estava a fazer era ativismo.
O que significa ser um ativista ambiental? Qual é a sua importância?
Ser um ativista ambiental significa que amar, respeitar e cuidar da natureza e do ambiente. E, quando algo está a prejudicá-los, temos de os proteger. É esse o nosso dever. Não permitiremos que a nossa história seja escrita por grandes poluidores e políticos gananciosos que escolhem o lucro em detrimento do nosso planeta.
Como é que as pessoas comuns podem contribuir para uma sociedade sustentável?
Podem começar por dar pequenos passos. Acredito que todas as nossas pequenas ações podem fazer uma enorme diferença. Podem começar por plantar árvores todos os anos, organizar campanhas de limpeza em praias, ruas ou em locais próximos das suas casas, deixar de usar plásticos de utilização única, parar de deitar lixo em qualquer lugar, andar de bicicleta, utilizar os transportes públicos para distâncias curtas ou caminhar. Plantar árvores é a solução definitiva para combater as alterações climáticas e também ajuda a reduzir a poluição atmosférica. Devemos evitar o uso de combustíveis fósseis, como os que usamos nos veículos diariamente, pois andar de bicicleta significa menos poluição e menos problemas de trânsito. Teremos mais espaços verdes se o fizermos.
O nosso país tem estado dependente do petróleo há muito tempo. E continuará a sê-lo nos próximos anos, pois o nosso governo está a lidar com o Projeto Greater Sunrise, um grande projeto de exploração de petróleo, em conjunto com a Austrália. Qual é a sua opinião sobre isso?
Timor-Leste é um dos países mais jovens do mundo. Tem uma reserva de carbono. O aquecimento global e as alterações climáticas são causados pelos paísesricos, que começaram a industrialização. São esses países que estão a prejudicar o nosso ambiente. Por isso, nós, ativistas, dizemos que é preciso acabar com a era dos combustíveis fósseis, sem mais carvão, petróleo e gás, ou quaisquer outros combustíveis fósseis.
Não estamos a dizer a países como Timor-Leste para acabarem com a era dos combustíveis fósseis. Estamos a dizer aos países ricos e aos países em desenvolvimento que deixem de utilizar combustíveis fósseis, pois têm outras alternativas, como por exemplo a energia limpa e renovável. Já países como Timor-Leste têm de depender dos combustíveis fósseis, pois, caso contrário, como iriam conseguir financiar o desenvolvimento e assegurar as necessidades básicas da população?
Então, considera que é aceitável que Timor-Leste continue a explorar petróleo para o desenvolvimento do país?
Sim, Timor-Leste ainda precisa de utilizar combustíveis fósseis, pois o país conquistou a sua independência há relativamente pouco tempo e possui reservas de carbono. Sei que isso afeta a nossa natureza, mas se os países ricos deixarem de usar combustíveis fósseis, poderão ajudar a combater as alterações climáticas. Se o fizerem, contribuirão para reduzir o aquecimento global e a subida das temperaturas, pois são eles que mais contribuem para as alterações climáticas. Assim, se os países ricos utilizarem apenas energias limpas, tudo ficará mais equilibrado. À medida que Timor-Leste se desenvolver, poderá iniciar gradualmente a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis limpas. Assim, enquanto o país estiver a utilizar os combustíveis fósseis para as energias renováveis. Dessa forma, enquanto Timor-Leste ainda precisar dos combustíveis fósseis para o seu desenvolvimento, os países ricos deixarão de os utilizar. É assim que o processo deve começar. É isso que nós, ativistas do clima, queremos.
No ano passado, na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP28), interrompi uma sessão de alto nível para exigir o fim dos combustíveis fósseis no Iraque. Isso resultou no prolongamento do evento por mais dois dias e, finalmente todos os países membros das Nações Unidas concordaram em acabar com os combustíveis fósseis até 2060 e duplicar a utilização de energias limpas e renováveis até 2030. Se não o fizerem, estarão a violar um acordo e serão responsáveis por isso.
Antes de chegarem a esse acordo, houve muitos desacordos entre os países e, você, com a sua coragem chamou a atenção desses líderes.
Sim, não conseguiam chegar a um consenso. Foi um fracasso total. A COP28, que é uma conferência anual, durou duas semanas, em novembro do ano passado, e concentrou-se principalmente no fim dos combustíveis fósseis, algo que tem sido debatido há décadas. Os líderes dos países ricos estavam a tentar evitar esse compromisso. Obviamente, se dependem dos combustíveis fósseis, não vão querer acabar com eles. E nós, ativistas, estávamos a pressionar para que isso acontecesse. Havia milhares de lobistas das indústrias dos combustíveis fósseis na conferência, embora esta fosse dedicada ao clima e ao fim dos combustíveis fósseis.
Por isso, no último dia do evento, interrompi a sessão plenária de alto nível, diante de muitos líderes mundiais, com uma faixa que dizia: “Acabem com os combustíveis fósseis. Salvem o nosso planeta e o nosso futuro”. Depois disso, a conferência foi prolongada por mais dois dias. E, nesses dois dias, finalmente, todos os países das Nações Unidas concordaram em acabar com a era dos combustíveis fósseis até 2060 e duplicar as fontes de energia limpa até 2030. Este é o poder da juventude. Todos nós fizemos o nosso melhor para alcançar este resultado. Agora, cabe a eles decidir se o processo será lento ou rápido.
Por que é importante sensibilizar as crianças para a proteção do ambiente desde cedo?
Todos falamos de como devemos salvar o ambiente. Para salvar o nosso ambiente, temos de agir para combater as alterações climáticas. E, para agir, é necessário compreender o que são as alterações climáticas, o que realmente está a acontecer no mundo e quais as medidas que devemos tomar. Por isso, defendo que a educação climática deve ser uma disciplina obrigatória em todos os currículos escolares do mundo. Isso ajudará a combater as alterações climáticas desde as bases.
No início, desististe da escola para poder ser ativista? Como foi isso e como está agora?
Foi há algum tempo, em 2019, mas a educação é muito importante para o meu futuro. Eu era muito nova na altura. Deixei a escola durante cerca de sete meses, porque senti uma necessidade urgente de agir contra as alterações climáticas e percebi que o nosso governo não estava a ouvir as nossas vozes. Por isso, comecei por protestar em frente ao Parlamento indiano todas as semanas. Abandonei a escola porque o governo não estava a fazer absolutamente nada para proteger o nosso planeta. Mas agora, depois de todos os protestos que fiz, do esforço que tenho feito, de me manifestar e lutar, eles começaram a agir. Mais tarde, voltei à escola, gerindo o ativismo e a minha educação, porque ambos são igualmente importantes.
Podes dar algum exemplo do que o governo fez?
Protestei em frente à residência do Presidente da Índia a 18 de outubro de 2020 e passei a noite em frente ao edifício a exigir uma lei contra a poluição atmosférica, porque havia muita poluição. Nem conseguíamos respirar dentro de casa e tínhamos de usar máscara todos os dias. Foi por isso que deixei a escola por algum tempo. Fui detida pela polícia nesse mesmo dia. E, finalmente, a 28 de outubro de 2020, o Presidente da República da Índia assinou um decreto para reduzir os elevados níveis de poluição atmosférica.
Também enviei cartas ao governo de Raghubar Das, no estado da Odisha, na Índia, para incluir a educação climática como disciplina obrigatória no currículo escolar. Atualmente, mais de 150.000 escolas têm educação climática como disciplina obrigatória no currículo. Muitos estados também começaram a implementar essa iniciativa. Há estados ainda resistem, mas no geral, tem sido um grande sucesso.
Durante a abertura do Festival Internacional de Filmes de Díli (DIFF), disseste que, caso venhas a ser Primeira-Ministra, vais fazer muitas coisas por Timor-Leste, promessas grandiosas. Porquê?
Sinto que é o meu dever, pois sou Embaixadora Especial do Presidente para as Alterações Climáticas e a Paz. Timor-Leste é como um segundo país para mim, e sinto que devo contribuir para a construção desta grande nação, pois o meu coração pertence ao povo timorense. É por isso que, mesmo regressando à Índia, o meu coração estará sempre aqui. Embora tenha trazido mais de 300 kg de bens, como portáteis, projetores, bolas de futebol, sapatos, material escolar, entre outros, isso são apenas pequenas ações. Mas, quando crescer, farei muito mais por Timor-Leste, porque considero este país a minha segunda casa. Essa é a minha promessa.
Acredito que poderei concorrer a Primeira-Ministra da Índia para me tornar a mais jovem Primeira-Ministra do país. E, se Deus me ajudar a concretizar esse sonho, a primeira coisa que farei será enviar um satélite para Timor-Leste, porque a internet aqui é muito cara e lenta.
O que te faz sentir que Timor-Leste é teu segundo país?
O amor e o apoio que as pessoas de Timor-Leste me dão fortalecem-me e dão-me a coragem para continuar a falar ao mundo e a fazer tudo o que faço hoje. Tudo que sou e tudo o que faço é graças ao amor e apoio das pessoas em todo o mundo. E esse amor e esse apoio também vêm do povo timorense, do fundo dos seus corações. Estou a dar o meu melhor para poder retribuir todo o amor e respeito que me estão a dar.
Qual é a mensagem que queres deixar à sociedade timorense, especialmente aos jovens?
Vocês têm o poder demudar Timor-Leste e de mudar o mundo. Esse poder deve ser posto em prática, não guardado dentro de vocês. A mudança será feita pelo povo de Timor-Leste, pela juventude timorense, se agirem. Não importa se a mudança é grande ou pequena. Eu acredito firmemente que todas as crianças podem liderar a mudança e que todas as nossas pequenas ações podem fazer uma enorme diferença.
O primeiro passo para salvar o nosso planeta é mudar o nosso comportamento. Sem isso, nada será possível. E os jovens devem responsabilizar os legisladores pelas suas decisões políticas. Isso é muito importante. Podem iniciar um movimento em Timor-Leste, unindo-se, assumindo a responsabilidade, amando, cuidando e respeitando a natureza e protegendo-a sempre daqueles que a prejudicam. Esse é o vosso dever.