Inundações, deslizamentos de terra, casos de violência e tragédias marcaram os primeiros dias de 2025 em Timor-Leste, revelando desafios sociais e estruturais.
Na cultura timorense, o Ano Novo é mais do que uma celebração: é um momento de união familiar, partilha de refeições e passeios às praias, fortalecendo os laços entre famílias e comunidades. Também é uma ocasião para refletir sobre o futuro e estabelecer resoluções. Contudo, este período festivo foi manchado por acontecimentos trágicos que expõem os desafios sociais e estruturais do país.
A passagem do ano, exatamente às 00h00 do dia 1 de janeiro de 2025, ficou marcada por um acontecimento grave: a entrada de uma bala na residência do ex-presidente da República, Francisco Guterres Lú-Olo. Na sua publicação no Facebook, o ex-chefe de Estado informou que a bala entrou pelo telhado e atingiu uma mesa de vidro, situada ao lado do lugar onde Lú-Olo habitualmente se senta.
A investigação inicial foi conduzida pela Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), que até ao momento não conseguiu identificar suspeitos nem determinar se o disparo foi intencional ou se se tratou de uma bala perdida. O que já foi confirmado é que a bala é de calibre 9 mm, indicando que foi disparada de uma arma de pequeno porte, como uma pistola.
O chefe do Departamento de Investigação Criminal da PNTL, Superintendente João Belo dos Reis, informou que recebeu o alerta por volta das duas da manhã do dia 1 de janeiro e que a equipa forense foi de imediato ao local. A PNTL concluiu, com base na trajetória, que a bala foi disparada para o ar e acabou por cair sobre a residência do ex-presidente.
O caso foi encaminhado para o Ministério Público, e a recolha de informações prossegue. A PNTL apelou à colaboração da população, especialmente dos residentes da área, para fornecerem quaisquer informações úteis à investigação. Até ao momento, apenas a PNTL e a F-FDTL se pronunciaram sobre o caso, enquanto o chefe de Estado e o primeiro-ministro continuam em silêncio.
Conflitos violentos marcam início de 2025
De acordo com o Superintendente João Belo dos Reis, entre 23 de dezembro de 2024 e 3 de janeiro de 2025, a PNTL registou 21 ataques violentos, 20 casos de violência doméstica e 21 confrontos entre grupos rivais, alguns dos quais resultaram em detenções. “O consumo excessivo de álcool” foi identificado como uma das principais causas destes incidentes.
Um dos casos mais graves ocorreu no Suai, onde uma vítima sofreu ferimentos graves devido a explosivos de fogo de artifício, tendo sido internada no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV). Noutro episódio chocante, um jovem mordeu uma criança de oito anos, provocando-lhe ferimentos graves no rosto, o que levou à sua detenção pelas autoridades.
No dia 1 de janeiro, registou-se ainda uma tentativa de homicídio em Hera. Um jovem foi esfaqueado no abdómen enquanto estava reunido com amigos e familiares. A PNTL deteve dois suspeitos na mesma noite, mas ambos foram libertados provisoriamente, enquanto se aguarda a recuperação da vítima e o avanço das investigações.
Clara Pinto, representante da família da vítima, relatou: “Estávamos todos em casa, reunidos, e a vítima estava com os seus colegas. Quando os suspeitos chegaram, um deles entrou e, de repente, alguém anunciou que a vítima tinha sido agredida.” A vítima foi transportada de imediato para o Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), onde recebeu cuidados médicos.
Desastres naturais
Entre 30 de dezembro de 2024 e 6 de janeiro de 2025, Timor-Leste foi afetado por inundações, deslizamentos de terra e incêndios, segundo a Autoridade de Proteção Civil (APC). No dia 1 de janeiro, as chuvas fortes e as inundações deixaram 219 pessoas desalojadas, muitas das quais perderam as suas casas e pertences devido à força das águas.
As cheias e deslizamentos também causaram danos significativos em Venilale, Baucau, e Lospalos, Lautém, onde incêndios destruíram várias habitações. A APC informou que as vítimas já receberam apoio de emergência, e estão em curso avaliações para determinar os danos.
Fogos de artifício provocam acidentes graves
Na noite de Ano Novo, precisamente à meia-noite, Jaime Neves, de 18 anos, sofreu um acidente com fogos de artifício em Bebonuk, Díli, que resultou na amputação de dois dedos. “Lancei os foguetes, mas parte deles explodiu na minha mão. Fui levado para a clínica de Comoro, mas, devido à gravidade, fui transferido para o Hospital Nacional Guido Valadares”, relatou o jovem.
Recorde-se que a PNTL alertou para os perigos do uso de fogos de artifício, destacando os riscos significativos para a segurança pública, o ambiente e a saúde da população. Apesar disso, a venda e o uso indiscriminados destes artefactos proliferaram, especialmente durante as festividades de Natal e Ano Novo. Jovens utilizaram as redes sociais para comercializar foguetes à vista de todos, enquanto a fiscalização das autoridades permaneceu limitada, o que alimentou a sensação de impunidade e o aumento de acidentes relacionados com pirotecnia.
Afogamento trágico na praia do Cristo Rei
No dia 1 de janeiro, Jerry Ventura, de 20 anos, morreu afogado na praia do Cristo Rei, em Díli, durante um piquenique familiar que deveria ser de celebração. Segundo o relato de Armindo Moniz, tio da vítima, Jerry desapareceu após regressar ao mar para nadar.
“No primeiro dia do ano, como é habitual, a família dirigiu-se ao Cristo Rei para festejar o Ano Novo com um piquenique. Enquanto alguns familiares comiam, outros aproveitaram para nadar. Depois de saírem da água, o Jerry também saiu, mas acabou por trocar de calças e voltar ao mar”, contou o tio.
Horas após o desaparecimento, familiares, preocupados, começaram a procurá-lo e pediram ajuda à polícia e a membros das F-FDTL que patrulhavam a área. Infelizmente, o corpo do jovem foi encontrado a flutuar, confirmando o desfecho trágico do que deveria ter sido um dia de celebração e alegria.