Entre a tradição e a ciência: o óleo de cobra cura?

Partes da pele de píton e óleo de cobra/Foto: Diligente

Apesar dos avanços da medicina moderna, muitos timorenses continuam a recorrer ao óleo extraído da gordura de píton para aliviar dores musculares, tratar feridas e queimaduras e cuidar da pele. A confiança nesta prática ancestral revela a força da sabedoria tradicional que resiste ao tempo.

Em várias regiões de Timor-Leste, o óleo de cobra píton continua a ser um dos remédios tradicionais em que a população mais confia para tratar diversos problemas de saúde. Desde dores musculares a feridas ligeiras, o óleo extraído da gordura desta serpente é frequentemente o principal recurso terapêutico – especialmente em zonas rurais onde os tratamentos naturais ainda são predominantes.

Apesar dos avanços constantes da medicina moderna, a confiança nas propriedades curativas do óleo de píton evidencia a força do património cultural e da sabedoria local que resiste à modernização.

Justino da Silva, residente em Watulari, no município de Viqueque, é conhecedor do processo de produção do óleo a partir da gordura de píton e garante que o produto tem propriedades medicinais. “Não é fácil capturar uma serpente, muito menos matá-la – é preciso muito cuidado. Após confirmar que o animal está completamente imóvel, pendura-se o corpo numa árvore para o sangue escorrer naturalmente. Só então se retira cuidadosamente a pele e se extrai a gordura interna com precisão”, explica.

Segundo Justino, todas as cobras têm gordura, tal como os porcos, mas apenas os exemplares mais jovens, saudáveis e com bom estado nutricional produzem quantidades consideráveis de óleo.

“Mesmo uma cobra saudável pode ter pouca gordura se tiver acabado de comer, porque, nesse momento o corpo está a usar muita energia armazenada. Nesses casos, o óleo extraído é pouco,” acrescenta.

A gordura é depois cortada em pequenos pedaços e colocada num recipiente metálico para ser aquecida. O processo de aquecimento permite extrair o óleo, conhecido localmente como mina samea. Este óleo tem sido, desde há muito tempo, a base de medicamentos tradicionais usados pelas comunidades.

Embora o método de extração seja relativamente simples, Justino alerta que o verdadeiro desafio é capturar o animal. “O processo em si é fácil, mas apanhar uma píton não é. Quando se sentem ameaçadas, escondem-se. Só costumamos apanhá-las quando estão a alimentar-se de presas. Por isso, temos de contar com a sorte”, afirmou.

Óleo de cobra: valor económico e benefícios para a saúde

Além do seu uso tradicional, o óleo de píton representa também uma fonte de rendimento para quem o produz e comercializa. Justino explica que, devido à produção limitada, cada frasco de cerca de 150 ml é vendido por 5 dólares americanos. “A carne da cobra também é totalmente aproveitada. Corta-se em pedaços e vende-se pelo mesmo valor. Aqui na comunidade, a carne de píton é consumida normalmente”, afirmou.

Justino não tem conhecimento do valor comercial do produto noutras zonas do país, mas acredita que o preço pode ser ainda mais elevado. “Como é difícil de produzir e há muita procura, acaba por ser caro. Tanto o óleo como a carne têm valor”, explicou.

Em Díli, o vendedor António Pinto obtém o seu abastecimento diretamente da região de Same. “Compro o óleo e a pele às pessoas de Same. O preço mínimo é de 10 dólares, mas depende da qualidade do produto”, revelou.

Segundo o vendedor,  o óleo de píton é procurado sobretudo pelas suas propriedades medicinais. É utilizado para aliviar dores nas mãos, pernas e costas, e também em outros casos como caspa, comichão e outros problemas de pele. “Pelo que sei, é muito eficaz no alívio de dores musculares e nas articulações. Algumas pessoas usam-no até para fraturas ósseas. Eu vendo a 20 dólares o frasco”, contou.

Para António, o óleo de píton é mais raro e mais valioso do que outros óleos tradicionais, como o de coco. A procura crescente entre a população, aliada à sua reputação de eficácia,  tem tornado este produto num dos mais valorizados nas práticas tradicionais de saúde no país.

Eufrásia da Silva partilhou a sua experiência com o uso do óleo após  um acidente de moto com o marido. “Depois da queda, além de irmos ao hospital, aplicámos o óleo nas zonas afetadas. Ajudou a reduzir o inchaço e a dor. As feridas secaram mais depressa ”, relatou.

Apesar de reconhecer que o óleo pode ser caro – podendo atingir os 20 dólares por frasco, especialmente em certas alturas – Eufrásia considera-o essencial para o bem-estar da  família. “ Usamo-lo para massagens e pequenas feridas. O calor que proporciona alivia bastante. É mais do que uma tradição – é algo que experimentámos e sabemos que resulta”, sublinhou.

Também Sipriana de Jejus, massagista tradicional, corroborou os efeitos positivos do óleo. “Acelera a regeneração da pele e ajuda na cicatrização de feridas. Não sei exatamente os seus componentes, mas sei que funciona”, afirmou.

Sipriana usa o óleo de cobra nas suas práticas, sobretudo para tratar fraturas, distensões musculares e outros problemas físicos. “Há muito tempo que este óleo é considerado eficaz na medicina tradicional. Eu própria recorro a ele quando trato os meus clientes”, concluiu.

Apesar da crença generalizada na eficácia do óleo de cobra píton, um médico, que preferiu não ser identificado, alerta para os riscos do seu uso. O profissional sublinha que “cada animal tem o seu próprio veneno” e, por isso, o óleo de cobra não deve ser utilizado como tratamento médico, uma vez que não existem provas científicas da sua eficácia.

“Até ao momento, não há estudos laboratoriais que confirmem que um determinado óleo de cobra possa ser usado para curar doenças, de forma comprovada do ponto de vista médico ou científico”, frisou o médico.

Ainda assim, reconhece que muitas pessoas continuam a recorrer a este produto como tratamento alternativo. “Desde tempos antigos que o óleo de cobra é utilizado como remédio tradicional, mas continuamos sem saber, com certeza, quais os riscos que ele pode trazer para a saúde”, acrescentou.

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?