“Os estudantes precisam de uma escola que ofereça um ambiente seguro e saudável” /Foto: DR
Passados 24 anos da independência, a educação em Timor-Leste enfrenta desafios críticos, como a falta de investimento, infraestruturas precárias e desigualdades no acesso. Cidadãos e especialistas alertam para a necessidade de uma aposta séria na capacitação de recursos humanos e na valorização de professores, para garantir um futuro mais próspero e inclusivo.
Passados 24 anos desde a restauração da independência, Timor-Leste ainda enfrenta uma realidade preocupante no setor da educação. No Dia Mundial da Educação, celebrado a 24 de janeiro e instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2018, cidadãos de todo o país alertam para a necessidade urgente de investir na capacitação dos recursos humanos, essencial para o desenvolvimento sustentável e a construção da paz mundial.
A célebre frase de Nelson Mandela, “A educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo”, sublinha a importância deste setor para criar recursos humanos de qualidade. Contudo, em Timor-Leste, o setor educativo continua a receber pouca atenção por parte do Governo. Entre os principais problemas destacam-se a baixa alocação de orçamento, a falta de infraestruturas adequadas, o número insuficiente de professores, as salas de aula sobrelotadas e até casos de violência contra estudantes.
Estes desafios são amplamente denunciados por estudantes, professores, organizações não-governamentais e representantes do Parlamento Nacional, que questionam a falta de compromisso do Governo, em particular do Ministério da Educação, na melhoria da qualidade do ensino. A desigualdade no acesso à educação é uma realidade gritante: enquanto muitas famílias enfrentam dificuldades financeiras para proporcionar uma educação básica aos seus filhos, os líderes políticos e as elites asseguram que os seus filhos frequentem escolas privadas de qualidade superior.
O orçamento destinado ao setor da educação reflete esta desatenção. Em 2024, o Ministério da Educação recebeu 114 milhões de dólares do total do Orçamento Geral do Estado (OGE), que era de 1,95 mil milhões. Este ano, apesar de um aumento global do orçamento para 2,6 mil milhões, a alocação para a educação foi reduzida para 113 milhões de dólares. Este montante, embora destinado à construção e reabilitação de escolas e à formação de professores, é insuficiente para resolver os problemas estruturais e garantir uma melhoria significativa no sistema educativo.
Para além do financiamento, outro aspeto crucial é a qualidade de vida das famílias, que influencia diretamente o desempenho educacional das crianças. O relatório do Banco Mundial de 2024 destaca a necessidade de investir na nutrição materno-infantil como uma forma de prevenir atrasos no crescimento físico e no desenvolvimento cognitivo. Sem uma intervenção adequada, o país continuará a enfrentar dificuldades na formação de recursos humanos qualificados, limitando o seu potencial de desenvolvimento.
No Dia Mundial da Educação, a mensagem é clara: sem um investimento sério na educação, o futuro de Timor-Leste estará comprometido. A capacitação dos recursos humanos e a criação de condições dignas para professores e estudantes devem ser uma prioridade absoluta para que a nação possa enfrentar os desafios do presente e construir um futuro mais próspero.
“Educação, saúde e proteção social devem ser compromissos prioritários do Estado. É fundamental que o Governo invista nas pessoas e no seu desenvolvimento.”
Maria Angelina Lopes Sarmento, deputada no Parlamento Nacional/Foto: DR
“A educação é um tema sensível e complexo, e os sucessivos governos de Timor-Leste ainda não conseguiram encontrar uma solução viável para melhorar o setor. O principal problema, antes de mais, está na alocação do orçamento, que representa uma parcela inferior a 10% do Orçamento Geral do Estado. Esta situação tem um impacto significativo na qualidade da educação. Para garantir uma educação de qualidade, seria necessário que o orçamento destinado ao setor atingisse, pelo menos, 13% do total.
A qualidade da educação não se limita à construção de infraestruturas físicas. É essencial investir na qualificação e no empenho dos professores. Muitos docentes enfrentam dificuldades no domínio da língua portuguesa, que é a língua de ensino em Timor-Leste. Para que os estudantes possam aprender de forma adequada e progredir nos estudos, é indispensável que os professores dominem o idioma.
O currículo escolar também deve ser modernizado, mas não se pode limitar à introdução de ciência sofisticada. Se Timor-Leste quer ser um país desenvolvido e próspero, deve investir na capacitação dos seus recursos humanos e também na formação do caráter dos cidadãos. A educação não deve apenas desenvolver a inteligência; deve também promover valores sociais, direitos humanos e respeito pela cultura.
Outro problema que afeta diretamente a qualidade da educação são as condições das infraestruturas escolares. Muitas escolas não têm capacidade para acolher todos os estudantes nem para proporcionar condições mínimas, como mesas, cadeiras ou livros. Quando uma escola não tem o básico, o ensino torna-se precário e o desenvolvimento intelectual e pessoal dos estudantes fica comprometido.
A capacidade cognitiva das crianças também precisa de ser desenvolvida. Timor-Leste enfrenta uma taxa de malnutrição elevada, que afeta 47% da população. A desnutrição não prejudica apenas o desenvolvimento físico, mas também o cognitivo. Quando os estudantes não têm condições para assimilar conteúdos complexos, o país fica privado, no futuro, de pessoas capazes de competir a nível regional e internacional, devido ao baixo nível intelectual.
Podemos afirmar que Timor-Leste está muito atrasado na educação porque ainda não conseguimos melhorar os principais fatores que afetam a qualidade deste setor. As universidades formam graduados que, muitas vezes, não estão aptos a competir no mercado de trabalho ou a criar os seus próprios empregos. Em vez disso, dependem exclusivamente do setor público. Quando isso acontece, significa que a qualidade da educação é questionável.
Educação, saúde e proteção social devem ser compromissos prioritários do Estado. É fundamental que o Governo invista nas pessoas e no seu desenvolvimento. Uma pessoa fisicamente saudável está mais preparada para ser psicologicamente saudável. Contudo, enfrentamos o problema da desnutrição, e os setores cruciais, como a educação e a saúde, continuam a ser desvalorizados.
Se quisermos realmente construir um futuro melhor para-Timor-Leste, é essencial enfrentar estes desafios de forma séria e comprometida.”
“É necessário implementar mudanças na forma como os professores são selecionados, garantindo que os docentes sejam colocados de acordo com as necessidades das escolas e as suas especialidades”
Glória Aitara Caldas Pereira, 18 anos, estudante da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) /Foto: Diligente
“A educação é como uma janela que nos permite ver o mundo. Através dela, uma pessoa pode desenvolver-se e expandir os seus conhecimentos, alcançando os seus objetivos no futuro. Existem três tipos de educação que são fundamentais para a formação de um indivíduo: a informal, a formal e a não formal. Estes três tipos são essenciais para transformar a nossa vida, como diz o ditado: um caderno e um lápis podem mudar o mundo.
Observando a realidade da educação em Timor-Leste, é evidente que precisamos de dar mais atenção aos currículos escolares, que muitas vezes não estão adaptados à nossa realidade. Por exemplo, na disciplina de História, foca-se mais na história de outros países do que na própria história de Timor-Leste. Como podemos esperar que os estudantes compreendam e valorizem a sua identidade se a sua própria história não lhes é ensinada de forma adequada?
A precariedade das infraestruturas escolares é outra grande preocupação. Em muitas escolas, as salas de aula são insuficientes, uma única cadeira é frequentemente partilhada por dois alunos e as casas de banho estão em condições insalubres. Estas são situações inaceitáveis que dificultam o processo de aprendizagem e comprometem a dignidade dos estudantes.
Também precisamos de questionar a qualidade dos professores. Apesar de existirem docentes dedicados e qualificados, muitos ainda não possuem criatividade nos seus métodos de ensino e não se esforçam para atualizar as suas práticas pedagógicas. Há professores que simplesmente copiam conteúdos da internet, traduzem-nos para tétum e entregam-nos aos alunos, sem qualquer reflexão ou adaptação. Além disso, há quem veja a profissão apenas como um meio de ganhar dinheiro, sem qualquer paixão ou dedicação pela educação. Esta atitude é prejudicial e precisa de ser combatida, porque, se Timor-Leste não garantir a qualidade dos seus recursos humanos, enfrentará graves problemas no futuro.
É necessário implementar mudanças na forma como os professores são selecionados, garantindo que os docentes sejam colocados de acordo com as necessidades das escolas e as suas especialidades. Só assim será possível resolver a escassez de profissionais qualificados no setor da educação.
Os estudantes precisam de escolas que ofereçam um ambiente seguro e saudável. Os professores devem garantir que os alunos aprendam de forma eficaz, sem recorrer a violência ou humilhação, pois estas práticas podem causar danos psicológicos e traumas duradouros.
O governo tem a responsabilidade de aumentar o orçamento destinado ao Ministério da Educação para investir na formação de recursos humanos qualificados. Países como o Japão e Singapura são exemplos claros de nações que alcançaram um rápido desenvolvimento graças ao investimento sério e contínuo na educação. O governo timorense deve aprender com esses exemplos e colocar a educação no centro das suas prioridades.
Se os líderes do país não derem prioridade à educação, o futuro das crianças timorenses estará em risco. No futuro, os timorenses serão apenas observadores, enquanto os estrangeiros aproveitarão as oportunidades de desenvolvimento e os recursos do nosso país. É urgente mudar esta realidade.”
“As crianças que frequentam a escola precisam de infraestruturas adequadas, de professores qualificados, de livros e de condições que favoreçam o processo de aprendizagem. Por outro lado, os docentes precisam de uma vida digna, com uma remuneração justa, para que não sejam obrigados a ter trabalhos extra e possam dedicar-se exclusivamente ao ensino”
Marcelino da Costa Belo, professor da Escola Secundária 5 de Maio, em Becora, Díli /Foto: Diligente
“A educação é uma área fundamental para formar uma pessoa como intelectual. Para garantir progressos no setor educativo, os currículos devem estar em conformidade com a cultura e com a Constituição. É indispensável reformar o currículo, porque, atualmente, continuamos a adotar currículos de outros países, sem os adaptar à nossa realidade. Timor-Leste é rico em recursos naturais, mas, se formos pobres em recursos humanos, permaneceremos pobres, porque serão outros a gerir as nossas riquezas.
A aposta na educação não pode ser apenas um tema para discursos vazios do governo; são necessárias ações concretas. É essencial criar condições adequadas para três componentes principais: estudantes, escolas e professores. As crianças que frequentam a escola precisam de infraestruturas adequadas, de professores qualificados, de livros e de condições que favoreçam o processo de aprendizagem. Por outro lado, os docentes precisam de uma vida digna, com uma remuneração justa, para que não sejam obrigados a ter trabalhos extra e possam dedicar-se exclusivamente ao ensino.
O Estado deve dar especial atenção aos professores, pois são eles os responsáveis por conduzir as pessoas da escuridão para a luz. No entanto, em Timor-Leste, existem muitos docentes a ensinar disciplinas fora da sua área de especialidade ou que veem a profissão apenas como uma forma de ganhar dinheiro, sem se preocuparem com a qualidade do ensino. Por isso, é imprescindível que os professores sejam alocados de acordo com as suas especialidades e competências.
O Conselho de Ministros já aprovou uma lei que estabelece a reforma obrigatória para os professores que atingem a idade de aposentação. No entanto, o Governo ainda não criou uma legislação que proteja e valorize verdadeiramente a vida dos professores na sociedade. É urgente que isso seja feito, porque sem professores bem formados, valorizados e comprometidos, a educação em Timor-Leste não poderá progredir.”
“Atualmente, a qualidade da educação permanece invisível em muitos aspetos, porque os diretores escolares são frequentemente nomeados por partidos políticos, sem qualquer avaliação baseada no mérito”
Adelina Freita, docente da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL)/ Foto: DR
“A educação é um setor essencial para o indivíduo, a sociedade e a nação, pois é através dela que se desenvolvem o conhecimento e as competências das pessoas em diversas áreas, formando recursos humanos qualificados para o futuro. Quando uma pessoa é instruída e tem um bom conhecimento em áreas como a justiça, por exemplo, pode alcançar melhores condições de vida e proporcionar mais qualidade à sua família.
A educação não se limita à escola; começa em casa. Isto significa que os pais têm a responsabilidade de orientar e educar os seus filhos, ajudando-os nos estudos e na formação do caráter, para que aprendam a respeitar os outros e os valores sociais. Este apoio em casa complementa o trabalho dos professores, facilitando o processo de ensino nas escolas. Assim, a educação em casa e na escola são partes indispensáveis e complementares.
Há ainda outros problemas importantes que afetam este setor e que exigem atenção urgente, começando pelas infraestruturas. Para garantir uma educação de qualidade, é essencial assegurar condições básicas, como a existência de carteiras adequadas para os estudantes. As turmas não devem estar sobrelotadas, pois isso prejudica a concentração dos alunos e a eficácia do ensino. Além disso, é crucial que as escolas se adaptem às novas tecnologias e que os professores atualizem os seus métodos pedagógicos, acompanhando a modernidade do mundo atual.
Outro ponto crítico é o currículo escolar. Embora o currículo seja redigido em português, muitas vezes o ensino é feito em tétum. Ensinar em tétum não é, em si, um problema, mas é necessário que se utilize o tétum desenvolvido pelo Instituto Nacional de Linguística (INL). Isto é particularmente importante porque muitos alunos que chegam à universidade demonstram dificuldades não só em português, mas também em tétum.
O setor da educação também deve estar protegido da interferência política. A politização compromete a qualidade do ensino e impede o seu desenvolvimento. A educação deve ser um espaço livre de influências partidárias, para garantir um futuro sustentável. Atualmente, a qualidade da educação permanece invisível em muitos aspetos, porque os diretores escolares são frequentemente nomeados por partidos políticos, sem qualquer avaliação baseada no mérito. Se esta prática continuar, a situação permanecerá inalterada.
Por fim, os estudantes devem ser incentivados a aprender por conta própria e não depender exclusivamente dos professores, que estão disponíveis apenas durante as aulas. É necessário que os estudantes aproveitem o tempo fora da sala de aula para estudar de forma autónoma, através da leitura e da participação em formações. Só assim será possível formar cidadãos críticos, capazes de contribuir para o desenvolvimento da nação.”
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Digamos que tudo melhorara na educacao, quando os governantes tiverem mais “EDUCACAO”. Eles sao as balas da educacao. Nos ultimos 24 anos so temos tido “balas de borracha”. Elas nao “matam” a verdadeira educacao. Tem sido apenas “supositorios” que tambem nao tem curado as doencas na saude.
Digamos que tudo melhorara na educacao, quando os governantes tiverem mais “EDUCACAO”. Eles sao as balas da educacao. Nos ultimos 24 anos so temos tido “balas de borracha”. Elas nao “matam” a verdadeira educacao.
Tem sido apenas “supositorios” que tambem nao tem curado as doencas na saude.