Timor-Leste alcançou progressos no Índice de Perceção da Corrupção, subindo sete posições, mas continua a enfrentar desafios significativos, como desvios milionários e interferência política. Especialistas destacam a necessidade de reforçar a independência das instituições e a transparência para combater eficazmente este flagelo.
A 27 de março de 2009, Timor-Leste aderiu à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), o principal instrumento jurídico universal e vinculativo de combate à corrupção, criado em 2003. De acordo com o relatório do Índice de Perceção da Corrupção (IPC), 190 países comprometeram-se a combater a corrupção. No entanto, passadas duas décadas desde a adoção da UNCAC, “mais de 80% da população mundial reside em países cujos resultados no IPC são inferiores à média global de 43″.
Timor-Leste enfrenta desafios persistentes no combate à corrupção, uma problemática que afeta diretamente a confiança nas instituições públicas e o desenvolvimento do país. Embora o país tenha registado melhorias no Índice de Perceção da Corrupção (IPC) de 2023, subindo sete posições e alcançando o 70.º lugar entre 180 países avaliados, o cenário interno mostra que ainda há muito por fazer.
O índice, elaborado pela Transparência Internacional, avalia a perceção de corrupção no setor público, numa escala de 0 (altamente corrupto) a 100 (muito transparente). Timor-Leste obteve uma pontuação de 43 pontos, acima do ano anterior, mas ainda abaixo do desejado para garantir a plena confiança na administração pública.
No Sudeste Asiático, apenas Singapura e a Malásia apresentam melhores posições no combate à corrupção, ocupando o 5.º e o 57.º lugares, respetivamente. Por outro lado, o Camboja, na 158.ª posição, e Myanmar, na 163.ª, são os países da região com os piores desempenhos nesta matéria.
No contexto dos países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), Timor-Leste ocupa o quarto lugar, ficando atrás de Cabo Verde, que obteve 64 pontos, Portugal, com 61 pontos, e São Tomé e Príncipe, com 45 pontos. A maioria dos países de língua portuguesa apresenta democracias consideradas imperfeitas e, em três desses países, as pontuações foram inferiores à média dos países com regimes não-democráticos, revelando fragilidades no combate à corrupção e na governação.
Entre 2016 e 2022, cerca de 25 milhões de dólares americanos de recursos públicos foram desviados em Timor-Leste, de acordo com dados da Comissão Anticorrupção (CAC). Este valor refere-se apenas a processos cujas investigações foram concluídas e encaminhadas para o Ministério Público (MP), o que indica que o prejuízo real pode ser ainda maior, já que os valores de casos em investigação não foram contabilizados.
Esta segunda-feira, 9 de dezembro, assinalou-se o Dia Mundial da Anticorrupção, uma data que visa destacar a importância da transparência e da luta contra práticas corruptas. Em Timor-Leste, a Comissão Anticorrupção (CAC) organizou um seminário subordinado ao tema ” “Compromisso do Estado na luta contra a corrupção para a prosperidade do povo”.
No evento, que decorreu no Salão do Ministério das Finanças, foram debatidos o papel do Estado, da academia e da juventude na prevenção e combate à corrupção.
Sistema fragilizado e influência política
A influência política no sistema judicial e nos órgãos de combate à corrupção é apontada como um dos principais entraves à luta contra este flagelo. Entidades como a Comissão Anticorrupção (CAC), a Procuradoria-Geral da República e o Tribunal de Recurso têm enfrentado críticas pela alegada politização das suas ações.
O próprio Presidente da República, José Ramos-Horta, apontou a fragilidade do poder judicial, destacando a falta de quadros qualificados e a presença de “poderes ocultos” que afetam o trabalho de procuradores e juízes.
Horta foi crítico ao mencionar que o Procurador-Geral da República e o Tribunal de Recurso revelam sinais de inclinação partidária, o que compromete a imparcialidade e a independência dos seus membros. “Quem pode afirmar que a Procuradoria-Geral da República, a CAC, a Polícia Científica de Investigação Criminal (PCIC), a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e os tribunais de Díli, Baucau, Suai e outros municípios não têm inclinação para o poder político?”, questionou o Presidente, durante o seminário.
De acordo com Ramos-Horta, a luta contra a corrupção é árdua, especialmente quando os principais órgãos de justiça e investigação estão influenciados por interesses políticos. Destacou a necessidade de as instituições reforçarem a sua integridade, honestidade e imparcialidade para que possam exercer as suas funções de forma transparente.
Marta da Silva, pesquisadora da La’o Hamutuk para os assuntos da boa governação e direitos humanos, em entrevista ao Diligente, também alertou para as possíveis interferências em instituições de investigação. “Muitos casos de corrupção são organizados. A lei defende que o dono de um processo em tribunal é o Ministério Público. Se houver uma intervenção política nesta instituição, pode ser que determinado caso não avance”, argumentou. Neste contexto, sublinhou que a falta de transparência no processo de Justiça contribui para a corrupção.
A pesquisadora observou ainda que os projetos mal cumpridos, em termos de qualidade e tempo de finalização, “devem ser investigados, pois trata-se de uso indevido dos recursos públicos”. Por fim, Marta da Silva enfatizou que os casos de corrupção se agravam na altura das campanhas eleitorais, uma vez que muitos empresários financiam os partidos para garantir que, se determinado partido ganhar, possam ser retribuídos com iniciativas públicas.
Ações da Comissão Anticorrupção (CAC)
A Comissão Anticorrupção (CAC), liderada pelo Comissário Rui Pereira dos Santos, tem procurado reforçar as suas ações de combate e prevenção à corrupção. Desde que assumiu o cargo, o Comissário informou que a CAC registou 16 casos de corrupção, que ainda se encontram em fase de investigação. Destes, dois processos estão em fase final para serem submetidos novamente à Procuradoria-Geral da República para decisão e prosseguimento do processo.
No entanto, a CAC foi criticada por se recusar a divulgar detalhes dos casos em investigação, alegando segredo de justiça. “Acredito que esses casos estão em investigação, por isso não posso comentar sobre casos A ou B. O processo está em andamento para recolher provas no terreno e, por essa razão, não posso comentar”, justificou Rui Pereira dos Santos.
Ainda assim, a CAC tem promovido medidas preventivas e educativas. Durante a celebração do Dia Mundial Anticorrupção, a Comissão anunciou a realização de visitas surpresa a instituições públicas para colocar autocolantes de sensibilização e reforçar a importância de os funcionários públicos não aceitarem nem darem dinheiro durante o atendimento ao público.
A CAC informou ainda que já apresentou um relatório de medidas de prevenção à corrupção à United Nations Convention Against Corruption (UNCAC). Segundo o Comissário, o relatório será avaliado em 2025 por delegações das Ilhas Marshall e da Bulgária, no âmbito do sistema de revisão por pares da UNCAC.
Para Marta da Silva, a colocação de autocolantes não tem impacto no combate à corrupção, especialmente quando a própria CAC não tem capacidade para monitorizar as despesas do Governo, incluindo as empresas e os institutos públicos. “Eles devem conhecer a alocação e as leis relativas ao Orçamento Geral do Estado (OGE) para os projetos e programas, assegurar que estes sigam o plano com qualidade e que tragam benefícios para o povo”, afirmou a investigadora.
Por outro lado, José Luís Oliveira, diretor executivo da Asia Justice and Rights (AJAR), criticou a falta de compromisso das autoridades timorenses no combate à corrupção. Na sua perspetiva, a colocação de autocolantes pode ajudar na prevenção, mas a sua eficácia é discutível. “No que toca ao combate, não há um efeito significativo, porque a CAC foi criada pelo Estado não para combater a corrupção, mas apenas ‘para inglês ver’”, destacou.
Oliveira acrescentou que, aquando da criação da Lei da CAC, o Parlamento Nacional não atribuiu plenas competências à comissão, o que tornou o trabalho de combate à corrupção ineficaz. “Por exemplo, no que diz respeito à monitorização dos bens patrimoniais dos líderes, o processo não está inteiramente nas mãos da CAC, sendo partilhado com o Tribunal de Recurso”, explicou.
O papel da sociedade civil no combate à corrupção
O envolvimento da sociedade civil no combate à corrupção é apontado como essencial para garantir transparência e responsabilização. A La’o Hamutuk, enquanto entidade que advoga junto do Governo e do Parlamento Nacional para assegurar a transparência e a responsabilização, enfrenta desafios no exercício do seu papel.
De acordo com a investigadora da La’o Hamutuk, os ministérios não utilizam os seus sites para publicar informações relacionadas com projetos e programas, nem para divulgar documentos oficiais, como contratos, entre outros. Marta da Silva acrescentou que é necessária uma maior sensibilização por parte da CAC sobre as leis e os procedimentos, de forma a facilitar o combate à corrupção.
Diversos analistas defendem que, sem a participação ativa do público, as ações das entidades de controlo, como a CAC, a Procuradoria-Geral da República e o Tribunal de Recurso, serão insuficientes.
Além de exigir maior independência dos órgãos de justiça, os especialistas alertam para a necessidade de uma reforma profunda do sistema judicial e da promoção da educação cívica, com o objetivo de criar uma cultura de integridade na sociedade. A monitorização de projetos públicos e a fiscalização de contratos assinados entre o Estado e empresas privadas são outras medidas consideradas essenciais para garantir a boa gestão dos fundos públicos.
O académico Armindo Moniz afirmou, no âmbito do seminário, que, apesar de o combate à corrupção ser amplamente discutido, não há um compromisso efetivo para agir. Para o académico, a reforma do sistema judicial é fundamental, pois “a corrupção não é mais um ato convencional e, até hoje, não há uma base legal clara que assegure a sua punição”. Moniz defende ainda que os casos de corrupção em Timor-Leste devem ser tratados como crimes comuns, mas, na prática, os infratores raramente enfrentam penas severas.
Para Moniz, o envolvimento do público é crucial. Ele sublinha que a CAC não pode combater a corrupção sozinha, pois, sendo uma instituição independente, necessita da colaboração da sociedade civil. “A participação do público é essencial para fiscalizar e avaliar as decisões públicas”, afirmou o académico.
Armindo Moniz destacou a importância de envolver os cidadãos no controlo das decisões públicas e defendeu a participação ativa da sociedade na monitorização de obras públicas. “Não se pode permitir que o Estado continue a assinar contratos sem que o público tenha conhecimento e acesso à sua avaliação”, concluiu.
Excelente artigo, parabens a todos.
Logo me veio a cabeca todo o sistema de corrupcao ao longo dos 24 anos de ocupacao ilegal. La nisso aprendeu-se bem, diria mesmo que estamos a ficar melhores que os professores javaneses.
Se ficar tudo melhor e com a colaboracao do povo, justica mais forte, mais transparencia, seriedade, apanharmos os crocodilos etc…, no fim do ano serao indultados como casos previos, pedofilia e demais parafinalia?
A corrupcao e dez vezes pior que o cancro, um polvo com muitos tentaculos. E ate onde nao falta a tinta para esconder o rumo de escondirijo.
Desejo a todos maos a obra e boa caca!
Na giria futebolistica isto e como o jogo de matraquilhos. Temos jogadores de 2 teams completos mas sao inuteis sem a intervencao de “manejadores” que intervem para que o jogo se efective.
Fez-me lembrar um aspecto do nosso clube de futebol nacional onde um conterraneo menciona o facto do mesmo andar a representar o pais mas ser acometido de cabazadas. A ultima salvo erro foi contra a Tailandia, 10-0.
Ate em TL matraquilho sofre!