Timor-Leste: exemplo de liberdade de imprensa enfrenta novos desafios na ASEAN

 Timor-Leste tornou-se o 11.º membro da ASEAN a 26 de outubro de 2025/Foto: DR

Apesar de ser o país mais bem classificado do Sudeste Asiático no Índice Mundial da Liberdade de Imprensa, Timor-Leste enfrenta o desafio de preservar e fortalecer o seu modelo democrático após a adesão plena à ASEAN. A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) alerta para a necessidade de reformas e maior proteção à independência jornalística.

Timor-Leste é o país com melhor classificação no Índice Mundial da Liberdade de Imprensa 2025 entre os membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), apesar de ter registado uma queda significativa nos últimos três anos — do 10.º lugar em 2023 para o 39.º em 2025.

A Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que avalia o nível de liberdade de imprensa em 180 países, considera que Timor-Leste mantém uma liberdade de imprensa “satisfatória”, mas alerta para sinais preocupantes que exigem atenção e reforma.

A RSF avaliou que os jornalistas timorenses são geralmente livres de fazer cobertura e raramente alvo de assédio ou ataque físico, mas são expostos a muitas formas de pressão que limitam a sua liberdade. “Incluem processos legais, intimidação, violência policial e denegrimento público dos meios de comunicação por parte dos políticos.”

A queda de Timor-Leste no ranking é explicada por vários episódios recentes: impedimentos impostos por polícias e membros do Governo à cobertura de eventos por jornalistas; intervenções políticas em redações, como a do secretário de Estado na RTTL; acusação de violação de segredo de justiça na cobertura do caso de testes de virgindade e crescimento da autocensura nas redações.

“A fragilidade económica do setor da comunicação social continua a ser um grande obstáculo à independência jornalística. Sem fontes de receita diversificadas, a maioria dos órgãos de comunicação depende fortemente da publicidade governamental, tornando-os particularmente vulneráveis à pressão política””, alertou a RSF.

O Índice Mundial da Liberdade de Imprensa avalia fatores como segurança, contexto político, quadro jurídico, independência económica e pluralismo mediático, sendo considerado uma das principais referências internacionais nesta área.

Entre os membros da ASEAN, a Tailândia lidera os outros países, estando no 85º lugar, mas, em geral, os 10 membros da ASEAN estão classificados nas categorias ‘difícil’ ou ‘muito difícil’. Na Tailândia, desde 2014, os jornalistas e bloguistas são forçados a escolher entre prisão e exílio voluntário. “Entretanto, a polícia não hesita em usar cassetetes contra jornalistas que cobrem protestos.”

Segue-se a Malásia, em 88.º lugar, onde leis restritivas continuam a limitar a liberdade de expressão e o trabalho dos media. Já no Brunei Darussalam (97.º), a autocensura é uma regra tácita, sobretudo entre jornalistas dos meios de comunicação estatais.

No fundo da lista está o Vietname, em 171.º lugar, onde a repressão é sistemática e a prisão de jornalistas independentes é prática comum sob o controlo do Partido Comunista.

Um pouco acima surge o Myanmar, em 169.º lugar, mas com uma situação ainda mais grave: o país é considerado a segunda maior prisão de jornalistas do mundo, a seguir à China. Desde o golpe militar de 2021, a junta no poder baniu os meios críticos e controla rigidamente os que permanecem ativos. Os jornalistas independentes são obrigados a trabalhar clandestinamente para continuar a informar a população.

A RSF considera que Timor-Leste deve assumir-se como “um modelo de abertura e transparência dentro de uma organização regional onde a liberdade de imprensa é gravemente comprometida”.

“Os países do Sudeste Asiático têm muito a aprender com o modelo timorense de liberdade de imprensa, e a entrada do país na ASEAN representa uma oportunidade histórica para impulsionar uma mudança regional. No entanto, ainda há margem para progressos no ambiente mediático de Timor-Leste, e a RSF coloca à disposição a sua experiência para apoiar o país na adoção de futuras reformas”, afirmou Cédric Alviani, diretor do escritório Ásia-Pacífico da organização.

As palavras da organização ecoam entre as entidades e profissionais de comunicação social em Timor-Leste.

Horácio Babo, presidente da União da Profissão de Jornalista de Timor-Leste (UPJTL) e diretor de Informação da RTTL, sublinhou o reconhecimento internacional do país.

“Outros países referem-se a Timor-Leste como um exemplo de um Estado jovem e pós-conflito, mas democrático e com uma imprensa livre — ao contrário do que se passa em Myanmar ou na Indonésia, onde a intervenção política e económica nos media é muito forte. Em Timor-Leste isso é pouco visível”, afirmou.

Também o presidente do Conselho de Imprensa (CI), António César Mali, destacou que, nos encontros internacionais, a Lei de Comunicação Social timorense tem sido amplamente elogiada por garantir condições de trabalho livres e seguras aos jornalistas.

“Muitos dos nossos homólogos referem que não têm leis como a nossa. Por isso, a liberdade de imprensa é um valor essencial que Timor-Leste levará consigo para a ASEAN, agora como membro de pleno direito”, afirmou.

Para Zevónia Vieira, presidente da Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), o país mantém uma posição de destaque no Sudeste Asiático, especialmente quando comparado com o Myanmar, a Indonésia, o Camboja e a Tailândia, onde o exercício do jornalismo continua associado a ameaças e riscos para jornalistas e defensores dos direitos humanos.

“Quando temos oportunidade de dialogar com associações de jornalistas da Indonésia, Malásia, Camboja ou Myanmar, percebemos que olham para Timor-Leste como um modelo de onde querem aprender sobre democracia, direitos humanos e liberdade de imprensa e de expressão”, afirmou.

A dirigente revelou ainda que a RSF recomendou ao Estado timorense, e em particular ao Presidente da República, José Ramos-Horta, que assegure a continuidade do compromisso democrático do país e evite retrocessos no setor da comunicação social — tanto no espaço público como no digital.

“Agora que entrámos na ASEAN, a RSF já deixou o alerta: antes mesmo de sermos membros, já tínhamos descido no índice da liberdade de imprensa, sobretudo porque o Governo não tem dado espaço suficiente aos jornalistas para fazerem a sua cobertura, inclusive em locais públicos. A advertência é clara — se quisermos ser um exemplo, não podemos seguir o mesmo caminho que outros países da região”, sublinhou Zevónia Vieira.

Recomendações da RSF para fortalecer o jornalismo timorense

A RSF apelou ao Estado timorense para reformar o artigo 285.º do Código Penal, de modo a impedir o seu uso indevido contra jornalistas. A organização defende ainda a adoção de legislação ou de mecanismos processuais específicos que permitam rejeitar, de forma antecipada, ações judiciais estratégicas contra a participação pública (Strategic Lawsuits Against Public Participation – SLAPP), frequentemente utilizadas para intimidar profissionais da comunicação social.

A organização recomendou igualmente que seja incluída na Lei da Comunicação Social uma proibição explícita de interferência política na nomeação de dirigentes, nas linhas editoriais e nas decisões de programação — uma prática que, segundo a organização, ainda se verifica, nomeadamente na agência noticiosa estatal Tatoli.

Defende também a criação de um modelo de financiamento público estável e adequado, que garanta a autonomia editorial e estabeleça um mecanismo de governação independente para os meios de comunicação públicos, baseado na competência e no mérito.

“É essencial reforçar a viabilidade e a credibilidade do setor dos meios de comunicação social, introduzindo incentivos económicos transparentes e justos para os órgãos que cumpram normas profissionais e éticas — como as da Journalism Trust Initiative (JTI) —, promovendo a formação contínua dos jornalistas e incentivando a diversificação das fontes de receita, de forma a assegurar a autonomia do setor”, sublinha a RSF.

Por fim, a organização propôs a criação de um comité independente com a missão de partilhar boas práticas, elaborar recomendações sobre a regulamentação dos media e a liberdade de imprensa, e documentar e alertar para violações dessa liberdade entre os Estados-Membros da ASEAN.

Liberdade de imprensa em Timor-Leste: exemplo, desafios e compromissos

Perante estas recomendações, jornalistas e entidades de Timor-Leste reforçam o compromisso de continuar a defender a liberdade de imprensa como um pilar da democracia.

Horácio Babo considera que o facto de as associações de jornalistas e o Conselho de Imprensa trabalharem em conjunto para assegurar a liberdade de imprensa e evitar interferências políticas e económicas é motivo de orgulho. Para o presidente da UPJTL, garantir a liberdade de imprensa envolve diversos aspetos, não apenas o trabalho jornalístico, mas também a criação de leis adequadas, a capacitação dos profissionais, e a divulgação da legislação junto dos poderes políticos e económicos.

“Todas as entidades — o Governo, o Estado, os media, os jornalistas e as forças de segurança — têm a responsabilidade de, em conjunto, melhorar o índice de liberdade de imprensa”, frisou.

António Mali, presidente do Conselho de Imprensa, partilha a mesma visão e vê a adesão de Timor-Leste à ASEAN como um motivo de orgulho e de responsabilidade. “A posição de Timor-Leste no ranking é uma contribuição do valor democrático à ASEAN, mostrando que um país pequeno pode ser exemplo de liberdade de imprensa e de expressão”, afirmou.

O responsável recordou ainda que Timor-Leste foi um dos fundadores da Rede de Conselhos de Imprensa do Sudeste Asiático (SEAPC-NET), criada em Banguecoque, em setembro de 2009, juntamente com a Tailândia, Indonésia, Myanmar e Camboja. A rede tem como objetivo reforçar a cooperação entre conselhos de imprensa da região e promover a liberdade de imprensa através da autorregulação e do respeito pelo código de ética jornalística.

“Com a nossa adesão à ASEAN, esperamos que mais países integrem esta rede, que visa promover o profissionalismo através de seminários, formações e estágios. Assim, poderemos implementar as atividades de forma mais eficaz”, sublinhou.

Apesar dos avanços e do reconhecimento, as limitações à liberdade de imprensa em Timor-Leste continuam a ser sentidas pelos jornalistas. Cesaltina de Carvalho destacou que “os jornalistas podem falar livremente, mas há pressão política, falta de recursos adequados e de proteção aos profissionais”. A jornalista apontou também a falta de equipamentos, sobretudo nas áreas rurais, como um dos principais desafios para garantir reportagens de qualidade.

Ainda assim, Cesaltina vê a entrada de Timor-Leste na ASEAN como uma oportunidade para os jornalistas terem acesso a informações regionais, formações e colaborações com colegas dos países-membros. “É importante desenvolvermo-nos e tornarmo-nos profissionais em várias áreas, nomeadamente no jornalismo digital, na escrita de reportagens de economia e diplomacia, na verificação de factos e na análise da situação regional”, afirmou.

“Os jornalistas têm o papel de narrar Timor-Leste ao mundo, dando uma boa imagem da nação. A ASEAN é uma plataforma para a aprendizagem, a colaboração e a ampliação da voz do povo timorense na região”, acrescentou.

Horácio Babo defende igualmente que os media timorenses podem aprender com os dos países vizinhos, como Singapura, Malásia e Indonésia, sobretudo na adaptação às novas tecnologias.

Já a presidente da AJTL, Zevónia Vieira, vê a entrada do país na ASEAN como uma oportunidade para reforçar a rede de jornalistas do Sudeste Asiático e promover, de forma conjunta, a liberdade de imprensa e de expressão na região. Zevónia incentiva os jornalistas a investirem na sua capacitação, lembrando que “a competição agora é com jornalistas regionais que têm um nível de jornalismo muito elevado”.

“Temos um jornalismo ainda pobre. Precisamos de artigos mais aprofundados e investigativos, com mais análises e perspetivas de direitos humanos, reforçando o trabalho independente e crítico”, apelou.

A líder da AJTL incentivou também os profissionais a serem mais ativos e participativos na cobertura dos assuntos da ASEAN, nos seus diversos pilares — político, de segurança, sociocultural e económico.

“Nos roteiros para a entrada na ASEAN, Timor-Leste tem mais dificuldades no cumprimento dos requisitos do pilar económico, e é por isso que a ASEAN continua a conceder-nos mais tempo. Como jornalistas profissionais, devemos procurar compreender essas questões e explicá-las ao público”, sugeriu.

Zevónia apelou ainda ao Governo para apoiar e envolver todos os jornalistas, sem discriminação, nomeadamente na participação em eventos que representam oportunidades de acesso a informação credível e de qualidade, em conformidade com o código deontológico.

Sublinhando que o jornalismo é o quarto pilar de uma democracia e a ponte entre o povo e o Estado para expressar preocupações e soluções, Zevónia Vieira considera essencial que os governantes compreendam a importância da liberdade de imprensa, da Lei de Comunicação Social e dos artigos 40.º e 41.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, que garantem a liberdade de expressão e de imprensa.

“Recomendo ao Estado que continue a manter o nosso índice, para que outros possam aprender connosco — um novo membro da ASEAN e uma nação jovem”, concluiu.

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