Violência no namoro: quando o amor se transforma em controlo e abuso

"Pequenos gestos, como verificar o telefone do parceiro, podem ser sinais de controlo e violência no namoro, e não devem ser tolerados” / Foto: DR

A violência no namoro é um problema silencioso que afeta muitos jovens em Timor-Leste, manifestando-se em controlo, ciúmes e agressões. Apesar do impacto profundo nas vítimas, o estigma e o apego emocional dificultam a denúncia.

A violência no namoro é um problema silencioso que afeta muitos jovens, incluindo em Timor-Leste, onde se tem tornado uma preocupação crescente, especialmente entre os mais novos. Este tipo de violência pode manifestar-se de várias formas — física, emocional, psicológica ou sexual — e muitas vezes começa com sinais subtis de controlo e manipulação, evoluindo para comportamentos mais graves e agressivos.

Dados recentes sublinham a gravidade da situação: cerca de 50% dos casos criminais apresentados aos tribunais em Timor-Leste estão relacionados com violência doméstica, enquanto 53% da população considera justificável que um homem agrida a sua companheira íntima, segundo um relatório realizado de 01 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2023, da Iniciativa Spotlight da União Europeia e da Organização das Nações Unidas em Timor-Leste para eliminar a violência contra as mulheres e as raparigas. O mesmo documento dá conta que, no país, 11.126 mulheres e raparigas, incluindo aquelas que enfrentam múltiplas formas de discriminação, relataram experiências de violência física ou sexual e procuraram ajuda.

Estes números são alarmantes, especialmente quando a maioria das vítimas nunca denuncia os abusos devido ao estigma e à falta de apoio adequado.

A violência no namoro não é um fenómeno isolado, mas sim uma parte da violência baseada no género (VBG), que tem raízes profundas na desigualdade de género e em normas sociais prejudiciais. Embora mulheres e raparigas sejam desproporcionalmente afetadas, homens, rapazes e pessoas LGBTQIA+ também podem ser vítimas, destacando a necessidade de abordar esta problemática de forma abrangente.

Organizações de direitos humanos e instituições educativas têm trabalhado para prevenir este tipo de violência, promovendo relações saudáveis e baseadas no respeito mútuo. Contudo, a mudança requer esforços conjuntos de escolas, famílias, comunidades e autoridades para reforçar a aplicação das leis e criar um ambiente mais seguro e igualitário para todos.

Neste contexto, fomos às ruas para saber o que as pessoas pensam sobre a violência no namoro: Como identificam sinais de abuso? O que acreditam ser necessário para prevenir este problema? E que papel a sociedade deve desempenhar para promover relações saudáveis?

“As entidades competentes devem divulgar informação junto dos jovens sobre este problema, pois situações como estas têm impacto a longo prazo”

Pedro Gomes (22), estudante da UNTL/ Foto: Diligente

“A violência no namoro surge quando não existe confiança mútua, o que pode gerar desconfiança e levar à restrição da liberdade de ambos. Quando isso acontece, surgem discussões intensas, nas quais podem surgir palavrões, insultos e, em casos mais graves, agressões físicas. Infelizmente, este tipo de comportamento é muito comum no nosso país, onde a violência nas relações acontece frequentemente e, por vezes, é encarada como algo normal. Contudo, estas situações não devem ser ignoradas, pois afetam profundamente os envolvidos.

Na minha opinião, há pessoas que sabem que a sua relação tóxica, mas o apego emocional torna difícil a separação, mesmo que os problemas enfrentados tenham impacto na saúde psicológica, podendo causar doenças, ferimentos e, em alguns casos, levar ao abandono dos estudos. Para aqueles que enfrentam este tipo de situação, sugiro que, ao iniciar uma relação mantenham o foco na sua educação, como forma de garantir um futuro melhor. Este tipo de problema é particularmente comum entre os estudantes que se deslocam dos municípios para estudar em Díli.

As entidades competentes devem divulgar informação junto dos jovens sobre este problema, pois situações como estas têm impacto a longo prazo. Quanto a mim e à minha parceira, temos uma relação harmoniosa e apoiamo-nos muito. Trabalhamos juntos em pequenos negócios, como a venda de brinquedos, ramos de flores e espetadas. Sabemos que o dinheiro é importante e, através desta colaboração, conseguimos prevenir e evitar a violência na nossa relação.”

Pequenos gestos, como verificar o telefone do parceiro, podem ser sinais de controlo e violência no namoro, e não devem ser tolerados”

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Justina Martins Tilman (21), estudante da UNITAL/ Foto: Diligente

“Namorar não é algo negativo, mas é fundamental que exista apoio e compreensão mútua para prevenir situações de violência. A violência no namoro manifesta-se quando um dos parceiros tenta proibir o outro de passear ou realizar atividades livremente, quando não há respeito pela liberdade, surgem palavras ofensivas e, no pior dos casos, agressões físicas. Por vezes, o problema surge de forma inesperada. Já presenciei uma situação em que um rapaz deixou a namorada e saiu sozinho. Nessa ocasião, conversei com ele, explicando que os conflitos devem ser resolvidos de forma pacífica, sem recurso à violência, pois nunca se sabe as consequências que isso pode trazer, especialmente quando estamos sozinhos.

Recordo-me também de um episódio na escola em que um colega e a namorada se envolveram numa discussão que acabou por causar sérios problemas na turma. Estas situações não deveriam acontecer. Um homem, ou qualquer pessoa, não deve comportar-se assim. Quando surgem conflitos, é necessário resolvê-los de maneira apropriada, sem reincidir no erro. Afinal, todos temos mães, irmãs ou pessoas queridas, e ninguém gostaria de vê-las tratadas com violência. Este tipo de comportamento é inaceitável e deve ser evitado.

Por isso, é crucial encontrar um parceiro atencioso e sensato. Pequenos gestos, como verificar o telefone do parceiro, podem ser sinais de controlo e violência no namoro, e não devem ser tolerados. Ainda mais preocupante é quando alguém permanece numa relação tóxica, mesmo sabendo que esta não é saudável, muitas vezes por razões difíceis de compreender. A educação desempenha um papel essencial na sensibilização e na formação dos jovens. É necessário reforçar estas temáticas nas escolas para ajudar a prevenir a repetição de comportamentos abusivos. Caso contrário, o número de casos de violência no namoro em Timor poderá continuar a aumentar. Mais grave ainda é o facto de muitos destes casos nunca chegarem às autoridades, ficando fora do alcance da polícia ou dos tribunais. Muitas vítimas nem sequer se apercebem de que estão a viver situações de violência”.

Muitas vítimas de violência no namoro permanecem em silêncio, e poucas têm coragem de denunciar os abusos do parceiro”

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Ferdinan Julio Duarte Quintão (20), jovem de Luru-Mata / Foto: Diligente

“O contexto dos relacionamentos hoje em dia é muito mais livre. Muitas vezes, os namorados acabam por partilhar mais intimidade do que casais casados. Contudo, há casos em que alguns homens iniciam relações apenas para tirar proveito, e, quando conseguem o que querem, abandonam a companheira. Quando não conseguem, recorrem ao controlo, interferindo em todos os aspetos da vida da parceira, seja de forma subtil ou evidente. Esse comportamento resulta em relações marcadas por ameaças, agressões e manipulação. Apesar disso, muitos parceiros têm dificuldade em terminar a relação, pois o tempo vivido juntos traz dor e torna difícil romper o vínculo. Contudo, isso não pode acontecer. Uma relação deve basear-se no amor, no apoio mútuo e em experiências positivas.

Namorar pode ser muito bom, desde que a relação seja saudável. É natural que surjam problemas, mas é essencial lidar com eles de forma construtiva e sem recorrer à violência. Quando enfrento situações difíceis e fico nervoso, procuro manter a calma e resolver os conflitos de forma pacífica.

As entidades responsáveis pelo combate à violência devem continuar a intensificar os esforços de sensibilização, disseminando informações para reduzir a violência contra mulheres e crianças. Muitas vítimas de violência no namoro permanecem em silêncio, e poucas têm coragem de denunciar os abusos do parceiro. Neste contexto, a família desempenha um papel fundamental. É crucial que os pais acompanhem de perto os relacionamentos dos seus filhos, orientando-os na escolha de parceiros adequados e ajudando-os a evitar arrependimentos no futuro”.

Ameaças, sejam pequenas ou grandes, são já sinais de violência. Embora algumas pessoas encarem estas situações como normais, a verdade é que não o são. Estas atitudes podem evoluir para comportamentos ainda mais prejudiciais no futuro”

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Madalena Pinto da Cruz (24), estudante da UNDIL/Foto: Diligente

“A violência no namoro caracteriza-se por relações que não são saudáveis entre homem e mulher. Exemplos incluem agressões físicas, olhares intimidadores, ameaças, desconfiança e pequenos atos de controlo, como a obsessão em verificar o telefone do parceiro. Em situações mais graves, pode chegar ao extremo de seguir e monitorizar a localização da outra pessoa 24 horas por dia. Este fenómeno é comum em Timor-Leste e, em alguns casos mais graves, há casais que, apesar de terem filhos, evitam assumir as suas responsabilidades parentais, acabando por os abandonar. Este abandono tem um impacto profundo na saúde mental das crianças, especialmente naquelas que crescem sem a presença e o apoio de uma figura paterna durante o seu desenvolvimento.

Ameaças, sejam pequenas ou grandes, são já sinais de violência. Embora algumas pessoas encarem estas situações como normais, a verdade é que não o são. Estas atitudes podem evoluir para comportamentos ainda mais prejudiciais no futuro.

Para além do amor e da duração da relação, as promessas também contribuem para manter as pessoas presas a relações tóxicas. Por exemplo, quando um homem agride uma mulher, é comum que, após o ato, prometa nunca mais repetir a violência, justificando o comportamento com declarações de amor. A mulher, acreditando nas promessas, decide continuar a relação. Contudo, o ciclo repete-se: a violência volta a ocorrer, seguida de novas promessas, perpetuando a situação.

A educação desempenha um papel essencial na formação e consciencialização sobre a violência, especialmente para prevenir a violência no namoro em Timor-Leste. É igualmente crucial reforçar a aplicação das leis relacionadas com a Lei contra a Violência Doméstica e a proteção das crianças. Estas leis permitem que os jovens tenham acesso a informações fundamentais para prevenir situações de violência, bem como para adotar estratégias eficazes para lidar com este tipo de problemas. Além disso, a educação contribui para a redução e, eventualmente, a eliminação da violência, cujo número continua a aumentar no nosso país”.

“A chave para reduzir a violência no namoro está na educação contínua e na promoção de relações saudáveis, onde o respeito mútuo e o apoio emocional sejam pilares fundamentais”

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Noélia dos Santos Andrade (18), jovem de Comoro/Foto:Diligente

“A violência no namoro ocorre quando, nas relações, a desconfiança e os ciúmes ganham protagonismo, levando a ameaças, agressões físicas ou verbais e insultos mútuos. Em circunstâncias normais, qualquer pessoa que enfrente tais comportamentos deveria refletir e pôr fim à relação, pois nenhuma ligação justifica a perda de respeito ou a violência. Não existe qualquer direito de controlar, agredir ou manipular outra pessoa.

Apesar disso, muitas pessoas continuam em relações tóxicas. Por vezes, famílias e amigos tentam alertar, mas os avisos não são ouvidos, e a pessoa acaba por preferir ficar com o parceiro abusivo, mesmo quando as suas atitudes são prejudiciais. Esta escolha é difícil de compreender, mas reflete a complexidade emocional destas situações.

É também importante reconhecer que a violência não é exclusiva dos homens. Existem igualmente casos em que mulheres iniciam conflitos, alimentam desconfianças ou provocam ciúmes, contribuindo para um ambiente de tensão que pode resultar em comportamentos violentos.

Para combater este problema, é fundamental apostar na educação. É necessário ensinar, desde cedo, o valor de relações saudáveis, baseadas no respeito mútuo e na gestão emocional. Através de campanhas educativas em escolas e comunidades, é possível prevenir comportamentos tóxicos e promover relações alicerçadas no diálogo, na compreensão e na igualdade. A educação é uma ferramenta essencial para reduzir a violência e construir um futuro mais justo e harmonioso.

A violência no namoro é um problema grave que afeta muitas pessoas, sobretudo jovens, podendo ter consequências profundas e duradouras para todos os envolvidos. Relações marcadas pela desconfiança, pelos ciúmes e pelo controlo resultam frequentemente em comportamentos abusivos, como ameaças, agressões físicas e psicológicas e manipulação. Embora muitas pessoas reconheçam que as suas relações são insalubres, o apego emocional e a dificuldade em terminar o relacionamento tornam a decisão ainda mais desafiante.

A educação desempenha um papel crucial na prevenção e no combate à violência no namoro. Ensinar os jovens sobre relações baseadas no respeito, na compreensão e na igualdade ajuda-os a identificar comportamentos tóxicos e a tomar decisões mais saudáveis. Paralelamente, é importante que as famílias acompanhem os relacionamentos dos filhos e que se reforcem as leis contra a violência, promovendo ambientes seguros e respeitosos.

Em última análise, a chave para reduzir a violência no namoro está na educação contínua e na promoção de relações saudáveis, onde o respeito mútuo e o apoio emocional sejam pilares fundamentais. A colaboração entre escolas, comunidades e entidades governamentais é indispensável para criar um futuro mais seguro e harmonioso para as próximas gerações.

Ver os comentários para o artigo

  1. Ai Amor a quanto obrigas.
    Logo nos primeiros meses de namoro ha sinais de “alarme” que indicam o caracter dos Romeus e Julietas. Ambas as partes podem ser violentas. A educacao e crucial em todas as facetas da vida.
    Nunca deixem chegar ao ponto de:
    “Amor, quanto mais me bates mais eu gosto de ti”.
    O amor pode ser bom mas tambem pode ser extremamente complicado e era bom que se levasse a mecadoria(amor), de volta e ” have your money back).
    Os mais velhos, incluindo politicos e governantes tambem nao dao grande exemplo.

    Ze Namorado
    Professor Doutor do Amor

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