Após uma operação violenta da SEATOU em Díli, que resultou em ferimentos graves num vendedor, a sociedade civil e líderes nacionais condenam a brutalidade contra os comerciantes. Vídeos do incidente circulam nas redes sociais, intensificando a indignação pública e a pressão por justiça e responsabilização.
No dia 23 de outubro, o vendedor ambulante Zeca Barreto, de 37 anos, foi violentamente agredido por membros da equipa da Secretaria de Estado da Toponímia e Organização Urbana (SEATOU) e do Serviço Municipal de Gestão de Mercado de Díli (GMD) durante uma operação para remover vendedores das bermas das estradas em Kampu Baru, Comoro, Díli. Alegadamente, a intervenção incluiu disparos de arma de fogo por parte de um agente da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), atingindo Zeca Barreto e deixando-o com ferimentos graves no braço esquerdo.
O incidente ocorreu enquanto Zeca realizava as suas atividades comerciais e provocou uma forte reação pública, com apelos à responsabilização e à proteção dos vendedores ambulantes.
Segundo Zeca, a equipa da SEATOU, acompanhada pelo GMD e pela PNTL, chegou ao local por volta das 18h e, sem qualquer aviso, começou a confiscar os bens dos vendedores. Ao tentar proteger o seu carrinho de vendas, Zeca foi atacado violentamente, sofrendo ferimentos no braço esquerdo – aparentemente devido a um disparo – e noutras partes do corpo. Com várias lesões graves, foi transportado para o Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), onde permanece em observação.
“Estávamos a trabalhar, e, de repente, começaram a destruir os nossos carrinhos. Quando tentei impedir, fui atacado. Perdi quase tudo, desde os produtos até ao dinheiro”, relatou Zeca Barreto, referindo-se a 170 dólares que possuía e a produtos como vegetais, destruídos durante a ação.
Zeca Barreto afirmou que irá avançar com um processo judicial, defendendo que todos os cidadãos são protegidos pela lei e que a justiça deve prevalecer. “Temos de processar, pois a lei protege-nos e vai determinar quem está certo”, concluiu.
Viralização nas redes sociais e indignação pública
Um vídeo de 16 segundos, capturado por um cidadão, mostrou o confronto em frente a uma loja, onde um homem de cabelo branco tenta conter um vendedor que pegava num pau para agredir um funcionário da SEATOU. O ataque é evitado quando o funcionário, que usava máscara, se esquiva. Na sequência, um outro homem, com camisa preta e máscara, pega noutro pau e corre para agredir o vendedor, mas é impedido por uma mulher, que intervém na disputa.
A situação escalou, com a equipa da SEATOU e outros funcionários a derrubarem um comerciante que acabou caído na estrada. Cerca de sete pessoas continuaram a agredi-lo enquanto ele se encontrava no chão. O cidadão que filmava o incidente gritava “bateu… bateu” até que uma funcionária da SEATOU perguntou “és jornalista?”, ao que o cidadão respondeu negativamente, interrompendo a gravação.
O vídeo mostrou ainda os produtos dos vendedores, como vegetais, espalhados e pisados na estrada. Cadeiras, mesas e carrinhos dos comerciantes foram totalmente destruídos, intensificando a indignação popular e a reação das redes sociais.
Sociedade civil e organizações condenam violência
O movimento Povu Aileba (Vendedores Ambulantes), representado por José Martins “Teki Liras”, expressou forte condenação pela violência exercida pela equipa da SEATOU. “Foi sob as ordens da SEATOU que esta brutalidade foi cometida. Exigimos que o governo seja responsabilizado pelo ataque e pela destruição dos bens dos vendedores”, afirmou Martins numa conferência de imprensa em Bidau Toko Baru, pedindo apoio e segurança para os comerciantes.
A AJAR (Asia Justice and Rights), através do seu diretor Inocêncio Xavier, criticou a PNTL pela sua incapacidade de prevenir o confronto e apelou a uma investigação rigorosa para apurar responsabilidades. Inocêncio Xavier descreveu o ato como “vandalismo institucional” e defendeu a necessidade de políticas mais humanas e bem planeadas para regulamentar o trabalho dos vendedores ambulantes.
“Estas ações brutais mostram a falta de organização da SEATOU e da GMD. O governo deve assegurar que os vendedores tenham locais adequados para exercer as suas atividades antes de forçar qualquer remoção,” declarou Xavier, apontando para a necessidade de alternativas que protejam o sustento destes trabalhadores.
Reação das autoridades
O Diretor-Geral de Gestão de Mercado e Turismo Municipal de Díli, Artur Henriques, rejeitou as acusações de envolvimento da sua equipa na operação de Kampu Baru, afirmando que o GMD não estava a operar no local devido à falta de veículos operacionais. “Há um mês que não estamos a atuar em Kampu Baru. Se observarem, não há ninguém com os atributos da Gestão de Mercado presente no local,” explicou Henriques, afirmando que apenas a equipa da SEATOU e a equipa operacional de higiene participaram na operação.
Henriques reforçou que, em operações conjuntas, a sua equipa orienta os membros a estabelecerem comunicação com os comerciantes e a seguirem as regras de forma adequada. No entanto, frisou que a Gestão de Mercado e Turismo Municipal de Díli não esteve envolvida no incidente em Kampu Baru.
Quanto à suspeita de que um membro da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), que acompanhava a equipa da SEATOU em Kampu Baru, terá disparado contra o vendedor Zeca Borges Barreto, o Comandante do Comando de Operações da Polícia Nacional de Timor-Leste, Superintendente-Chefe José Soares, afirmou que, até ao momento, o Comando da PNTL não recebeu nenhum relatório ou informação sobre o caso.
“Quando algo assim ocorre, deve ser comunicado ao Comando. Até este momento, ainda não recebi informações nem relatórios sobre o caso”, frisou. O Superintendente-Chefe declarou que, caso isso tenha realmente ocorrido, é contra a lei, “pois vivemos num Estado Democrático de Direito, e todas as ações devem ser realizadas conforme a lei, seguindo cada etapa. Quando já não há como assegurar a ordem constitucional, adotam-se as ações finais para salvaguardar a ordem”.
Líderes nacionais pedem fim da violência e justiça para os vendedores
A reação chegou também ao mais alto nível de Estado. O Presidente da República, José Ramos-Horta, condenou veementemente a brutalidade da SEATOU e apelou ao Procurador-Geral da República (PGR) para que investigue os atos de violência, incluindo a atuação do Secretário de Estado para Assuntos de Toponímia e Urbana, Germano Santa Brites Dias. Ramos-Horta solicitou ainda relatórios detalhados da Autoridade Municipal de Díli e da SEATOU sobre os incidentes ocorridos, tanto em outubro quanto em setembro.
“Quero ver os factos que sustentam que têm o direito legal de usar violência e agir de forma excessiva, pois até onde sei, não há justificação para esses ataques violentos contra o nosso povo. O Decreto-Lei é claro: não autoriza ataques ou destruição de bens dos vendedores,” afirmou o Presidente, prometendo tomar medidas ao regressar de Portugal.
Ramos-Horta questionou ainda como Timor-Leste pode afirmar-se como um Estado de Direito, comprometido com a adesão à ASEAN e com a proteção dos direitos humanos, enquanto permite que “bandidos descontrolados” ajam nas ruas de Díli sem responsabilização.
Os ex-Presidentes Francisco Guterres Lú Olo e Taur Matan Ruak juntaram-se ao apelo de Ramos-Horta.
Numa publicação na sua página oficial, Lú Olo apelou ao Primeiro-Ministro Kay Rala Xanana Gusmão para governar com justiça. “Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão! O povo escolheu-vos para governar de acordo com a lei e os direitos. O que os seus subordinados estão a fazer contra os vendedores mostra a fraqueza da sua administração”.
O ex-Presidente sublinhou que a violência não é solução nem caminho para resolver problemas, mas que o governo já ultrapassou muitos limites inaceitáveis em Timor-Leste. Expressou ainda a esperança e a confiança de que o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão governe com respeito e dignidade.
Por sua vez, o ex-Presidente e ex-Primeiro-Ministro Taur Matan Ruak manifestou tristeza pelas ações de brutalidade cometidas pela equipa da SEATOU contra os vendedores, apelando ao Primeiro-Ministro Xanana Gusmão para que trate os vendedores com humanidade.
“Peço humildemente ao Senhor Primeiro-Ministro Kay Rala Xanana Gusmão que trate os vendedores com humanidade. A ‘infração’ que estes vendedores cometem é procurarem sobreviver na miséria. Por favor, tenha compaixão e respeito por eles,” afirmou o ex-Primeiro-Ministro.
O Diligente tentou contactar a SEATOU, mas até ao momento da publicação não obteve resposta.
Sera que terceiros, pagos, podem-se disfarcar para fazer este trabalho sujo e injusto? Pergunto porque existe quase sempre negacao de autoridades acusadas, por isto e por aquilo.
Mob renters?