Vendedores ambulantes vão apresentar queixa contra a SEATOU por violência física e destruição de bens

Vendedores criticam atuação do SEATOU e da PNTL /Foto: Diligente

Os trabalhadores exigem que Germano Brites seja punido pelas agressões cometidas pela sua equipa, na passada terça-feira (3.09). As autoridades, por outro lado, afirmam estar a trabalhar para garantir o cumprimento da lei e manter a cidade limpa.

Os vendedores ambulantes que foram agredidos fisicamente e viram todos os seus produtos e materiais destruídos durante mais uma ação de despejo da Secretaria de Estado da Toponímia e Organização Urbana (SEATOU), na passada terça-feira (3.09), vão apresentar queixa ao Ministério Público, denunciando a violência e os danos ao património a que foram sujeitos, exigindo que o titular do órgão, Germano Brites, seja devidamente responsabilizado.

Os vendedores também reivindicam a criação de um mercado no centro da cidade, alegando que os mercados de Taibessi e Manleuana estão situados em zonas periféricas, com menos fluxo de compradores.

Cirilo Soares, de 30 anos, residente em Taibessi e vendedor de obralan (roupa em segunda mão) em Kampung Baru, foi um dos que se manifestou contra as ações da SEATOU. “Começaram a retirar os vendedores das ruas, em frente à Pertamina de Borala, Raikotu. Destruíram os nossos produtos e, quando lhes disse que não podiam fazer isso, agarraram-me e intimidaram-me. Fomos agredidos pela equipa da SEATOU enquanto a polícia assistia sem intervir e, quando reagimos, voltámos a ser atacados. Isto fez-me lembrar as atrocidades cometidas pelos militares indonésios contra os meus pais, quando era criança”, relatou.

A violência também atingiu Marçal da Costa Soares, de 50 anos, residente em Taibessi e vendedor de obralan em Kampung Baru. O trabalhador contou que, por volta das 20h00, membros da SEATOU, acompanhados de agentes da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), surgiram de repente e, com muita violência, começaram a destruir os seus bens. “Tentei falar com eles, mas bateram-me com uma barra de metal nas costas e tentaram atingir-me na cabeça. Defendi-me com a mão, o que resultou numa lesão. Quando reagimos à brutalidade, a polícia interveio contra nós”, lamentou.

Marçal Soares foi levado para a esquadra de Dom Aleixo, em Díli, onde contou ter sido agredido e humilhado. “Naquele momento, o agente da polícia disse-me que este era o trabalho do Estado e que não podíamos ir contra isso. Aconselhou-me a ter paciência até que a visita do Papa terminasse para que pudéssemos voltar a trabalhar”, explicou.

Ana Maria da Costa, de 56 anos, residente em Aitarak Laran e vendedora em Fatuhada, também foi vítima da ação violenta da SEATOU com o apoio da PNTL. “Vendemos aqui para ganhar 1 ou 2 dólares, para conseguirmos sobreviver. Limpámos sempre o espaço. Não podem vir destruir os nossos bens e agredir-nos. Eles estragaram a cadeira onde me sento e danificaram os vegetais. Quando reclamei, o secretário de Estado disse que eu estava a falar demais, mas respondi que estava a defender a minha vida. Se não vendermos, como vamos sustentar-nos?”, questionou.

De acordo com Constantino de Jesus, representante do Fórum Maubere de Advocacia, estes vendedores serão identificados para que possam recorrer aos meios legais contra o Estado. “Vamos apresentar três queixas: uma administrativa, outra penal e uma civil ao Ministério Público, para defender os direitos dos cidadãos”, informou.

O comandante-geral da PNTL, Henrique da Costa, mostrou-se favorável à apuramento dos factos e disse que as reclamações podem ser apresentadas à Investigação Criminal Nacional. “Incentivo o cidadão que esteve na esquadra na terça-feira à noite a formalizar a queixa. Vou pedir uma explicação ao comandante da esquadra de Dom Aleixo para perceber o que aconteceu. Se houver indícios de crime, a polícia tem a obrigação de processar o caso e apresentá-lo ao Ministério Público”, afirmou.

Na tentativa de justificar os atos desumanos contra os vendedores, o titular da SEATOU, Germano Brites, colocou os membros do órgão e a si próprio na posição de vítimas. Segundo o governante, as autoridades apenas reagiram a agressões que teriam sido iniciadas pelos vendedores.

“Quando a equipa tentava recolher os produtos dos vendedores na área de Kampung Baru, foi intimidada e apedrejada. A situação descontrolou-se, como se viu no vídeo que circulou nas redes sociais. Sete funcionários da SEATOU ficaram feridos, um deles com gravidade. Estes casos estão sob investigação do Ministério Público”, comunicou o secretário à imprensa, hoje, na sede do Ministério da Administração Estatal.

Germano Brites afirmou ainda que a SEATOU não tinha intenção de agredir ou destruir bens, mas que, devido ao caos, alguns produtos foram destruídos, enquanto outros foram doados a necessitados.

Os bens apreendidos ficam a favor do Estado, conforme o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 3/2024, sobre higiene e ordem pública. “Os bens apreendidos a favor da Administração são entregues a instituições de caridade e assistência social.”

Relativamente às queixas dos cidadãos, Germano Brites afirmou que não teme ser processado, pois o Governo está pronto para o defender. “O Governo está sempre pronto para responder. Não podemos julgar-nos uns aos outros; é preferível recorrer aos meios legais para identificar quem está a violar a lei. O Decreto-Lei da higiene e ordem pública vigora desde 2008, e os vendedores foram avisados desde 2019 para não venderem em espaços públicos como margens de estradas e passagens, mas a lei não foi implementada. Agora a SEATOU vai fazer cumprir a lei”, sublinhou.

O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 33/2008 proíbe “Instalar ou depositar, ainda que temporariamente, na via pública ou em terrenos públicos que com a mesma confinem, quaisquer equipamentos destinados à realização de obras de construção ou ao exercício do comércio, como andaimes, depósitos de materiais, construções provisórias ou expositores de produtos, salvo licença concedida pela Autoridade Municipal.” O artigo 6.º estipula que “o exercício do comércio não pode obstruir a via pública ou os passeios.”

Mercados inadequados

Cirilo Soares e outros vendedores confirmaram que foram notificados para se deslocarem ao mercado de Manleuana, mas consideram o local inadequado, pois, além da sobrelotação e dos problemas de infraestrutura, está afastado do centro da cidade. “Os clientes não vão até lá, e os produtos apodrecem. No meu caso, as roupas acabam por ir para o lixo. Vendemos aqui (na rua) para sobreviver, mas somos tratados com brutalidade”, lamenta.

Ana Maria da Costa também relatou a mesma situação, afirmando que já tentou vender no mercado de Taibessi, mas não conseguiu e os produtos acabaram por se estragar. “Preferimos vender no centro, onde há mais movimento. Quando os funcionários saem do trabalho, passam por aqui e compram os nossos produtos. Numa noite, conseguimos fazer mais de 100 dólares e esgotar o stock”, disse.

A vendedora insistiu que uma solução aceitável seria a criação de um mercado acessível no centro da cidade. “Limpamos sempre o local depois de terminarmos o negócio. Nós podemos colaborar para manter a cidade em ordem e higienizada. Isso também é do nosso interesse, afinal de contas”, observou.

Em resposta a estas reivindicações, o diretor do Serviço Municipal de Gestão de Mercado e Turismo de Díli, Arthur Henrique, afirmou que muitos dos vendedores que ocupam as ruas à noite vendem nos mercados de Taibessi e Manleuana durante o dia e, depois das 17h00, deslocam-se para as ruas, ocupando o espaço público. “Verificámos que muitos vêm vender em frente à farmácia Moris Foun, em Audian. Os que vendem no mercado de Manleuana deslocam-se para áreas como Kampung Baru e Fatuhada. Querem obter lucros maiores, mas fazem-no ocupando espaços públicos e obrigando os peões a andar na estrada, o que provoca engarrafamentos. Foi por isso que interviemos”, explicou.

O diretor defendeu que os mercados de Manleuana e Taibessi são adequados para o comércio. “Vender nas ruas não é apropriado, pois não há condições de higiene. Se os clientes não compram, a culpa não é nossa. Quando os vendedores se concentram num só local, os compradores vão aos mercados para adquirir os produtos. Mas, enquanto continuarem a vender nas ruas, os clientes continuarão a comprar nas ruas”, afirmou.

Quanto à proposta de criar mercados no centro da cidade, Arthur Henrique considera que não seria a solução ideal: “Os mercados de Taibessi e Manleuana são amplos, mas o Governo, através da SEATOU, planeia ampliar esses mercados, criando mais espaços e até novos andares, com capacidade para acolher até três mil vendedores, organizados em diferentes secções, como carne, vegetais e vestuário”, concluiu.

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  1. Pode ser que aconteca milagre com a vinda do Papa. Ha que nao perder a esperanca. Quem espera sempre alcanca nem que seja um xuto na panca.

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