Timor-Leste: opções no contexto da policrise

A mobilização de fundos públicos em países fortemente dependentes do petróleo exige uma estratégia abrangente para diversificar a economia e garantir um crescimento sustentável/Foto: Arvind Vallabh (Unsplash)

Hoje em dia, o número de contextos frágeis e de crise continua a aumentar, colocando desafios significativos ao desenvolvimento sustentável em quase todo o mundo. A pobreza e a desigualdade persistentes, os conflitos entre grupos de artes marciais, a violência de género, a emergência climática, a subida do nível do mar, o aumento da inflação e o sobreendividamento ameaçam o progresso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e contribuem para o aumento do número de países considerados frágeis ou afetados por crises. De facto, prevê-se que dois terços dos ODS não sejam alcançados até 2030. Nesta era de policrise, os países que enfrentam fragilidade e crises correm o risco de ficar presos num círculo vicioso, onde os recursos financeiros limitados são utilizados para responder e recuperar de crises, não deixando espaço para investimentos em desenvolvimento sustentável.

Timor-Leste, uma pequena nação insular, é um dos países que enfrenta estes desafios. Apesar dos progressos alcançados desde a independência em 2002, continua a lidar com vulnerabilidade económica, instabilidade política e problemas sociais. A forte dependência das receitas petrolíferas, que se prevê terminarem até 2034, agrava os desafios fiscais. No entanto, espera-se que a exploração do Greater Sunrise possa alterar esse cenário.

Neste contexto, Timor-Leste necessita de boas políticas públicas, bem como de uma boa saúde fiscal, para prevenir e responder a crises. O aumento do espaço fiscal permite investimentos proativos na paz e segurança, bem como na construção de sistemas e infraestruturas resilientes, prevenindo crises antes que estas aconteçam. Além disso, possibilita a criação de reservas financeiras que garantem ao governo capacidade de resposta rápida em momentos de crise, evitando a dependência da limitada Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) ou a necessidade de contrair dívida insustentável.

Os sucessivos governos timorenses têm feito esforços para enfrentar os desafios fiscais, reconhecendo a necessidade de reformas e tentando controlar as despesas. No entanto, o impasse na exploração do gás do Greater Sunrise continua a dificultar as perspetivas económicas do país.

Apesar destes esforços, Timor-Leste enfrenta dificuldades na mobilização de receitas públicas e na sua alocação para a prevenção de crises, resposta a emergências e desenvolvimento sustentável. De acordo com o Relatório sobre Estados de Fragilidade de 2022 da OCDE, apenas um terço dos países considerados frágeis atinge um rácio imposto/PIB de 15%. Timor-Leste não é exceção, devido à sua capacidade limitada de arrecadação fiscal e ao crescente endividamento.

O serviço da dívida consome mais de 20% das receitas do governo, restringindo a capacidade de prestar serviços sociais essenciais e de investir nos ODS. Para países em contextos de fragilidade, como Timor-Leste, é essencial contar com apoio técnico especializado para implementar reformas financeiras públicas eficazes.

A fraca capacidade institucional e a falta de infraestruturas administrativas dificultam frequentemente a cobrança eficiente de impostos, resultando numa base fiscal reduzida e em perdas significativas de receita. A predominância da economia informal torna ainda mais difícil captar rendimentos e transações tributáveis. Além disso, a instabilidade política e a falta de confiança pública agravam a resistência ao pagamento de impostos.

Em relação à dívida, os países frágeis enfrentam dificuldades no acesso a crédito acessível devido a classificações de risco desfavoráveis, sendo forçados a recorrer a empréstimos caros e, muitas vezes, insustentáveis. Crises inesperadas – como conflitos, desastres naturais ou emergências de saúde pública – obrigam a gastos imprevistos, tornando ainda mais difícil a gestão eficaz dos recursos públicos. A corrupção, a falta de transparência e a ineficácia na supervisão da despesa pública agravam ainda mais a situação, dificultando a garantia de que os fundos limitados são utilizados de forma eficaz e equitativa.

Neste contexto, Timor-Leste enfrenta dificuldades na mobilização de receitas públicas e na sua aplicação em medidas de prevenção de crises, resposta a emergências e desenvolvimento sustentável. A forte dependência das receitas petrolíferas, a instabilidade política e a fraca capacidade institucional dificultam a implementação de políticas fiscais eficazes. Além disso, a falta de confiança pública e o domínio da economia informal agravam a situação. Um exemplo disso são os bens e serviços não tributados, que, devido ao controlo deficiente e à ausência de um enquadramento legal adequado, fazem com que o governo perca milhões de dólares em receitas fiscais todos os anos.

Para enfrentar estes desafios, Timor-Leste pode aprender com as boas práticas e experiências de outros países que lidam com problemas semelhantes. Estratégias inovadoras para aumentar o espaço fiscal em contextos frágeis incluem a melhoria da administração fiscal, o alargamento da base tributária e o reforço da cobrança de receitas do setor informal. O fortalecimento da capacidade institucional e a promoção da transparência e da prestação de contas na gestão das finanças públicas são também essenciais. Timor-Leste pode ainda beneficiar de apoio e parcerias internacionais para construir sistemas e infraestruturas resilientes, prevenindo crises.

Garantir uma maior coerência na política orçamental é fundamental para que Timor-Leste assegure que as suas finanças públicas respondem eficazmente às crises de curto prazo, sem comprometer os objetivos de resiliência e desenvolvimento a longo prazo. Para tal, é necessária uma abordagem integrada que aborde as causas profundas da fragilidade e crie políticas fiscais sustentáveis.

Timor-Leste deve dar prioridade ao investimento em educação, saúde e serviços sociais para melhorar o desenvolvimento humano e reduzir a pobreza. Além disso, deve diversificar a sua economia para diminuir a dependência das receitas petrolíferas e aumentar a sua resiliência a choques externos.

Mobilizar financiamentos públicos

A mobilização de fundos públicos em países fortemente dependentes do petróleo exige uma estratégia abrangente para diversificar a economia e garantir um crescimento sustentável.

Algumas estratégias incluem a implementação de uma política de diversificação económica a longo prazo. Isto pode ser feito através do investimento em setores não petrolíferos, com foco no desenvolvimento de setores como a agricultura, as pescas, o turismo e a manufatura, que setores podem proporcionar fontes alternativas de receitas e de emprego. É também importante melhorar as infraestruturas para apoiar as atividades económicas, como os transportes, a energia e as redes de comunicação. No caso de Timor-Leste, os três últimos setores estão em curso, mas necessitam de reforço e sustentabilidade.

É necessário implementar reformas fiscais que alarguem a base tributária e aumentem a geração de receitas internas, seja através da introdução de novos impostos, da melhoria da eficiência na cobrança ou do combate à evasão fiscal. A regulamentação das terras e propriedades continua em falta, representando uma área de potencial arrecadação de receitas. Além disso, devem ser estabelecidas regras fiscais claras para garantir uma gestão prudente das receitas petrolíferas e evitar gastos excessivos.

Embora o governo tenha feito esforços para criar um ambiente favorável ao investimento privado, através de incentivos e Parcerias Público-Privadas (PPPs), este processo foi travado pela pandemia de COVID-19 e pela crise política, que desde 2019 têm desencorajado o investimento privado. Até agora, os esforços para atrair Investimento Direto Estrangeiro (IDE) caíram em saco roto.

Por conseguinte, é importante cooperar e aprender com as experiências de outros países e adotar as políticas corretas. Além disso, deve ser incentivado o trabalho com organizações internacionais e parceiros de desenvolvimento para atrair investimento direto estrangeiro (IDE) e assistência técnica.

A nível interno, é necessário procurar e implementar o fortalecimento e a melhoria do setor financeiro para proporcionar um melhor acesso ao crédito às empresas e às famílias. É também importante incentivar a utilização de serviços financeiros digitais para aumentar a inclusão e a eficiência financeira.

Além disso, é essencial reforçar as instituições governamentais para gerir eficazmente os fundos públicos e implementar políticas económicas. A implementação de medidas para garantir a transparência na gestão das finanças públicas e reduzir a corrupção não pode ser subestimada.

Desenvolver fontes de energia renováveis para reduzir a dependência do petróleo e criar um setor energético sustentável é aparentemente importante. Tais políticas podem promover a conservação ambiental, proteger os recursos naturais e promover a utilização sustentável do ambiente.

Concluindo, Timor-Leste enfrenta desafios significativos na mobilização das finanças públicas e na garantia do seu alinhamento com a prevenção de crises, a resposta a crises e o desenvolvimento sustentável. A forte dependência do país das receitas petrolíferas, a instabilidade social e a fraca capacidade institucional dificultam a sua capacidade de implementar políticas fiscais eficazes. No entanto, ao aprender com as boas práticas e lições partilhadas por outros países, Timor-Leste pode enfrentar estes desafios e construir um país mais resiliente e sustentável. O apoio e as parcerias internacionais serão cruciais neste esforço, enquanto Timor-Leste trabalha para atingir os ODS e melhorar o bem-estar do seu povo.

Dionísio da Costa Babo Soares é académico e político timorense, doutorado em Antropologia pela Universidade Nacional da Austrália em 2003. Atualmente é o Representante Permanente de Timor-Leste junto da Organização das Nações Unidas. Foi ministro dos Negócios Estrangeiros de 2018 a 2020, para além de outros cargos importantes ao longo da sua carreira

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