A 26 de outubro de 2025, Timor-Leste tornou-se oficialmente o 11.º membro da ASEAN, durante a 47.ª Cimeira em Kuala Lumpur, celebrando-se o feito em todo o país. A adesão abre novas oportunidades económicas, educacionais e comerciais, mas especialistas e organizações alertam para desafios significativos, nomeadamente na capacitação de recursos humanos, na diversificação económica e na preparação institucional do país.
A 26 de outubro de 2025, Timor-Leste tornou-se oficialmente o 11.º membro da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), durante a 47.ª Cimeira realizada em Kuala Lumpur. Em Díli, a euforia tomou conta do Largo de Lecidere, onde a população celebrou o momento histórico. No entanto, por detrás das comemorações, mantêm-se desafios significativos no reforço dos recursos humanos e da economia, para que os benefícios da adesão possam ser sentidos por todos os timorenses.
No seu discurso em Kuala Lumpur, o chefe do Governo timorense, Kay Rala Xanana Gusmão, descreveu a adesão como um “dia histórico para o povo timorense”. “Hoje, faz-se história: Timor-Leste foi admitido como o 11.º Estado-membro da ASEAN. Para o povo de Timor-Leste, este não é apenas um sonho tornado realidade, mas uma poderosa afirmação do nosso percurso, marcado pela resiliência, determinação e esperança”, afirmou o Primeiro-Ministro.
Xanana Gusmão sublinhou que a integração de Timor-Leste na ASEAN abre novas oportunidades nos setores do comércio, investimento, educação e economia digital. Garantiu ainda que o país está preparado para aprender, inovar e reforçar a governação, ao mesmo tempo que fortalece as instituições nacionais e coopera no âmbito do desenvolvimento sustentável.
“Para Timor-Leste, este novo início traz imensas oportunidades nos domínios do comércio, investimento, educação e economia digital. Estamos prontos para aprender, inovar e promover uma boa governação, fortalecendo as nossas instituições enquanto trabalhamos juntos pelo desenvolvimento sustentável. Este não é o fim de uma jornada — é o início de um novo capítulo inspirador. Juntos, avançaremos com a Visão da Comunidade ASEAN 2045: uma ASEAN pacífica, próspera, resiliente e centrada nas pessoas, com Timor-Leste como um contribuinte ativo.”
O Primeiro-Ministro da Malásia e presidente da ASEAN em 2025, Dato’ Sri Anwar Ibrahim, destacou, na sua declaração de abertura, a importância da unidade regional perante os desafios globais. “Liderar não é uma rotina, mas uma escolha para renovar os objetivos da ASEAN, de forma a alinhá-los com as expectativas dos povos”, afirmou.
Anwar Ibrahim sublinhou que a histórica adesão de Timor-Leste dá um novo significado à visão comunitária da ASEAN, dirigindo os seus cumprimentos ao Presidente da República, José Ramos-Horta, e ao Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão.
“A histórica adesão de Timor-Leste à ASEAN dá um novo significado a essa visão. Parabéns mais uma vez ao Presidente Ramos-Horta e ao Primeiro-Ministro Xanana Gusmão. O lugar de Timor-Leste aqui completa a família ASEAN, reafirmando o nosso destino comum e o profundo sentimento de fraternidade regional. Dentro desta comunidade, o desenvolvimento de Timor-Leste e a sua autonomia estratégica encontrarão apoio firme e duradouro.”
De regresso ao país, o presidente da FRETILIN, Mari Alkatiri, afirmou aos jornalistas no Aeroporto Internacional Nicolau Lobato que “a festa realizada na Malásia, relativa à adesão de Timor-Leste à ASEAN, é para todos. Porque este sonho começou com a FRETILIN. Por isso, esta festa é para todos nós”, disse.
Segundo Mari Alkatiri, durante a luta pela independência, todos trabalharam juntos com o mesmo propósito, e agora é tempo de unir esforços para que Timor-Leste contribua ativamente para a ASEAN.
“Agora temos de reunir condições para nos tornarmos uma parte que dá valor à ASEAN — não apenas para obter valor da ASEAN. Não é só mostrar a história da nossa luta pela independência, mas também demonstrar a nossa capacidade. Por isso, estamos juntos nesta causa, porque integrar a ASEAN é um sucesso para todos nós”, concluiu.
Celebração nacional marca adesão de Timor-Leste à ASEAN: orgulho, esperança e novos horizontes

A cerimónia em Díli teve início à tarde, com uma oração conjunta e a apresentação do hino da ASEAN. Seguiu-se a transmissão do discurso do Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão, e da cerimónia oficial de assinatura da adesão de Timor-Leste à ASEAN, realizada em Kuala Lumpur.
Milhares de cidadãos ocuparam o Largo de Lecidere, vestindo camisas brancas com os logótipos das bandeiras nacional e da ASEAN e a inscrição “Together we rise”. O evento contou com a presença de membros do Governo e representantes de diversas instituições da sociedade, reunindo pessoas de todas as idades — dos mais jovens aos mais idosos.
Celebrações semelhantes decorreram em todos os municípios do país, marcando um novo capítulo na história nacional: da luta pela independência à integração plena na comunidade do Sudeste Asiático. O evento em Díli terminou com atuações culturais e um espetáculo de fogo de artifício.
Durante a cerimónia, o Vice-Primeiro-Ministro e Ministro Coordenador dos Assuntos Sociais e Ministro do Desenvolvimento Rural e Habitação Comunitária, Mariano Assanami Sabino, afirmou que Timor-Leste esperou “com paciência, esperança e determinação” pela adesão à ASEAN. “Hoje, Timor-Leste junta-se aos 11 membros da Associação, após diversas lutas coletivas entre líderes e povo desde o tempo da resistência”, destacou.
O governante sublinhou que há três pilares fundamentais que devem orientar o país no caminho do desenvolvimento nacional. “A Comunidade Política e de Segurança da ASEAN, a Comunidade Económica da ASEAN e a Comunidade Sociocultural da ASEAN”, enumerou.
Segundo Mariano Assanami Sabino, Timor-Leste não entra na ASEAN “de mãos vazias”. “Entramos através da nossa contribuição sustentável para a paz e a estabilidade, para a promoção dos Direitos Humanos e da Fraternidade Humana”, afirmou.
Reconhecendo que o país enfrentará vários desafios enquanto nação pequena e com uma economia em crescimento, o Vice-Primeiro-Ministro apelou ao reforço das capacidades nacionais. “Temos de nos esforçar para fortalecer as instituições, criar boas infraestruturas e capacitar os nossos jovens, para que possam desenvolver negócios competitivos”, concluiu.
Durante o evento, a representante embaixador da Malásia em Timor-Leste, Jemimah Ujang enfatizou o apoio contínuo do seu país às aspirações timorenses de adesão à ASEAN — um compromisso, disse, reafirmado em várias ocasiões, incluindo durante a recente visita oficial do Primeiro-Ministro malaio, Dato’ Sri Anwar Ibrahim, a Díli.
“A Malásia tem apoiado consistentemente a aspiração de Timor-Leste de aderir à ASEAN. Um compromisso que reafirmamos novamente esta manhã, como já fizemos em várias ocasiões, incluindo durante a visita oficial do meu Primeiro-Ministro a Díli, no mês passado.”
A representante afirmou que a Malásia se orgulha de testemunhar a concretização deste marco histórico, que reflete o compromisso da ASEAN com a unidade, a inclusão e a identidade regional partilhada.
“Sob o tema Sustentabilidade e Inclusão, orgulhamo-nos de ver este marco alcançado durante a presidência da Malásia — uma demonstração do compromisso da ASEAN com a unidade, a inclusão e a identidade regional partilhada. Timor-Leste traz para a ASEAN uma história única, uma cultura rica e um compromisso firme com a paz, a democracia e a cooperação regional.”
Entre os muitos participantes, Nério de Araújo, um aluno de 13 anos da Escola EBC 30 de Agosto, expressou o seu orgulho pela adesão do país. “Sinto orgulho por Timor-Leste ter entrado oficialmente na ASEAN. Este dia pode tornar-se uma data histórica para nós, pois a adesão é o resultado de muito esforço. Espero que Timor-Leste possa atrair bons investimentos na educação e que nós, os jovens, possamos aprender outras línguas, especialmente inglês.”
O Provedor de Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, também partilhou o seu entusiasmo e emoção pela adesão plena do país. “Partilho este sentimento de satisfação com toda a sociedade. Este é um passo político muito importante, pois a entrada na ASEAN representa um sonho antigo, que remonta a 1974”, afirmou.
Desafios e recomendações
O docente da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), Cristóvão dos Reis, afirmou que Timor-Leste enfrenta desafios sérios após a adesão oficial à ASEAN, sobretudo no que diz respeito à qualidade dos recursos humanos e à prontidão da economia nacional.
“Os recursos humanos atualmente disponíveis, de forma geral, ainda não são suficientemente qualificados para competir com os outros países membros”, declarou Cristóvão dos Reis.
O professor acrescentou que, ao comparar os recursos humanos de Timor-Leste com os de outros países da ASEAN, o nível ainda é bastante baixo, pelo que o governo deve dar prioridade a este assunto.
“Quando comparamos o nível de conhecimento dos nossos recursos humanos com o dos outros países da ASEAN, a posição de Timor-Leste ainda é muito baixa. Por isso, o governo deve dar prioridade ao desenvolvimento dos recursos humanos, para que, no futuro, possamos competir de forma eficaz nos setores da economia, da agricultura e do turismo”, frisou.
Cristóvão dos Reis destacou ainda outro desafio: a fraca capacidade de produção nacional. “Temos apenas produtos como café, caju e coco, e a sua produção é muito reduzida. Com estas condições, é difícil competir fortemente com outros países na oferta de produtos”, explicou.
O mesmo alerta foi feito pelo Provedor de Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, que sublinhou a importância de não ceder a uma euforia excessiva. “Ser membro não significa apenas aderir, mas também assumir a responsabilidade de contribuir de forma proativa, sobretudo na promoção dos direitos humanos e da democracia na região”, disse.
Quanto aos desafios enfrentados por Timor-Leste, Virgílio Guterres destacou a importância da preparação dos recursos humanos e das instituições nacionais: “Agora já estamos no rio, precisamos de saber nadar. O nosso grande desafio é ter capacidade para aproveitar as grandes oportunidades oferecidas pela ASEAN. Os recursos humanos continuam a ser um grande desafio, mas não podemos desistir. Somos um povo de lutadores e continuaremos a lutar para enfrentar esta realidade”, acrescentou.
Entretanto, Mateus Cardoso, estudante da UNTL, expressou a sua preocupação com os desafios que Timor-Leste enfrenta após a adesão. Ele alertou que a falta de compromisso do governo no desenvolvimento de setores vitais, como a educação e a agricultura, pode atrasar o progresso do país.
“O povo timorense poderá enfrentar dificuldades se o governo continuar a não demonstrar compromisso no desenvolvimento de setores importantes, como a educação e a agricultura”, afirmou.
Mateus destacou também a fragilidade do setor agrícola nacional: “A produção agrícola ainda enfrenta muitos desafios. Timor-Leste possui apenas alguns produtos, sendo que o potencial de exportação praticamente se limita ao café”, explicou.
Como representante da juventude, sublinhou a necessidade de investir fortemente na educação: “Precisamos de investir de forma intensa na educação para formar recursos humanos de qualidade e competitivos, capazes de concorrer com a força de trabalho dos países da ASEAN”, acrescentou.
Por sua vez, o proprietário do restaurante Dilicious, César Gaio, considera que a adesão abrirá muitas oportunidades, mas também trará desafios significativos para os empresários locais. Segundo ele, o país ainda não está preparado em termos de infraestrutura, produção e políticas de investimento para enfrentar a concorrência no mercado regional.
“A entrada de Timor-Leste na ASEAN significa a abertura de fronteiras marítimas, aéreas e terrestres. Isso pode representar um desafio se não houver empresas produtoras que aproveitem os recursos do país”, afirmou.
César Gaio acrescentou que os setores da agricultura e da pesca provavelmente serão os principais alvos de investidores estrangeiros, devido à elevada procura de produtos do mar em Singapura, Brunei Darussalam e Malásia. “Os pescadores timorenses podem ser dos mais afetados. E, tecnicamente, não conseguimos competir com os outros países, que têm mais recursos humanos e financeiros”, alertou.
O empresário destacou ainda a lentidão no progresso dos investimentos nos setores do turismo e da infraestrutura. “O projeto do hotel Hilton, por exemplo, não avançou. Até hoje, o hotel continua encerrado. Uma empresa também tentou abrir um hospital, mas não recebeu apoio do Governo”, afirmou, ilustrando a fraca assistência ao setor privado.
A organização não governamental La’o Hamutuk publicou uma carta aberta sobre a adesão oficial de Timor-Leste à ASEAN, na qual apresenta recomendações, sublinhando que esta entrada deve ser um momento de reflexão nacional, e não apenas uma conquista política.
Na sua declaração, a La’o Hamutuk afirma que Timor-Leste deve continuar a respeitar os direitos humanos e manter-se fiel aos seus princípios fundamentais. “A aspiração de se tornar membro da ASEAN deve incentivar Timor-Leste a fortalecer as suas bases e a preparar-se para se tornar um país economicamente autónomo”, sublinha o órgão.
A organização alerta também para a dependência do país em relação à indústria extrativa, como petróleo e gás. “Este setor não é sustentável como fonte de receita a longo prazo. A estratégia de receita interna deve focar-se no desenvolvimento dos setores não petrolíferos”, explica.
Além disso, a La’o Hamutuk enfatiza a importância da transparência e da participação pública em todas as políticas nacionais, incluindo o processo de aprovação da adesão à ASEAN pelo Conselho de Ministros. “O governo precisa de incorporar a perspetiva pública e a realidade socioeconómica atual, de modo a que as políticas adotadas protejam a economia nacional de pressões externas”, acrescenta.
A organização recomenda também que os investimentos anuais através do Orçamento Geral do Estado (OJE) sejam direcionados para setores estratégicos que tragam benefícios diretos à população, como agricultura de pequena escala, turismo comunitário e pequenas indústrias. “Estes setores são fundamentais para a diversificação económica rumo a um desenvolvimento sustentável”, reforça a instituição.
Como parte da reforma económica, a La’o Hamutuk considera necessária a criação de um sistema de cadeia de valor robusto para apoiar a produção, a distribuição e o aumento da competitividade dos produtos locais. Além disso, a digitalização do sistema aduaneiro é considerada urgente para reduzir a corrupção, as fraudes e os atrasos.
Recorde-se que, em março de 2011, o Governo timorense submeteu o pedido oficial de adesão. Antes disso, Timor-Leste já era observador desde 2002. Só vinte anos depois é que o estatuto foi elevado, permitindo ao país participar plenamente nas reuniões e cimeiras da ASEAN, embora ainda sem direito a voto.
Atualmente, Timor-Leste já participa plenamente na Associação. Criada em 1967, a ASEAN reúne atualmente onze países do Sudeste Asiático — Indonésia, Malásia, Singapura, Tailândia, Filipinas, Brunei, Vietname, Laos, Myanmar, Camboja e Timor-Leste. Juntos, formam um bloco que promove a cooperação económica, política e cultural, representando uma das regiões com maior crescimento económico do mundo.

