Relações à distância: quando o amor enfrenta a saudade, a desconfiança e as pressões externas

A distância impõe desafios como a saudade, a insegurança e, em alguns casos, a incerteza quanto ao futuro da relação /Foto: Inteligência artificial

Manter um relacionamento à distância é um desafio que mistura saudade, desconfiança e pressões externas. Em Timor-Leste, onde muitos jovens emigram, casais enfrentam o dilema entre o amor e a busca por uma vida melhor. Para alguns, a separação fortalece os laços; para outros, é uma sentença de fim. 

No Dia dos Namorados, o amor é celebrado em todo o mundo com jantares românticos, trocas de presentes e gestos de carinho. No entanto, para muitos casais que vivem relações à distância, essa data pode ser marcada por saudade, incerteza e desafios emocionais. Além disso, em Timor-Leste, muitas pessoas, sobretudo jovens, têm de pensar duas vezes antes de irem a um restaurante, organizarem um jantar romântico ou comprarem presentes e flores para os seus parceiros devido a dificuldades financeiras.

No país, onde muitos jovens emigram para países como a Coreia do Sul, a Austrália, o Reino Unido, Portugal e a Irlanda em busca de melhores condições de vida, os relacionamentos à distância tornaram-se uma realidade comum.

Recorde-se que, desde o estabelecimento dos acordos de mobilidade laboral entre o Governo de Timor-Leste e a Coreia do Sul e a Austrália, um total de 10.419 jovens já emigraram para esses países: 6.329 para a Coreia do Sul e 4.090 para a Austrália, segundo dados da Secretaria de Estado da Formação Profissional e Emprego (SEFOPE).

A migração, impulsionada pela instabilidade económica e pela falta de oportunidades, leva frequentemente à separação física entre casais, com um dos parceiros a permanecer no país enquanto o outro segue para o exterior.

Para alguns, a distância pode fortalecer os laços, mas para outros, torna-se um desafio devastador, marcado pela saudade, pela insegurança e, em alguns casos, pela incerteza quanto ao futuro da relação.

Recentemente, um caso trágico chocou a sociedade timorense: um jovem que vivia uma relação à distância suicidou-se depois de descobrir que a sua namorada o estava a trair. Antes de tirar a própria vida, enviou-lhe um vídeo a anunciar o que ia fazer. O episódio levantou um debate sobre o impacto emocional das relações à distância, especialmente quando envolvem desconfiança, traição ou expectativas irreais.

Noémia: pressionada a casar contra a sua vontade 

Noémia (nome fictício) namora desde 2015 e, dois anos depois, o seu parceiro emigrou para a Irlanda. Em 2022, foi a sua vez de partir para a Austrália, e desde então, mantêm um relacionamento à distância.

“Os familiares do meu namorado sabiam do nosso relacionamento e, apesar da distância, sempre mantivemos contacto e demonstrámos amor um pelo outro. Em 2023, a família dele decidiu ir à minha uma lisan para colocar ai-tahan (um símbolo de reconhecimento de que pertenciam à mesma linhagem), sem a nossa presença. Sentimos que estávamos a ser pressionados a casar”, contou.

Quando regressou a Timor de férias, os familiares do namorado exigiram que ele também voltasse da Irlanda para oficializar o casamento. “Recusei. Quero trabalhar e garantir a minha estabilidade financeira antes de formar uma família. Não temos casa, nem dinheiro suficiente para sustentar um casamento”, explicou.

O namorado tentou explicar à família que não tinham condições económicas para um casamento naquele momento, mas os familiares não aceitaram a decisão. “Chamaram-lhe cobarde e acusaram-no de apenas obedecer à mulher. Chegaram até a ameaçá-lo fisicamente”, revelou Noémia.

Perante a pressão, Noémia contou com o apoio do irmão e da família para evitar que fosse obrigada a casar. “Com a ajuda da minha família, consegui sair dessa ‘caverna do amor’. Voltei para a Austrália e o meu namorado regressou à Irlanda. Casaremos quando quisermos e estivermos prontos.”

O desafio das relações à distância 

Francisca Mendonça (nome fictício) e o seu parceiro mantêm uma relação à distância há quase dez anos, entre Timor-Leste e a Coreia do Sul. Para a jovem de 33 anos, a separação física não diminui o amor que sente pelo namorado. Defende que uma comunicação saudável e a confiança mútua são fundamentais para manter a relação.

“Conhecemo-nos em Timor, antes de ele partir para o estrangeiro. O nosso relacionamento tem sido saudável e harmonioso, e continuamos a amar-nos. Independentemente da distância, é essencial usar os meios disponíveis para mantermos uma boa comunicação”, afirmou.

A distância pode, por vezes, gerar dúvidas, saudade, insegurança ou até incerteza sobre o futuro do relacionamento. No entanto, Francisca não teme os desafios que possam surgir, pois acredita no compromisso e na união do casal. “No nosso caso, não nos conhecemos através das redes sociais, mas pessoalmente, e isso dá-me segurança”, explicou.

“Optámos por ter um relacionamento à distância não porque quiséssemos, mas por necessidade, tanto nossa como da família dele. Aqui não há garantias de uma vida melhor. Em qualquer relação há desafios e dificuldades, mas o mais importante é a comunicação e a confiança mútua”, concluiu.

Arménio (nome fictício), que trabalha na Austrália, conta que começou a namorar em 2016, enquanto ainda estudava no Instituto Superior Cristal (ISC). Naquele tempo, segundo ele, a comunicação num relacionamento era mais direta.

“Quando iniciamos um novo relacionamento, é normal enfrentarmos desafios, como desentendimentos ou desconfiança. Mas tudo depende da forma como lidamos com os nossos sentimentos e como escolhemos fortalecer o amor. Precisamos confiar um no outro e esforçar-nos para explicar bem as situações, para que a nossa parceira compreenda”, defendeu.

A relação à distância começou em 2023, ano em que Arménio partiu para a Austrália para trabalhar. No entanto, garante que a separação física não afetou o seu amor pela namorada. “Quando realmente amamos alguém, estamos prontos para enfrentar qualquer situação. Às vezes, a saudade impede-nos de fazer certas coisas, mas isso não significa que o amor enfraqueça”, afirmou, salientando que a falta de coragem num relacionamento pode levar ao seu fim.

“Podemos também ajudar a nossa parceira a compreender a nossa situação atual, especialmente para aqueles que estão na Austrália ou noutros países e vivem um relacionamento à distância”, acrescentou.

Arménio explicou que o seu horário de trabalho na Austrália, regulamentado pela empresa — “quem entra cedo, sai cedo” —, tem sido uma vantagem para a relação. Defendeu ainda a importância da comunicação e da confiança mútua numa relação à distância, sublinhando que a sua namorada o conhece bem e compreende a sua realidade.

“Se não houver compromisso de ambas as partes, a separação pode ser inevitável. Sou muito grato à minha namorada, que sempre compreendeu os meus sentimentos e me deu apoio moral para que eu pudesse trabalhar na Austrália”, afirmou.

Por fim, deixou um conselho aos jovens que emigram em busca de uma vida melhor e que mantêm um relacionamento à distância: terem coragem e focarem-se no trabalho, pois é isso que pode transformar o futuro e garantir estabilidade para a família que desejam construir.

As relações à distância exigem mais do que apenas amor: requerem maturidade, paciência e, acima de tudo, confiança. Se, por um lado, a separação pode fortalecer laços, por outro, pode ser um teste à resistência da relação. Para alguns casais, o sacrifício da distância vale a pena, pois está alicerçado no desejo de um futuro melhor. Para outros, as pressões externas, como as expectativas familiares e os desafios económicos, podem tornar o caminho mais difícil.

No final, cada casal encontra a sua forma de lidar com a distância. Seja através da comunicação constante, da resiliência emocional ou do apoio mútuo, o importante é que a relação seja baseada no respeito e na compreensão.

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  1. Parabéns a todos que mantenham sempre relação à distância e, claro, Feliz Dia dos Namorados. Espero que os/as “Lafaek” não “mordem” um dos pares aqui em Timor-Leste

  2. Ai, Amor a quanto obrigas.
    Vejo a situacao do amor a distancia como prova dos nove!
    Se souberem sobreviver, e resistir as tentacoes, sera um “AMOR A PROVA DE BALA”

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