Quais são os acontecimentos mais marcantes de 2024 em Timor-Leste?

Foto: Lalaok Cidade Díli

O ano de 2024 foi marcado por acontecimentos relevantes em Timor-Leste. O Diligente ouviu juristas, economistas, profissionais de saúde, ativistas e pessoas ligadas aos direitos humanos. Entre os momentos destacados, estão a visita do Papa e os preparativos para esse evento, que levaram em Díli a violência contra vendedores e detenção de jornalistas. No setor da saúde, foi evidenciada a crise de recursos humanos e medicamentos, registando-se, no entanto, avanços no tratamento de pessoas com deficiência mental. No plano da economia, persistem a dependência de importações e do Fundo Petrolífero, o défice comercial e elevados índices de pobreza. Foi ainda ressaltada a estabilidade social como uma oportunidade para o desenvolvimento.

“ A visita papal e os seus efeitos colaterais, como a evicção forçada e brutal dos vendedores”

Virgílio Guterres, Provedor dos Direitos Humanos e Justiça/Foto: Arquivo Privado

“Um dos acontecimentos marcantes de 2024 foi a visita papal e os seus efeitos colaterais, como a evicção forçada e brutal dos vendedores na cidade de Díli, o ataque contra a liberdade de imprensa com a detenção arbitrária de jornalistas. A evicção brutal dos vendedores aconteceu também em Baucau.

Outro acontecimento foi a detenção arbitrária dos professores voluntários que exerceram os seus direitos constitucionais na sequência da decisão do Governo em não renovar os seus contratos.

A seguir, é a crise na prestação dos serviços de saúde: a falta de medicamentos, recursos e equipamentos necessários, a decisão do Governo em não prolongar o contrato de trabalho de mais de dois mil profissionais voluntários e contratados.

A declaração conjunta dos primeiros-ministros de Timor-Leste e da Austrália sobre o plano de exploração do Greater Sunrise é outro momento marcante.

Foi muito triste a morte de ativistas ligados à solidariedade internacional: a Titi Irawati, em outubro, e o Tom Hyland, em dezembro.”

“Este modelo de lavagem de mãos é o mais grosseiro da história”

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Armindo Moniz Amaral, jurista e docente de Filosofia do Direito no Instituto Superior de Filosofia e Teologia Dom Jaime Garcia Goulart (ISFIT)/Foto: Arquivo Pessoal

“Durante o ano de 2024, observei muitos acontecimentos importantes. Na área da justiça, o primeiro foi o da Secretaria de Estado dos Assuntos de Toponímia e Organização Urbana (SEATOU) ter expulsado, espancado pessoas e demolido casas de habitantes sem seguir procedimentos.

Em segundo lugar, estão o despedimento e o recrutamento de mão de obra, que não foram transparentes e mostraram uma tendência para o nepotismo. O terceiro acontecimento foi a entrega secreta de projetos, tal como aconteceu com o Diretor-Geral no Ministério da Agricultura. A seguir, os intermediários em projetos de construção, no caso do filho da ministra da Solidariedade Social. O quinto foi o pedido do reitor da UNTL [Universidade Nacional Timor Lorosa’e]  à PNTL [Polícia Nacional de Timor-Leste] para deter estudantes no campus.

A nível político, o Governo não cumpriu todas as suas promessas. Continua a haver falta de medicamentos, o problema dos passaportes não foi resolvido, os casos dos professores contratados não foram solucionados, o número de pessoas subnutridas continua a ser elevado, a pobreza não diminuiu. No entanto, ao mesmo tempo, o Governo aprovou uma enorme quantidade de subsídios para si próprio.

Em vez de resolver os problemas, o Governo desvia a atenção pública dos problemas estruturais acima referidos, promovendo uma luta entre Wingky Wili Wili, Joni W e Nízia  [pessoas conhecidas no Facebook por se insultarem uns aos outros], numa luta nacional, como uma forma para as elites lavarem as mãos. E este modelo de lavagem de mãos é o mais grosseiro da história.”

“O défice na balança comercial continua a ser significativo, porque não temos muitas atividades económicas que aumentem as receitas domésticas”

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Celestino Gusmão Pereira, investigador na ONG La’o Hamutuk

“No aspeto social e de segurança, não aconteceu nenhuma situação grave que impedisse o avanço do país. Um sucesso deste ano é não haver instabilidade, crimes  graves ou grande desordem, o que se deveu à contribuição de toda a população. É uma oportunidade para desenvolver o país. Não há um esforço político para tentar criar desordem. Não existiram também grandes problemas que chamassem a atenção da comunidade internacional, como em 2006 e 2015. Precisamos de considerar e manter isso no futuro.

No aspeto económico, não vi sucessos. O país continua a registar um nível de pobreza multidimensional significante, e continuamos a não ter oportunidades de emprego. Não há esforços para reduzir a dependência da importação e do Fundo Petrolífero.

Não há redução da má nutrição, apesar de o Estado e as agências nacionais e internacionais, se empenharem em diminuir a subnutrição, a insuficiência alimentar e a dependência. O pior é a tendência de aumento da dependência da importação e do Fundo Petrolífero.

O défice na balança comercial continua a ser significativo, porque não temos muitas atividades económicas que aumentem as receitas domésticas.”

“Se esta situação continuar, o processo de democratização em Timor-Leste irá rastejar”

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Miguel Monsil, ativista/Foto: DR

“Quero destacar o caso do reitor da UNTL que orientou a PNTL para entrar na universidade, intimidando, torturando e detendo os estudantes que protestaram nessa universidade. É marcante para o processo de democratização em Timor-Leste, porque a universidade é um espaço da verdade, da sua procura e da sua defesa.

As pessoas ainda consideram que os estudantes são a voz dos que não a têm. Os estudantes pensam sobre o povo e têm a coragem de falar o que muitas pessoas têm medo de falar. É a função mais importante das universidades.

No entanto, este ano, vemos que o próprio reitor, em vez de dar condições, acessibilidade e liberdade para os estudantes falarem, orientou a PNTL para entrar na universidade e deter os alunos. Foi  a primeira vez que isto aconteceu em Timor-Leste e na UNTL.

Na época da resistência, a autoridade no campus era tão grande que ninguém, para além da comunidade académica, podia ali entrar. Se esta situação continuar, para mim, o processo de democratização em Timor-Leste irá rastejar. O próprio reitor fez isso, tentando matar o processo de democratização.

Apelo aos estudantes que tirem daí uma lição e criem uma resistência ainda mais forte contra estes atos. Se proibimos os universitários de falarem, quem mais é que vai falar dos problemas do povo?”

“Que 2025 seja melhor e não se repitam limitações como a falta de recursos humanos especializados, medicamentos, infraestruturas”

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Elvis do Rosário, MBA/ESP., Psicólogo Clínico Diretor do Centro de Apoio à Saúde Mental de São João de Deus Laclubar

“O ano de 2024 esteve cheio de coisas boas, más e mais ou menos, algo que depende dos sentimentos de cada um. Cada coisa tem o seu tempo e espaço e cada um faz a sua apreciação segundo os seus gostos, necessidades e pontos de vista, de forma coletiva ou individual.

No setor da saúde, as referências para 2025 são a vontade de cuidar das outras pessoas, mesmo com muitas limitações, mas também o desânimo dos profissionais de saúde e de outros setores.

Um acontecimento muito marcante em 2024 foi o facto de muitas pessoas com deficiência mental, que estavam amarradas com cordas e correntes, presas em redes e casas, em jaulas, e os que estavam na floresta há 10 anos ou mais, terem a oportunidade de vir para tratamento no Centro de Saúde Mental São João de Deus. Recuperaram e voltaram para a família.

Espera-se que 2025 seja melhor e não se repitam limitações como a falta de recursos humanos especializados, medicamentos, infraestruturas e subsídios sociais para pessoas com doenças ou deficiência. Reforçar a inclusão, eliminar a exclusão.”

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  1. Desculpem dizer o que vou dizer, mas direi srm medo algum, em forma de questão, Neste momento seria melhor manter toda esta farsa governamental e presidencial, ou terem contonuado a pertencer à Indonésia? Em quê é que Timor-Leste melhor com a independência dos ditos “pseudo resistentes de Ossu”!?

  2. Caro conterraneo Kaligus, entendo o teu ponto de vista. E uma incognita que nem os matan dok te saberao responder. Para mim a independencia e sempre melhor que ser mainato do javanes. Ukun resik an. Infelizmente os herois de muita guerra de independencia sao um 0 a esquerda em termos de governacao. Sabem governar-se a si proprios mas falham redondamente o governar para o Povo e Nasaun. Cabe a voces jovens trilhar novos caminhos e melhores. A educacao e a arma do progresso e da mudanca. As urnas de votacao o trampolim para a mudanca. Os nossos herois vieram embrulhados no batar kain mas hoje andam todos pomposos vestidos de fato e gravata.
    Que o Maromak traga muita saude e justica, arvores da pataca e faca desaparecer os naukten num apice.

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