Preservar a cor: reviver a tradição das tintas naturais em Timor-Leste

Os corantes naturais não só preservam a tradição, como também reduzem a dependência de produtos químicos e aumentam o valor de venda dos produtos locais. /Foto: Diligente

Em Timor-Leste, antigas técnicas de tingimento natural estão a ganhar nova vida — do azul profundo do índigo ao vermelho vibrante do roko-roko. Mais do que simples pigmentos, estas cores representam séculos de história, identidade e ligação à terra.

Em várias comunidades em Timor-Leste, o conhecimento tradicional sobre corantes naturais, transmitido ao longo de séculos, constitui uma parte importante da identidade cultural. Cada cor no Tais, o tecido tradicional timorense, tecido manualmente por mulheres de diferentes regiões, não é apenas um elemento decorativo, mas contém significado histórico, simbolismo e a identidade de cada grupo étnico. Antigamente, todas as cores do Tais eram produzidas a partir de materiais naturais obtidos de plantas locais, através de um processo longo e meticuloso. No entanto, com o passar do tempo, a modernização e o uso de corantes sintéticos, esta competência essencial na produção de corantes naturais tem vindo gradualmente a desaparecer e é cada vez menos transmitida às gerações mais jovens.

Perante esta realidade, diversas iniciativas locais começaram a ressurgir para documentar, recuperar e reforçar as práticas de tingimento natural, não apenas como património cultural, mas também como uma oportunidade económica sustentável para grupos de mulheres e artesãos nas zonas rurais. Uma dessas iniciativas surge através do trabalho de acompanhamento desenvolvido pela Reloka Foundation com vários grupos de produção de corantes naturais, que procuram garantir que estas competências permaneçam vivas e possam ser transmitidas às gerações futuras.

Desde o azul índigo e o vermelho roko-roko até aos tons de castanho e creme obtidos de plantas das florestas, cada cor não é apenas um resultado técnico, mas um reflexo da relação profunda entre o ser humano e a natureza. Contudo, estas competências ancestrais enfrentam hoje uma ameaça real: a modernização acelerada, a diminuição da regeneração de conhecimentos e a entrada de corantes sintéticos baratos, que têm vindo a marginalizar cada vez mais as práticas tradicionais.

“A Reloka abriu em 2023 e começou com a reciclagem, transformando garrafas em copos, e também começou com bordados, o que criou oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência”, disse Hilly Bouwman, fundadora e gestora executiva voluntária.

Todos os produtos que são fabricados serão vendidos na sua loja em Palapaso e fornecidos a locais que possam atrair pessoas para ver e comprar, como restaurantes, cafés, hotéis ou outros espaços turísticos.

“A Reloka também possui o programa Kor Natural, um programa inovador focado na investigação, conservação, educação e desenvolvimento de mercado para corantes naturais. Este programa não só preserva as tradições locais, como também promove o empoderamento económico das mulheres e reforça o movimento da economia circular. Ver que o conhecimento sobre as cores naturais e o Tais está lentamente a desaparecer é precisamente o motivo pelo qual queremos trabalhar nesta área”, disse a fundadora.

Como se produzem as tintas naturais: o processo tradicional

Lis fuik, katapang, indigo/Foto: Diligente

Muitas comunidades em Timor-Leste têm uma longa tradição na produção de cores naturais para tecidos, artesanato e rituais culturais. No entanto, o conhecimento sobre as plantas utilizadas para corantes, as técnicas de extração e os métodos de mistura de cores está cada vez menos a ser transmitido às gerações mais jovens. As mudanças no estilo de vida, a entrada de produtos sintéticos baratos e a falta de documentação têm colocado estas competências em risco de extinção. Se não forem preservadas, as comunidades não apenas perderão a sua identidade cultural, mas também um potencial económico de elevado valor, dado que as cores naturais têm uma procura crescente tanto no mercado local como internacional.

O Diligente obteve uma explicação de Secília Assunção, coordenadora do Programa Kor Natural e SUKU, sobre como o seu grupo produz corantes a partir de plantas silvestres. Para obter a cor azul a partir da planta klan (índigo), Secília explicou que “em primeiro lugar, as folhas devem ser colhidas no momento certo, ou seja, antes do nascer do sol. Depois disso, as folhas são deixadas de molho num balde durante 24 horas e a água é depois transferida. O sedimento obtido, após ser filtrado para um novo balde, pode ser usado imediatamente. Este sedimento pode ser mergulhado juntamente com fios ou tecidos para obter a cor desejada.”

Entretanto, existe também a cor vermelha, obtida a partir da planta roko-roko (espinho-de-Mysore). Diferentemente da produção da cor azul, a produção da cor vermelha utiliza a casca da árvore roko-roko. Secília explicou: “Antes de ser utilizada, a árvore deve ter pelo menos seis anos de idade. A casca é depois retirada e fervida durante uma hora, após o que os fios ou tecidos são mergulhados durante 30 minutos para obter a cor.”

Além disso, existe também a katapang (Terminalia catappa), que pode produzir cores como amarelo-acastanhado e castanho. “Colhem-se as folhas, cortam-se e cozinham-se durante uma hora. A água resultante torna-se a solução de corante. No entanto, as folhas das árvores mais velhas produzem uma cor mais escura, enquanto as folhas mais jovens dão uma cor mais clara”, explicou.

A Allium ursinum, em tétum lis fuik, também pode produzir cor, permitindo obter um tom creme, e o processo é semelhante aos outros. “As folhas de cebola selvagem são colhidas, limpas, lavadas, trituradas e depois espremidas para extrair o sumo. É a partir deste sumo que se obtém a cor creme”, acrescentou.

Em todos os processos de tingimento com katapang, klan, roko-roko e lis fuik, estes materiais podem produzir diversas cores dependendo do tempo de imersão ou fervura, bem como da parte da planta utilizada. Uma fervura ou imersão curta tende a produzir cores mais claras ou suaves, enquanto uma fervura prolongada gera cores mais intensas e escuras. Além disso, a parte da planta utilizada — folhas, frutos ou casca — também influencia a tonalidade e a intensidade da cor obtida.

O papel do mordente e a descoberta do Uskai como fixador de cores local

Antes de os fios ou tecidos serem tingidos para obter cores duradouras, estes são previamente mergulhados em água misturada com mordente, uma substância fixadora de cor utilizada no tingimento natural para que a cor adira melhor, resista à lavagem e se mantenha por mais tempo no tecido.

Antes, a Reloka tinha de importar mordente da Indonésia a um preço elevado. Através do trabalho da Reloka, descobriu-se uma planta no município de Ermera chamada Uskai, também conhecida como Symlosis, que possui a mesma composição química e percentagem do mordente importado da Indonésia. “Embora tenhamos tentado cultivá-la noutros locais, infelizmente o Uskai não sobreviveu”, revelou Armindo de Deus, coordenador do projeto Kiwa.

Depois de a encontrarem, levaram-na para a Indonésia para uma análise laboratorial e os resultados apresentaram a mesma percentagem. “Um colega de Ermera contou-me que, antigamente, os mais velhos colhiam as folhas de Uskai para as vender aos anciãos que teciam Tais, com a mesma função. Com base nesse relato, fomos procurá-la e levámo-la para testes laboratoriais — e os resultados foram positivos”, contou o coordenador.

O processo de produção do mordente consiste em esperar que as folhas secas de Uskai caiam, depois triturá-las até ficarem finas, moê-las e peneirá-las para obter a melhor textura. Finalmente, o mordente fica pronto para uso. “Agora que já estabelecemos o processo, a comunidade pode escolher e também aceder ao método, permitindo-lhes definir o preço. Depois, nós podemos selecionar e voltar a comercializá-lo”, disse Armindo.

O mordente natural torna-se um elemento essencial no processo de tingimento, pois sem ele a cor no tecido não duraria por muito tempo. No entanto, ao contrário de outras cores, tons como o azul e o preto não necessitam de mordente. Além da madeira de teca, que possui elevado valor económico em Timor-Leste, o país também tem muitas outras plantas com potencial para gerar rendimento, como diversas espécies silvestres, incluindo o índigo, a katapang e várias outras.

Recorde-se que, no passado dia 26 de outubro, Timor-Leste se tornou oficialmente membro da ASEAN, abrindo grandes oportunidades para o desenvolvimento da produção de corantes naturais, bem como para aproveitar o potencial das plantas locais que até agora não têm sido plenamente exploradas, proporcionando um maior valor económico para a população.

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *