Eduardo da Silva Soares, jornalista do Diligente, foi um dos vencedores dos prémios promovidos pelo Conselho de Imprensa na categoria de melhor produto jornalístico em língua portuguesa. Em entrevista ao Diligente, os premiados salientaram a importância de uma imprensa crítica, capaz de amplificar as vozes dos mais marginalizados.
Os vencedores dos Prémios do Conselho de Imprensa foram anunciados na quinta-feira, 16 de outubro, em Balibó, durante as celebrações do Dia Nacional da Liberdade de Imprensa e do 49º aniversário da tragédia de Balibó, onde cinco jornalistas estrangeiros foram assassinados por militares indonésios em 1975.
O Prémio para o melhor órgão de comunicação foi atribuído à Hatutan.com, enquanto o Prémio Adelino Gomes, que distingue o melhor produto jornalístico em língua portuguesa, foi entregue a Eduardo da Silva Soares, do Diligente, pela sua reportagem “A Desigualdade no Acesso à Educação em Timor-Leste”.
Na categoria de melhor trabalho jornalístico sobre temas sociais na imprensa escrita, o Prémio Francisco Borja da Costa foi concedido a Januário da Assunção, jornalista do Jornal Independente, pela reportagem “Sakrifísiu husi Laletek ninin” (O Sacrifício Vindo da Montanha, em português). Por sua vez, o Prémio Grec Shackleton foi atribuído a Constâncio Vieira, da Rádio e Televisão de Timor-Leste, E.P., pela obra “Esperansa Nabeen halerik iha Rai Kotu” (Esperança a Derreter em Rai Kotu, em português).
Em entrevista, Eduardo da Silva Soares explicou que decidiu abordar o tema da educação ao observar como o futuro da maioria das crianças timorenses, cujas famílias têm escassos recursos financeiros, é comprometido por um sistema educativo desigual no país.
“Notei que as crianças de diferentes origens familiares têm direitos muito distintos como alimentação, seja em termos de alimentação, habitação ou educação. As crianças de famílias pobres frequentam escolas públicas em condições precárias e sobrelotadas, enquanto as de família de classe média frequentam escolas católicas e as famílias ricas vão para escolas internacionais de excelência. A educação de qualidade tem um preço elevado”, sublinhou Eduardo.
O jovem jornalista partilhou ainda o impacto emocional que teve ao falar com Honório, uma criança que vive em condições de extrema pobreza e que sonha, apesar disso, em ser Presidente da República. “Honório vive numa casa em condições precárias e alimenta-se todos os dias apenas de arroz com espinafre. Ele frequenta uma escola pública sem condições, mas mantém grandes sonhos. Espero que o seu futuro seja diferente e que o Governo faça mais para apoiar as famílias em situação de pobreza, reduzindo a desigualdade económica e educacional”, apelou Eduardo.
Segundo Eduardo, após 22 anos da independência, o setor da educação em Timor-Leste ainda enfrenta muitos desafios. “A falta de investimento no setor educativo é clara, pois o orçamento destinado à educação raramente atinge dois dígitos. Além disso, a prática de nomeações políticas e favoritismo no recrutamento de funcionários compromete o funcionamento do sistema”, acrescentou.
Eduardo planeia fazer uma análise mais profunda do sistema educativo timorense, comparando-o com os países vizinhos, para que os leitores possam ter uma perspetiva comparativa do investimento público em educação.
“Sinto-me contente com este prémio, mas ficarei ainda mais feliz quando todas as crianças de famílias pobres tiverem acesso a uma educação de qualidade e puderem realizar os seus sonhos”, afirmou Eduardo.
“Conheço as dificuldades vividas pelas pessoas pobres, porque eu venho de uma família com situação de pobreza e entendo o sofrimento dessas pessoas” afirmou Constâncio Viera/Foto: DR
Constâncio Vieira, vencedor do prémio de melhor produto jornalístico em rádio, partilhou que a sua reportagem Esperança Nabeen (Esperança Derreter- em português) foi inspirada na vida de crianças que perderam o direito à educação. A ideia surgiu em colaboração com o fotógrafo Acácio, que, em 2015, fotografou uma mãe a carregar o seu filho nas costas enquanto recolhia alumínio do lixo para vender. Em 2023, Acácio sugeriu a Constâncio que investigasse a situação da família, sabendo que a criança ainda não estava na escola.
“Visitei a mãe em Rai-Kotu, em Comoro, e escrevi o meu primeiro artigo sobre a situação da criança, que parecia ter perdido toda a esperança. O marido faleceu e, sem meios, a criança não tinha condições para frequentar a escola”, recordou Constâncio.
O jornalista explicou que, após algumas tentativas, o chefe de suco prometeu levar a criança à escola, mas tal não aconteceu de imediato. Em fevereiro de 2024, Constâncio recebeu uma chamada da mãe a informar que o filho ainda não estava matriculado. Graças à sua insistência, a criança finalmente conseguiu ingressar numa escola pública em Tasi Tolu.
“Embora a escola pública seja gratuita, a criança não tinha certificado pré-escolar nem dinheiro para sapatos ou uniformes, o que dificultou a sua entrada na escola”, relatou Constâncio.
O jornalista expressou a sua satisfação, não tanto pelo prémio, mas pelo impacto positivo que a sua reportagem teve na vida da criança. “O verdadeiro prémio é quando o nosso trabalho consegue mudar a vida de alguém”, afirmou.
Francisco Belo, chefe de redação da Hatutan.com, órgão que venceu o prémio de melhor comunicação social, afirmou que o prémio representa um grande desafio, pois a equipa tem a responsabilidade de continuar a produzir jornalismo independente, focado em factos e verdade.
“Infelizmente, em Timor-Leste, muitos órgãos de comunicação social enfrentam dificuldades para realizar investigações devido à influência política e económica. Há meios de comunicação que dependem de subsídios do Governo e jornalistas que, apesar de afirmarem ser independentes, mantêm ligações a partidos políticos”, criticou Francisco.
O prémio Francisco Borja da Costa, atribuído a Januário da Assunção, também foi reconhecido por destacar questões sociais, com o jornalista a apelar aos seus colegas para se focarem em dar voz às pessoas que mais sofrem.
Por sua vez, o vencedor do Prémio Francisco Borja da Costa, Januário da Assunção, jornalista do Jornal Independente, contou que, de segunda a sexta-feira, escreve o que a redação lhe pede, mas que nos fins de semana procura áreas onde a comunidade enfrenta dificuldades. No ano passado, sentiu vontade de visitar o suco Ailok, na aldeia Karau Mate, uma área rural que ainda pertence a Becora.
Relatou que, ao chegar, encontrou um idoso com quem conversou e que lhe contou a sua história. “O tio não recebia qualquer apoio, sofria de deficiência visual, a sua companheira já era idosa, e a casa onde viviam era extremamente precária, sem cama nem colchão. Dormiam no chão e a casa tinha apenas uma porta. Durante a época das chuvas, era difícil aceder ao local”, contou.
Januário escreveu uma reportagem sobre a vida deste casal com deficiência, intitulada “Sacrifício na beira da cidade: Um idoso que vive na Aldeia Karau Mate, suco Becora”. O jovem jornalista admitiu que a sua paixão por escrever reportagens sobre questões sociais foi motivada pelo seu mentor, Constâncio Vieira.
Ele explicou que o seu objetivo não é ganhar prémios, mas sim focar-se em questões sociais desde que iniciou a sua carreira no jornalismo, graças ao seu mentor. “Cobri assuntos políticos, o que é positivo, mas, na minha opinião, não tão importante. Não gosto de escrever apenas sobre o que os políticos dizem, pois isso seria enganar o público. Prefiro fazer reportagens, porque, quando escrevemos, as pessoas leem e, por vezes, oferecem algum apoio, o que é muito mais valioso”, afirmou.
Januário mencionou que já venceu quatro vezes o Prémio Maria Goreti, promovido pelo Centro Nacional Chega, de 2021 a 2024, sendo esta a primeira vez que recebe o Prémio Francisco Borja da Costa, promovido pelo Conselho de Imprensa.
O vencedor apelou aos jornalistas, tanto novos como estagiários, para que se concentrem em questões sociais, uma vez que o princípio do jornalismo é dar voz a quem não tem voz. “Não devemos promover apenas temas políticos, porque o povo ainda sofre. Eles passam por nós e sentimos vergonha. Precisamos aproximar-nos deles para os ouvir”, disse.
“Peço aos meios de comunicação que organizem suas políticas editoriais para definir claramente o seu foco no povo, garantindo que as vozes do povo acabam são ouvidas pelos governantes”, apelou Francisco Belo/Foto: DR
O chefe de redação da Hatutan.com, Francisco Belo, afirmou que a atribuição do prémio à Hatutan.com demonstra que este órgão já é reconhecido pelo público e pela sociedade.
“Este prémio representa uma grande responsabilidade para a Hatutan.com, já que a organização deve continuar a garantir a veracidade, os factos e a precisão nos seus produtos jornalísticos. Estes princípios são fundamentais e a Hatutan.com deve continuar a segui-los para cumprir o seu papel de informar o público de forma responsável”, acrescentou, sublinhando que a Hatutan.com é um órgão de cariz investigativo, criado em 2021.
Francisco Belo destacou ainda que o prémio representa também um desafio, uma vez que é necessário manter a independência. “Devemos estar preparados para enfrentar críticas e opiniões de várias pessoas, especialmente daquelas que são alvo das nossas publicações”, disse.
Acredita que todos os meios de comunicação, quando realizam uma investigação sobre uma determinada questão, enfrentam críticas daqueles que não aceitam a verdade. “O triste na nossa comunidade jornalística é que, às vezes, quando um meio faz uma investigação, acabamos por nos atacar uns aos outros. Isso mostra que a comunidade de media em Timor-Leste não é unida, e que somos mais suscetíveis a cair nas manobras do poder político e económico”, destacou.
Em 2020, quando a Hatutan.com publicou uma investigação sobre o projeto Set Box, “figuras políticas usaram os meios estatais para fazer um contragolpe às nossas publicações, mas, no final, acreditamos firmemente que a verdade nunca morre”, sublinhou.
Francisco Belo avaliou ainda que muitos órgãos de comunicação timorenses não conseguem realizar investigações, pois estão envolvidos com partidos políticos. “Há meios de comunicação que dependem de subsídios do governo, e jornalistas que jogam em dois lados: afirmam ser independentes, mas, ao mesmo tempo, estão ligados a partidos políticos na esperança de que, se aquele partido vencer, possam ser nomeados assessores de imprensa”, afirmou.
O Conselho de Imprensa abre anualmente o concurso para a comunidade de media e para os jornalistas timorenses, de modo a incentivar os profissionais de comunicação a trabalhar de forma crítica e a garantir a qualidade dos seus produtos.
Hoje choraram os meus olhos por ti Eduardo Soares, de alegria, de felicidade pois mereces esse reconhecimento. Para nao ser injusto com nenhum jornalista, merecem todo, premiados ou nao, especialmente no meu querido TL.
E fazer reportagem sobre a desigualdade na educacao, um topico muito chegado ao meu coracao .
Mas a desigualdade em TL vai do nascer a morte. Ate quem tem posses vai numa caixa toda bonita e cara.
Palavras para que?
Hau hadomi ita nia Rai Timor Leste!