Praxe abusiva no ensino em Timor-Leste: um legado militar, violações e impactos na saúde mental

Uma orientação recente, em Ermera, e chamou a atenção do público/Foto: DR

Apesar da proibição do Ministério da Educação, práticas violentas e humilhantes continuam a marcar o início da vida escolar e universitária em várias instituições do país. As denúncias mostram que o trauma atravessa gerações e deixa marcas profundas na autoestima dos estudantes.

A circular do Ministério da Educação que proíbe a violência na praxe continua a ser ignorada por alguns estudantes, como comprovam os vídeos recentemente divulgados nas redes sociais. O sistema militarizado, herdado da ocupação indonésia, mantém-se vivo devido à falta de fiscalização.

Num campo aberto e sob um céu nublado, novos estudantes foram forçados a rastejar na lama fria de Ermera enquanto eram cobertos de óleo. Crianças assistiam à cena com admiração, enquanto os organizadores riam e ameaçavam: “Se não ficarem sujos, vão morrer!”.

O episódio, captado num vídeo que se tornou viral, ocorreu na Escola Secundária Geral Filial de Lebutu, no suco de Hatulia, Ermera. Situações semelhantes foram registadas na Escola Secundária Geral nº 2 de Baucau Vila, onde alunas mais velhas gritaram repetidamente com as caloiras, forçando-as a repetir palavras e expondo-as à humilhação pública.

Durante a ocupação indonésia, a praxe assumiu um caráter militarizado, com bullying sistemático e práticas de intimidação. Embora a independência tenha sido restaurada, esse legado persiste em muitas escolas.

Benjamin Gomes da Cruz Fernandes, diretor nacional do Ensino Secundário Geral do Ministério da Educação, recorda que, em 2021, foi emitida uma circular que proíbe qualquer tipo de violência nas escolas, incluindo nas atividades de integração de novos alunos. Segundo ele, a orientação escolar deveria ser um momento de acolhimento e adaptação ao novo ambiente académico. No entanto, os vídeos recentes mostram que a realidade está longe disso.

“Ainda não sabemos porque os estudantes mais velhos continuam a agir desta forma, mesmo sabendo que é proibido”, disse Benjamim Fernandes, garantindo que a investigação está em curso. “Talvez seja uma questão de ódio acumulado? Das muitas escolas do país, apenas estas duas foram identificadas como infratoras.”

Como medida disciplinar, o coordenador da escola em Ermera foi demitido e o responsável pela turma em Baucau recebeu ordens para punir os alunos envolvidos. Fernandes reconheceu, no entanto, que a falta de inspetores escolares impede uma fiscalização eficaz.

“Era puro bullying“: estudantes recordam praxes humilhantes 

Flamina Barbosa, estudante de Direito na UNPAZ, lembra-se de quando ingressou na Escola Secundária Geral 4 de Setembro UNAMET, em Díli, em 2019. Para ela, a praxe não serviu para integração, mas sim para abuso e humilhação.

“Se chegássemos atrasados, os mais velhos gritavam connosco e obrigavam-nos a correr, segurando um pau e imitando vendedores de pão”, relatou. “Tínhamos que usar chupeta, conduzir uma vassoura, pintar a cara… era puro bullying.”

Quando chegou ao 11.º ano, foi escolhida para a equipa da praxe. “No início, tinha medo, mas com o tempo, habituamo-nos. Fui forçada a ser agressiva e a gritar com os novos alunos.” De vítima a agressora, o ciclo continuava.

Para alguns, as memórias da praxe são tão traumáticas que evitam recordá-las. Abélia (nome fictício), ex-aluna do Colégio Paulo VI, descreve o episódio mais humilhante da sua vida.

“Levei uma piaçaba usada porque não tínhamos dinheiro para comprar uma nova. O estudante mais velho viu e ordenou que colocasse o cabo na boca. Obedeci, com medo de ser castigada ainda mais. Fiquei tão envergonhada que, na altura, culpei a minha mãe por não me ter comprado coisas novas. Mas agora percebo que o erro não era nosso”, contou, emocionada.

Além disso, foi obrigada a comprar fruta e chocolates para os veteranos, produtos caros para a maioria dos estudantes timorenses.

Os estudantes são obrigados a seguir um código visual rigoroso durante a praxe em várias escolas. Camisa branca, calças pretas, meias compridas por cima das calças e um cartão pendurado ao peito com o nome, morada, data de nascimento e passatempo preferido. No caso das raparigas, o cabelo deve ser preso em várias partes com cordas de ráfia, e é obrigatório levar utensílios de limpeza.

Em algumas escolas de Díli, o ritual mantém-se: chapéus feitos de folha de palmeira, identificação visível ao peito, vestuário preto e branco e, no caso das raparigas, duas tranças.

Novo tipo de chapéu apareceu em algumas orientações em algumas escolas, em Atsabe, em janeiro deste mês/Foto: Jomar

Na Escola Secundária Técnico-Vocacional 28 de Novembro, em Becora, os estudantes continuam a vestir preto e branco, mas já não usam chapéu nem outros acessórios mais radicais. No entanto, algumas tradições persistem.

Natércia do Rego Gomes, estudante de 15 anos, contou que, no primeiro dia, levou consigo uma vassoura, espanador, pano de vidro, foice, caderno e lápis, conforme indicado. O cabelo dela e de outras colegas foi entrançado e preso com cordas de ráfia.

“Fiquei assustada quando os professores nos mandaram prender o cabelo com ráfia. Senti-me envergonhada, mas como todas fizeram, acabei por seguir o exemplo”, relatou a estudante.

Ao ser questionado sobre o uso da ráfia, o diretor da escola, Tomás Pinto, ficou surpreendido e ordenou ao conselho estudantil que substituísse a ráfia por elásticos normais. No entanto, a recomendação foi ignorada e as raparigas continuaram a usar ráfia nos dias seguintes.

Tomás Pinto rejeita qualquer forma de intimidação ou violência na praxe. Para ele, castigos físicos, supostamente usados para “fortalecer” os estudantes, apenas causam humilhação e prejudicam a autoestima. Defende que até os gritos devem ser eliminados, pois apenas contribuem para um ambiente hostil.

“Felizmente, os nossos dias de orientação estavam cheios de palestras, senão teríamos sido intimidados”, contou uma aluna da escola.  As palestras incluíram temas como regras de trânsito, HIV/SIDA, regulamentos da escola e testemunhos de ex-alunos bem-sucedidos. No entanto, algumas atividades foram além disso: os novos estudantes foram obrigados a exibir os seus talentos em frente de toda a turma, sob o argumento de que isso “fortalece a autoconfiança”.

Na Escola Secundária Geral 4 de Setembro UNAMET, em Díli, o bullying é oficialmente proibido, mas há quem veja os gritos como parte essencial da praxe. Bárbara Letícia Soares, aluna do 12.º ano e chefe do conselho estudantil, acredita que tem o direito de gritar com os novos estudantes se estes não cumprirem ordens ou chegarem atrasados.  “Na orientação, treinamos os novos estudantes para serem disciplinados, pontuais e respeitarem as regras da escola”, justificou.

Bárbara Letícia detalhou que, na dinâmica de grupo, os estudantes tinham de carregar latas vazias enquanto andavam de um lado para o outro, memorizar os nomes dos membros do conselho estudantil e participar em outras provas. A polícia esteve presente para garantir que não ocorriam agressões físicas.

“Enquanto membros do comité da orientação, não podemos rebaixar os colegas, e a praxe não pode ser exagerada. O nosso objetivo é apenas treinar a autoconfiança”, afirmou, reconhecendo que os gritos podem ser desnecessários. No entanto, ressalvou que ninguém é obrigado a cooperar.

Nem todos os estudantes encaram a praxe com naturalidade. Tomy da Conceição Ataíde, de 16 anos, contou que alguns colegas ficaram intimidados com os gritos dos mais velhos.  “Fui obrigado a dançar à frente de toda a gente. Alguns seniores empurraram-me a cara, mas os professores disseram que era só para testar a nossa autoconfiança”, relatou.

No Colégio São João Paulo II, em Bedois, a praxe decorria normalmente até que a chefe do conselho estudantil perdeu o controlo. Os estudantes novos tinham três dias para decorar a oração do Ângelus. Quem não conseguiu, levou bofetadas como castigo.

Segundo Rivaldo da Silva Ximenes, membro do conselho estudantil, a atitude foi uma decisão isolada da chefe.  “Em nome da equipa, pedimos desculpa aos colegas”, afirmou.

Adeodato Belarmino Gonçalves, professor e responsável pela orientação, assegurou que a estudante recebeu uma advertência formal. No entanto, as sanções para atrasos e incumprimento de regras continuam a incluir castigos físicos, como caminhar em posição de pato ou limpar o recinto escolar.

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A orientação na Escola São João Maria Vianey em janeiro de 2025/Foto: Gomar (FB)

A praxe como prática ultrapassada 

Para Duarte da Costa, chefe do Gabinete de Apoio Técnico da Escola Secundária Técnico-Vocacional, a praxe tradicional não faz sentido no contexto atual.  “Era um treino militar para preparar soldados para a guerra. Não tem aplicação no ensino”, declarou.

Segundo ele, as escolas deviam focar-se numa educação que estimule o pensamento crítico e a argumentação, em vez de um sistema baseado na obediência cega.  Duarte da Costa alertou ainda para um problema perigoso: o risco de vinganças entre estudantes.

“Alguns alunos envolvidos em grupos de artes marciais ou com rivalidades entre bairros podem usar a praxe como pretexto para humilhar ou castigar colegas”, explicou. Também apontou para o comportamento inadequado de alguns estudantes que “vêm com atitudes problemáticas, como teimosia, alcoolismo e tabagismo. A orientação devia ser usada para mudar esses comportamentos, não para perpetuar agressões.”

Nas universidades, a praxe também teve um passado marcado pela violência. Em 2013, na Universidade da Paz (UNPAZ), a praxe começava às 4h da manhã. Rogério da Costa, então com 23 anos, já se levantava às 2h30 para preparar o pequeno-almoço e levá-lo consigo. Sem transporte disponível a essa hora, saía de casa às 3h e percorria a pé os 3 quilómetros que separavam Fatuhada da universidade, em Manleu. Durante quase uma semana, esta foi a sua rotina.

“Foi muito duro”, recorda. “Uma noite, enquanto caminhava, alguns jovens bêbados ameaçaram-me com uma faca, riscando-a no chão à minha frente. Fiquei com medo, mas baixei a cabeça para evitar problemas.”

O medo de chegar atrasado era ainda maior. Quem não comparecesse a horas enfrentava castigos humilhantes no portão da universidade: rastejar no chão, agachar-se repetidamente ou rolar pelo chão enquanto era encharcado com água. Os estudantes de bairros mais distantes, como Becora, eram os que mais sofriam. Para evitar as punições, alguns optaram por pagar táxis de madrugada.

“A equipa de orientação esperava à porta com um pau grande nas mãos para ameaçar os atrasados. Felizmente, nunca o usaram”, contou Rogério.

Os novos estudantes eram forçados a vestir preto e branco e a usar um chapéu feito de folha de palmeira. No peito, penduravam dois cartões de identificação, um à frente e outro atrás. Os homens deviam rapar o cabelo muito curto e usar meias longas por cima das calças, enquanto as mulheres eram obrigadas a trançar o cabelo e prendê-lo com casca de caule de bananeira. Também tinham de levar utensílios de limpeza, como balde, vassoura, recipiente de plástico e esfregona.

A lista de castigos durante a praxe incluía pintar a cara dos estudantes com marcadores permanentes caso não obedecessem às ordens, obrigá-los a fumar quatro ou cinco cigarros ao mesmo tempo se fossem apanhados a fumar na casa de banho, e fazer flexões como punição. Os atrasados tinham de percorrer o recinto da universidade com um vaso na cabeça, enquanto gritavam “pão, pão, pão”.

Abrão Ximenes, funcionário da UNPAZ e antigo membro do conselho estudantil, testemunhou abusos ainda mais graves. “Houve um momento em que um membro corpulento da equipa de praxe se deitou em cima de um estudante. Algumas raparigas que insultaram os veteranos foram obrigadas a arrastar-se na lama. Vi membros da equipa darem pancadas noutros estudantes para se vingarem de problemas pessoais.”

A praxe era aberta ao público, e muitas vezes os espectadores interferiam. “As pessoas gritavam sugestões sobre o que devíamos fazer com os novos estudantes, e a equipa obedecia”, confessou Abrão. “Sinto-me mal por estas situações, mas, naquela altura, acreditávamos que era necessário para mudar a mentalidade dos estudantes do secundário e torná-los mais ‘académicos’.”

A brutalidade da praxe teve consequências. Em vez de integração, gerou revolta e ódio entre os estudantes. Abrão Ximenes reconhece que o poder conferido à equipa foi mal utilizado.  “Os abusos passaram dos limites. Os caloiros decidiram vingar-se da associação estudantil depois de cada praxe”, relatou.

O clima de tensão escalou para níveis perigosos. Em certo momento, um estudante, apoiado por amigos, esperou à saída da universidade para matar o chefe da associação estudantil. O motivo? Durante a praxe, o líder da equipa ultrapassou todas as linhas do bullying e da humilhação, sem usar qualquer distintivo que o identificasse como responsável. O conflito entre associação e estudantes degenerou em confrontos entre grupos de artes marciais.

Rogério da Costa lembra-se bem desse ambiente de violência. “Quase todos os dias havia problemas. Antes de voltarmos para casa, havia sempre brigas e até pedras eram atiradas entre os familiares dos estudantes e a equipa da praxe.”

A rivalidade entre veteranos e caloiros continuava dentro e fora da universidade. “Muitos estudantes carregavam ódio contra a equipa de praxe e procuravam formas de se vingar”, explicou Abrão.

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Os estudantes na maioria das escolas continuam a sentar-se no chão para ouvir as palestras/Foto: DR

Rogério também foi vítima de abusos físicos. Certo dia, por se ter sentado fora da linha estipulada, um membro da equipa deu-lhe um pontapé na perna com uma bota.  “Fiquei com a perna inchada. Quase chorei, mas não me revoltei, porque sentia-me pequeno e não sabia o que fazer. Se houvesse uma lei que me protegesse, teria feito queixa”, afirmou.

O jovem também foi alvo de uma colega veterana. Após sofrer um acidente que lhe deixou arranhões na cara, a estudante desenhou na sua ferida com um marcador permanente.  “Doía muito. A ferida ainda era recente e o marcador pressionava e puxava a pele”, recordou.

No final da praxe, os membros da associação estudantil justificavam os abusos como um “treino de paciência e autoconfiança”, alertando que a vida universitária seria difícil e exigiria resiliência.

Mesmo assim, Rogério viu algum valor na experiência. “Por mais desafiador que tenha sido, ajudou-me a preparar para lidar com professores exigentes e colegas complicados. Também me treinou a acordar mais cedo”, admitiu.

Quando chegou ao 7.º semestre, em 2016, foi convidado a integrar a equipa de orientação. “Não repeti o que me fizeram, porque tive pena dos novos estudantes. Mas vi que os meus colegas continuaram com os mesmos abusos, e as brigas nunca pararam”, contou.

Para alguns estudantes, entrar na equipa da praxe não era uma questão de tradição, mas sim de vingança. “Vi pessoas que se juntaram só para se vingar do que sofreram. Nem sabiam responder a perguntas básicas sobre o curso, mas estavam lá para gritar e humilhar os outros”, observou Rogério.

A rivalidade entre veteranos e caloiros ultrapassava a praxe e prolongava-se ao longo do curso. “Mesmo depois do evento de reconciliação à volta da fogueira, em que supostamente nos desculpávamos uns com os outros, a verdade é que muitos ainda se odiavam e continuavam a procurar formas de brigar e vingar-se”, concluiu.

Desde 2019, a UNPAZ reformulou a praxe. Agora, os alunos apenas assistem a palestras e a atividades de integração, sem violência nem humilhação.  “Os membros da associação estudantil só podem orientar e organizar. Quem ultrapassar os limites é expulso”, afirmou Abrão Ximenes, funcionário da universidade.

Apesar das mudanças, Francisco Martinho, estudante de Enfermagem na Universidade de Díli (UNDIL), ainda vê valor na praxe tradicional: “Acho que os gritos fazem parte do treino para fortalecer a autoconfiança, desde que não sejam agressivos.”

A praxe em Portugal: a tradição justifica o sofrimento?

A praxe académica em Portugal tem sido um tema controverso ao longo dos anos. Embora muitos a defendam como uma tradição universitária que promove o espírito de grupo e a integração dos novos estudantes, a realidade é que, em várias ocasiões, os limites foram ultrapassados, resultando em agressões, humilhações e até tragédias. Casos como o da Praia do Meco, em 2013, onde seis estudantes perderam a vida arrastados pelo mar durante uma praxe, ou o de um jovem da Universidade do Minho, que ficou gravemente ferido após ser forçado a ingerir grandes quantidades de álcool, expõem o lado mais sombrio desta prática.

Além das mortes e dos acidentes graves, há inúmeros relatos de estudantes que sofreram traumas psicológicos devido a praxes violentas, marcadas por abusos físicos, intimidação e rituais degradantes. Muitos acabam por abandonar os estudos ou desenvolver ansiedade e depressão devido à pressão e humilhação a que foram sujeitos. Apesar das tentativas de regulamentação e de um crescente movimento contra os excessos da praxe, a cultura de silêncio e medo que envolve estas práticas ainda impede que muitos casos sejam denunciados.

Nos últimos anos, têm surgido movimentos antipraxe que rejeitam qualquer forma de coação ou humilhação nos rituais de integração académica. Associações como o Movimento Antipraxe promovem campanhas de sensibilização e apoiam estudantes que se recusam a participar nestas atividades, garantindo que não sejam discriminados por isso. Além disso, algumas universidades têm reforçado medidas para garantir que a praxe seja opcional e que não haja represálias contra quem não quer aderir. Estes movimentos incentivam uma cultura académica mais inclusiva, baseada no respeito e na liberdade individual, desafiando a ideia de que a tradição justifica o sofrimento.

Impactos psicológicos: um trauma que pode durar anos 

As praxes abusivas podem ter consequências graves na saúde mental dos estudantes, alerta o especialista em psicologia clínica Alessandro Boarccaech. Humilhações sofridas durante essas práticas podem desencadear novos traumas ou reativar feridas emocionais antigas, especialmente quando envolvem abusos emocionais, físicos ou sociais.

“A curto prazo, podem provocar baixa autoestima, levando as vítimas a sentirem-se inferiores, desvalorizadas e incapazes de lidar com desafios”, explica o psicólogo. A exposição a situações humilhantes pode gerar um ciclo de pensamentos negativos, afetando a perceção do próprio valor e desencorajando a expressão de opiniões e capacidades. A confiança nas relações interpessoais também pode ser prejudicada, fazendo com que a vítima desenvolva medo de rejeição, dificuldades em confiar nos outros, comportamentos submissos ou receio constante de ser punida.

Além disso, praxes abusivas podem provocar ansiedade, stress, medo constante de novas agressões, raiva, agressividade, sentimento de impotência e isolamento social. Outro impacto significativo é a redução do desempenho académico, muitas vezes causada pela dificuldade de concentração e pelo elevado nível de stress. A longo prazo, as consequências podem ser ainda mais graves. Entre elas, Boarccaech destaca depressão, dificuldades em estabelecer relações interpessoais, transtornos de ansiedade, como ataques de pânico e fobias sociais, a reprodução do ciclo de agressões e, em casos extremos, o desenvolvimento de pensamentos suicidas.

O psicólogo alerta para alguns sinais que professores, familiares e amigos devem observar, pois podem indicar que um estudante está a sofrer os efeitos de uma praxe abusiva. “Mudanças comportamentais, como isolamento social, retraimento ou relutância em participar em atividades escolares e sociais, são sinais preocupantes”, afirma. Além disso, podem surgir sinais de ansiedade, como medo ou recusa em ir à escola, queixas de dores de cabeça ou de estômago sem causa aparente, alterações no sono ou no apetite, marcas inexplicáveis no corpo, roupas ou pertences danificados e mudanças de humor, como tristeza, irritabilidade ou explosões emocionais.

A pressão para participar em praxes pode gerar um intenso conflito interno entre o desejo de pertencimento ao grupo, a necessidade de submeter-se às regras impostas pelos mais velhos e o instinto de autopreservação. Esse tipo de tensão psicológica pode agravar sentimentos de insegurança e levar a consequências emocionais profundas.

Para apoiar as vítimas de praxes humilhantes e traumatizantes, o psicólogo defende que é essencial ouvi-las com empatia e sem julgamentos, validando os seus sentimentos e experiências. Demonstrar apoio emocional é fundamental para que a vítima não se sinta sozinha e saiba que pode contar com ajuda. Incentivar a procura de apoio profissional, como acompanhamento psicológico, pode ser um passo importante para superar o trauma. Paralelamente, é essencial respeitar o tempo e os limites da pessoa, sem a pressionar a reviver a experiência. Caso necessário, é importante apoiar a formalização de denúncias junto das autoridades ou instituições de ensino para garantir que os responsáveis sejam responsabilizados e que futuras vítimas sejam protegidas.

Segundo Alessandro Boarccaech, as praxes abusivas são uma manifestação de dinâmicas agressivas, mas não a sua causa. Para erradicar comportamentos abusivos, é fundamental transformar estas práticas em experiências saudáveis e integradoras. O primeiro passo para essa mudança passa pela promoção de um ambiente de respeito e inclusão, onde a integração dos novos estudantes seja feita sem coerção ou humilhação. As instituições de ensino devem estabelecer regras claras que proíbam qualquer forma de abuso, garantindo sanções rigorosas para os infratores e assegurando que todas as atividades sejam voluntárias.

A sensibilização dos estudantes é outro fator essencial. Através de palestras, workshops e de um contacto mais próximo entre alunos e professores, é possível reforçar a importância dos limites individuais e incentivar a mudança de comportamentos agressivos. O incentivo a atividades colaborativas, como ações solidárias e dinâmicas de grupo, pode fortalecer o espírito de equipa e permitir a integração dos novos estudantes sem recorrer a rituais de humilhação.

A supervisão das atividades de praxe por docentes e representantes institucionais pode ajudar a prevenir abusos e garantir que os regulamentos sejam cumpridos. Além disso, a criação de canais de denúncia confidenciais e o acesso a apoio psicológico para as vítimas são medidas fundamentais para minimizar os impactos negativos das praxes e evitar que casos de abuso sejam silenciados.

Por sua vez, o diretor nacional do Ministério da Educação incentivou os alunos a denunciarem casos de violência aos inspetores escolares, garantindo que a identidade dos denunciantes será protegida.

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  1. É preciso dar um basta a esta prática de bullying. Arrastar pela lama, ser encharcado com água gelada, levar tapas por não memorizar uma oração, fumar vários cigarros ao mesmo tempo como punição, carregar um vaso na cabeça enquanto grita ‘pão, pão, pão’ ou até ser obrigado a colocar um cabo de piaçaba na boca. Em Timor-Leste, essa prática vai muito além de uma simples integração acadêmica. O legado militar e a humilhação continuam a marcar gerações de estudantes. Até quando?

    Essa questão é profundamente preocupante e exige uma ação imediata para proteger nossos jovens de tais práticas abusivas e desumanas. O bullying deixa cicatrizes emocionais e psicológicas duradouras, prejudicando o desenvolvimento saudável dos estudantes. É imperativo que governos, instituições educativas e a sociedade como um todo se unam para erradicar essas práticas.

    Educação e conscientização são passos fundamentais nessa luta. Precisamos promover uma cultura de respeito e empatia nas escolas, onde cada aluno possa se sentir seguro e valorizado. Além disso, deve haver políticas claras e rigorosas para lidar com casos de bullying, garantindo que os responsáveis sejam responsabilizados e que as vítimas recebam o apoio necessário.

    Apenas através de um esforço coletivo poderemos pôr fim a essa prática nociva e construir um ambiente educacional onde todos os estudantes possam prosperar sem medo ou humilhação. É hora de agir e garantir que a dignidade e os direitos das crianças e jovens sejam plenamente respeitados.

  2. Sou contra a praxe. Sempre fui e serei. Há muitas formas de integrar os colegas novos, sem ser humilhando-os. A Universidade do Porto tem um serviço de mentoria para tentar combater a praxe: os estudantes mais velhos acolhem os mais novos de forma amiga e civilizada. Parece-me melhor do que humilhação, violência e outras coisas piores. Obrigada pela vossa reflexão!

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