Para compreender o comportamento obsessivo-compulsivo

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo ainda é pouco compreendido pela maioria das pessoas/Foto: GRACIA LAM / NYT

Quem nunca voltou a casa para verificar se trancou a porta ou se as luzes estavam mesmo desligadas? Há quem tenha uma camisola da sorte que usa sempre nos dias de jogo da sua equipa, quem insista em sentar-se sempre na mesma cadeira para estudar ou, ainda, quem faça o sinal da cruz antes de um exame. Algumas pessoas têm o hábito de bater três vezes na madeira para afastar o azar, outras evitam passar debaixo de escadas ou organizam os livros e objetos em ordem simétrica. Estes comportamentos, que por vezes parecem apenas ‘manias’ engraçadas ou superstições inofensivas, não são incomuns e, até mesmo, podem render boas histórias em conversas entre amigos e familiares.

Mas, e quando o impulso de verificar a fechadura se repete dezenas de vezes ou a necessidade de realizar certos rituais impede alguém de sair de casa? É nesse ponto que podemos estar perante um caso de transtorno obsessivo-compulsivo, ou TOC, uma condição que envolve pensamentos intrusivos e comportamentos compulsivos que causam ansiedade e sofrimento psíquico.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o TOC está entre os dez transtornos mentais mais incapacitantes, afetando a qualidade de vida de quem o enfrenta. Neste artigo, vamos compreender um pouco mais sobre o TOC, como se manifesta e porque é importante falar sobre ele com empatia e sem estigmas.

O que é o Transtorno Obsessivo-Compulsivo?

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é uma condição de saúde mental caracterizada por pensamentos, impulsos ou imagens persistentes, intrusivas e indesejadas que causam ansiedade ou sofrimento psíquico (obsessões). Para aliviar a ansiedade, a pessoa recorre a comportamentos repetitivos ou a certos pensamentos (compulsões). Estes sintomas tendem a consumir muito tempo, provocar sofrimento e interferir negativamente nas atividades pessoais, educativas, familiares, sociais e profissionais.

Como é feito o diagnóstico do TOC?

Conforme o DSM-V-TR e o CID-11, para ser reconhecido como TOC, as obsessões e as compulsões precisam ocupar uma parte significativa do dia (por exemplo, mais de uma hora) e causar sofrimento ou prejuízo na vida da pessoa. Além disso, é necessário que os sintomas não estejam apenas associados a preocupações típicas de outras condições, como ansiedade relacionada com doenças (hipocondria) ou distúrbios alimentares (como anorexia), entre outros.

Como as pessoas com TOC percebem os seus sintomas?

Nem todas as pessoas com TOC têm a mesma perceção sobre os seus comportamentos. Algumas apresentam um bom ou razoável nível de consciência, reconhecendo – ainda que não consigam controlar – que os seus medos são exagerados ou improváveis. Outras possuem um nível mais reduzido de consciência, com uma crença parcial ou total na veracidade desses medos. Há ainda casos em que a pessoa não reconhece que os seus comportamentos e medos são desproporcionais à situação vivida, ou desenvolve crenças delirantes, acreditando que algo grave acontecerá se não realizar os seus rituais. Esses níveis de consciência não são fixos, podendo a mesma pessoa oscilar entre diferentes perceções ao longo do tempo.

Fatores associados ao TOC

A maioria das pessoas com TOC também apresenta sintomas de outras condições psicológicas, como ansiedade, depressão ou tiques, por exemplo. Entre os fatores de risco estão a ansiedade intensa na infância, experiências traumáticas, infeções ou predisposição genética. Ter um familiar próximo com TOC, especialmente quando os sintomas surgem na infância, também aumenta a probabilidade de desenvolver a condição.

 Qual é a diferença entre o TOC e o Transtorno de Tique?

O TOC e os Transtornos de Tique diferenciam-se pela origem e pela função dos comportamentos associados. No TOC, ocorrem obsessões – pensamentos, imagens ou impulsos intrusivos e indesejados – seguidas de compulsões, que são comportamentos repetitivos ou atos mentais realizados conscientemente – embora, muitas vezes, contra a própria vontade – para aliviar o desconforto ou evitar algo temido. Já os tiques são movimentos ou sons que ocorrem de forma súbita, rápida e involuntária, como piscar os olhos, encolher os ombros, emitir sons com a garganta, entre outros. Estes comportamentos não estão ligados a pensamentos obsessivos e não têm uma intenção consciente. Muitas vezes, os tiques aliviam uma sensação de tensão física momentânea. Algumas pessoas podem ter sintomas tanto de TOC como do Transtorno de Tique. De forma geral, as compulsões no TOC têm uma motivação psicológica clara, enquanto os tiques ocorrem de forma mais automática.

 Características culturais do TOC

O TOC ocorre em diversas culturas e afeta igualmente homens e mulheres. No entanto, observa-se que os homens tendem a desenvolver os sintomas mais cedo e apresentam mais tiques, enquanto as mulheres revelam mais sintomas relacionados à limpeza. Durante a gravidez ou no pós-parto, é possível o aparecimento ou agravamento dos sintomas, o que pode afetar o vínculo com o bebé. As obsessões e compulsões podem variar dependendo da cultura, mas temas como limpeza, simetria, acumulação e medos de prejudicar outras pessoas são comuns em diferentes contextos.

Como o TOC afeta a vida da pessoa?

O TOC pode comprometer a qualidade de vida, causando problemas nas relações sociais, profissionais e familiares. O tempo e a energia gastos em rituais e na evitação de determinadas situações pode levar a dificuldades no trabalho, na escola ou nas relações interpessoais. Algumas práticas compulsivas podem ter efeitos físicos, como lavar as mãos em excesso, provocando feridas ou infeções. O medo de contaminação pode levar à evitação de hospitais ou médicos, mesmo em situações de urgência. Em contexto familiar, podem surgir conflitos quando a pessoa impõe regras rígidas ou exige que os outros participem dos seus rituais. Entre os jovens, o TOC pode prejudicar a socialização, o rendimento escolar e o processo de autonomia. Nos casos mais graves, pode limitar a realização de atividades básicas do dia a dia, como sair de casa, utilizar transportes públicos ou alimentar-se de forma regular.

Alguns exemplos comuns do TOC

Como mencionei anteriormente, as obsessões e compulsões podem variar conforme a cultura, o contexto histórico e as características de cada pessoa. Mas, apenas para ilustrar, aqui estão alguns exemplos genéricos:

Medo de contaminação por germes, bactérias ou sujidade: a pessoa sente-se constantemente suja ou contaminada e, para aliviar o desconforto, lava as mãos repetidamente ou limpa objetos de forma exagerada.

Dúvidas sobre ações simples e quotidianas: a pessoa verifica várias vezes as trancas, interruptores, as torneiras ou aparelhos elétricos. Apesar de perceber que já fez isso, a insegurança mantém o ciclo de confirmações.

Pensamentos agressivos ou medo de magoar alguém involuntariamente: evita objetos cortantes, lugares movimentados ou pede constantemente confirmação de que não prejudicou ninguém. A pessoa teme perder o controle e tenta evitar qualquer situação de risco.

Necessidade de simetria ou perfeição: alinha objetos, reorganiza papéis ou ajusta itens até ‘sentir’ que está certo. Só relaxa quando o ambiente está exatamente como acredita que deve estar.

Medo de cometer blasfémia, pecar em pensamento ou de ofender os espíritos ou a Deus: leva à repetição de orações, confissões, gestos e rituais de purificação ou à evitação de igrejas e cerimónias religiosas por medo de ‘ofender’ o que considera sagrado.

Receio de dizer algo ofensivo ou inadequado: revê mensagens, e-mails ou conversas várias vezes, com medo de ter magoado alguém ou cometido um erro sem se dar conta.

Dúvidas obsessivas sobre o relacionamento: pensamentos repetitivos como ‘será que eu gosto mesmo dessa pessoa?’, ‘e se estiver com a pessoa errada?’ ou ‘será que a outra pessoa gosta de mim?’, levando a rituais mentais ou comportamentais em busca por certezas e validação.

Foco excessivo em sensações corporais: atenção exagerada a batimentos cardíacos, à respiração ou a outras sensações internas, com medo de que algo esteja errado. A pessoa passa a verificar constantemente – várias vezes por dia – para tentar aliviar a ansiedade ou obter a certeza de que está tudo bem.

Medo de causar acidentes sem perceber: a pessoa teme, por exemplo, ter atropelado alguém ou deixado algo perigoso na rua. Mesmo sem indícios reais de que algo tenha acontecido, pode voltar várias vezes ao local para verificar ou procurar garantias com outras pessoas, numa tentativa de controlar a ansiedade.

Como é feito o tratamento?

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo ainda é pouco compreendido pela maioria das pessoas. Por isso, recomenda-se a psicoeducação, para que a pessoa e os seus familiares possam compreender melhor as causas e os sintomas do TOC. A psicoterapia também ajuda a pessoa a identificar e entender as causas dos sintomas e a enfrentar os seus medos, reduzindo a necessidade dos rituais compulsivos. A combinação destas abordagens tem-se mostrado mais eficaz do que apenas tentar controlar os pensamentos negativos. Em muitos casos, também são utilizados medicamentos antidepressivos, que aumentam os níveis de serotonina no cérebro, ajudando a controlar os sintomas.

Se você ou alguém próximo apresenta esses sintomas, procure ajuda. Com apoio e o tratamento adequado, é possível recuperar a qualidade de vida e retomar o bem-estar no dia a dia.

Alessandro Boarccaech é psicólogo, especialista em psicologia clínica, psicoterapeuta, semiótico e Ph.D. em antropologia.

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