Para compreender o comportamento autolesivo

A terapia psicológica, tanto para jovens como para adultos, pode ajudar na gestão das emoções e no desenvolvimento de estratégias de abordagem mais adequadas e saudáveis/Foto:DR

Comportamentos autolesivos, também conhecidos como automutilação, são um problema de saúde mental atual e crescente, especialmente entre adolescentes. Consistem em ações intencionais que causam danos físicos ao próprio corpo, geralmente utilizados como uma forma de lidar com sentimentos de dor emocional, stress ou sofrimento psicológico. Embora não estejam diretamente relacionados com a intenção de suicídio, são um sinal claro de mal-estar emocional e requerem atenção de familiares, educadores e profissionais de saúde mental. Compreender as causas, manifestações e fatores de risco associados a este tipo de comportamento é importante para a criação de estratégias eficazes de prevenção e intervenção.

O que são comportamentos autolesivos?

Comportamentos autolesivos são ações repetidas, onde o próprio indivíduo causa lesões superficiais e dolorosas na superfície do corpo, como uma forma de reduzir emoções e pensamentos negativos, o sofrimento psicológico, resolver dificuldades interpessoais ou, ainda, como uma maneira de autopunição.

Como se manifestam os comportamentos autolesivos?

As autolesões podem incluir cortes, queimaduras, perfurações na pele, arranhões, bater em si próprio, arrancar o cabelo, ingerir substâncias tóxicas ou mesmo comportamentos de risco, nos quais a pessoa pode sofrer algum acidente. De certa forma, estes comportamentos procuram, através da dor física, um alívio temporário para a dor emocional.

Quais os critérios de diagnóstico?

Para ser diagnosticado, os comportamentos autolesivos precisam de ocorrer de forma repetitiva e intencional, por no mínimo cinco dias no último ano, podendo provocar dor, contusões, sangramentos ou a expectativa de um dano físico. Este comportamento pode ou não envolver ideias suicidas. O diagnóstico é feito por um profissional de saúde mental por meio de técnicas e métodos específicos para compreender as causas, a frequência, os gatilhos e a intensidade dos sintomas.

Quais as causas dos comportamentos autolesivos?

As causas podem incluir: dificuldades emocionais, como depressão ou ansiedade; conflitos com os pais, educadores ou responsáveis; traumas ou abusos físicos, psicológicos ou emocionais; dificuldade em expressar ou lidar com emoções intensas; dificuldades escolares; sentimento de vazio ou desconexão; conflitos interpessoais; dificuldades de socialização. A autolesão pode ser uma maneira de pedir ajuda, ou de manifestar a sua raiva, ou uma forma de autopunição para compensar sentimentos de culpa e vergonha, ou tentativa de controlar sentimentos intensos, entre outros.

A autolesão pode ser consequência de algum transtorno mental?

O comportamento autolesivo não está diretamente vinculado a um transtorno mental específico, mas pode ser desencadeado ou agravado por condições como transtornos psicóticos, depressão, ansiedade, transtornos alimentares, transtorno de escoriação, tricotilomania, transtorno do espectro autista, transtorno de desenvolvimento intelectual, transtorno do comportamento suicida, síndrome de Lesch-Nyhan, transtorno do movimento estereotipado, ou ainda, em casos de intoxicação ou abstinência de substâncias, entre outros. Na avaliação, o profissional de saúde mental fará um diagnóstico diferencial para identificar se o comportamento é uma autolesão ou sintoma de outro transtorno mental ou condição médica.

Quem são as pessoas que praticam autolesão?

Os estudos sobre comportamentos autolesivos são unânimes em afirmar que estes atos não dependem das condições socioeconómicas, orientação sexual, nível de escolaridade, crenças religiosas ou cor da pele. Contudo, este comportamento costuma aparecer com mais frequência na adolescência (a partir dos 13 anos de idade). Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR, sigla em inglês) a proporção dos casos diagnosticados entre o sexo feminino e masculino são relativamente próximos, correspondendo a 3:1 ou 4:1.

Quais os principais fatores de risco?

Os fatores de risco dividem-se em três eixos principais:

Individuais: insegurança, baixa autoestima, impulsividade, pessimismo, distorção da imagem corporal, instabilidade emocional, uso de substâncias psicoativas, depressão, ansiedade, sofrer negligência, dificuldade de afeto, stress emocional, doenças graves ou cirurgias na infância, entre outros;

Familiares: violência familiar, ambiente familiar agressivo, abandono afetivo por parte dos cuidadores, separação dos pais, problemas de saúde física ou mental dos pais, família com relações disfuncionais, pais ou cuidadores usuários de drogas ou álcool, desvalorização ou rejeição na família, entre outros;

Sociais: dificuldade de relacionamento, isolamento social, sofrer bullying, colegas ou pessoas próximas que praticam a autolesão, influência dos meios de comunicação, entre outros.

Quais os principais fatores de proteção?

De uma forma geral, ambientes estáveis onde a pessoa se sente incluída, segura, com suporte emocional, onde pode expressar-se e ser ouvida, diminuem a incidência de comportamentos autolesivos.

Qual a influência do mundo digital neste tipo de comportamento?

O mundo digital pode tanto aumentar o risco como oferecer apoio. As redes sociais podem normalizar, incentivar ou até ensinar técnicas e estratégias sobre como praticar a autolesão. Existem vídeos e grupos online que promovem desafios, incentivando os jovens a praticar autolesão. Por outro lado, há grupos de apoio que esclarecem e fornecem alternativas para lidar com as dificuldades emocionais e evitar comportamentos autolesivos. Por isso, é importante que os pais, responsáveis e amigos estejam atentos.

Quais os principais tipos de lesões?

É comum que as pessoas que praticam a autolesão tentem esconder os ferimentos. Procuram lugares e momentos onde possam estar sozinhas e ferem partes do corpo que possam ocultar facilmente, como a área frontal das coxas e o lado dorsal do antebraço, mas, também, pode ocorrer na barriga, pulsos, tornozelos e outras partes das pernas. Quando descobertos, tendem a atribuir as lesões a acidentes involuntários, como arranhões de gatos e outros animais domésticos, quedas, entre outros. As principais lesões incluem cortes na pele, queimaduras, arranhões, arrancar cabelo ou unhas, perfurar a pele com objetos pontiagudos e bater contra objetos ou em si próprios.

Este tipo de comportamento apresenta outros riscos para a saúde da pessoa?

A autolesão pode deixar marcas permanentes no corpo, há a possibilidade de transmissão de doenças por meio do contacto com o sangue de outras pessoas que compartilham os mesmos objetos para praticar uma lesão, infeções que podem desencadear outros sintomas e doenças, lesões graves e etc. Na dimensão psicológica e emocional pode ter impacto a longo prazo na autoestima, na capacidade de interação social, no rendimento escolar, na habilidade de encontrar soluções mais adequadas para os problemas emocionais, entre outros.

Como saber se alguém está a cometer autolesão?

O diagnóstico deve ser feito por um profissional de saúde mental. No entanto, pais, responsáveis, amigos e educadores podem estar atentos a alguns sinais de alerta, como, por exemplo, isolamento social, distúrbios alimentares, diminuição da higiene pessoal, irritabilidade, tristeza prolongada, autocrítica exagerada, uso de blusas e calças compridas mesmo quando está calor, uso constante de pulseiras, braceletes, entre outros.

A prevenção de comportamentos autolesivos em adolescentes requer uma abordagem multidimensional. Pais, educadores e profissionais de saúde precisam de colaborar entre si para criar ambientes inclusivos e seguros. Enquanto os pais fornecem apoio emocional, os educadores desempenham um papel importante no fortalecimento de relações saudáveis no ambiente escolar. Os profissionais de saúde podem oferecer desde orientação sobre as melhores estratégias para lidar com a situação até suporte psicoterapêutico. Este trabalho conjunto pode ajudar na prevenção, na identificação e na criação de espaços onde os jovens se sintam ouvidos, compreendidos e valorizados, reduzindo assim os factores de risco, como o isolamento social e o stress emocional. Um ambiente de confiança e apoio mútuo é uma das formas mais eficazes de promover o bem-estar mental e emocional dos adolescentes.

Por sua vez, a prevenção destes comportamentos em adultos requer uma abordagem focada no apoio emocional, intervenção precoce e promoção da saúde mental. É essencial identificar e tratar fatores latentes, como depressão, ansiedade, traumas passados ou dificuldades em lidar com o stress. A criação de redes de apoio, tanto familiares como sociais, é fundamental para garantir que o adulto se sinta ouvido e valorizado. Além disso, promover um ambiente de trabalho equilibrado, reduzir o estigma em torno dos problemas mentais e facilitar o acesso a serviços de saúde mental são medidas importantes para a prevenção de autolesões em adultos. A terapia psicológica, tanto para jovens como para adultos, pode ajudar na gestão das emoções e no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais adequadas e saudáveis.

Alessandro Boarccaech, psicólogo com especialização em psicologia clínica e da saúde, psicoterapeuta e PhD em antropologia. Professor universitário, coordenador do Centro de Pesquisa em Cultura e Sociedade e editor da revista académica Diálogos da UNTL. Autor de diversos livros e artigos científicos entre os quais Os eleitos do cárcere; A diferença entre os iguais; Dicionário Hresuk-Português; Conhecimento local, curandeiros e Psicologia: causas, sintomas e tratamentos dos transtornos mentais em Timor-Leste.

Ver os comentários para o artigo

  1. Gostaria de saber qual o termo autolesivo de quem gasta tanto dinheiro do Povo, exemplo os 12 milhoes com a vinda do Papa.
    Sera isso considerado uma auto dificiencia mental?
    Obrigado

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?