O ano de 2026 marca um ponto de viragem estratégico para Timor-Leste, sendo também o primeiro ano de execução orçamental após a celebração oficial da sua adesão como membro pleno da ASEAN, em outubro de 2025. No meio da euforia dessa celebração histórica, o Governo adotou o lema: “Otimizar resultados com despesas realistas”. Uma frase inteligente, inspiradora e cheia de esperança. Mas impõe-se a pergunta: será esta frase verdadeiramente um reflexo do compromisso com a superação dos obstáculos orçamentais do país, ou será apenas mais um título ilusório de apresentação em PowerPoint?
Ao longo de 23 anos, o sistema orçamental nacional tem-se mostrado, muitas vezes, preso a um ciclo de promessas não concretizadas, planos não executados e despesas sem resultados visíveis. Problemas crónicos como o fraco planeamento intersectorial, a execução orçamental sistematicamente atrasada, a limitada capacidade institucional e a escassa responsabilidade pública continuam a repetir-se, sem que tenham sido devidamente resolvidos. Por isso, neste contexto, o discurso em torno da “despesa realista” não pode entoar como mera retórica normativa, mas deve constituir a base de uma reforma estrutural profunda, capaz de gerar impacto real. Caso contrário, este lema será apenas mais um slogan a juntar-se à longa lista de ambições vazias, incapazes de transformar a realidade, como tem sido o caso nos anos anteriores.
Timor-Leste entra agora numa fase crítica da gestão das finanças públicas. A contínua dependência do Fundo Petrolífero como principal fonte de receita do Estado representa um sério sinal de alerta quanto à sustentabilidade fiscal no futuro. Esta realidade exige que o Governo atue com sabedoria, estabeleça prioridades claras e impulsione reformas na formulação e execução das despesas públicas. Apesar dos esforços para obter receitas alternativas, os rendimentos não petrolíferos continuam insuficientes para substituir a dependência do setor petrolífero. Assim, Timor-Leste enfrenta um duplo risco: primeiro, a ausência de uma clareza nacional ou de um consenso estratégico para implementar uma política de diversificação económica concreta e sustentável; segundo, a limitada capacidade técnica setorial para mobilizar e recolher receitas potenciais, de acordo com os planos estratégicos e orientações governamentais.
Todos os anos, o documento do Orçamento Geral do Estado é preparado com grande entusiasmo. O Governo apresenta uma narrativa orçamental recorrendo a termos normativos como “pró-povo”, “sustentável”, “transformador” e, agora, “realista”. Porém, a experiência mostra uma lacuna persistente entre os planos e a sua execução. Por exemplo: as reformas estruturais não têm sido consistentes. Muitas políticas têm vida curta e mudam ao sabor da liderança política. A coordenação entre ministérios é deficiente. Não existe um sistema intersectorial eficaz para alinhar os programas e atividades prioritárias. E a execução de muitos projetos continua atrasada. Atrasos na definição de regulamentos técnicos, concursos e mecanismos de aprovisionamento contribuem para uma fraca absorção orçamental.
O princípio da “despesa realista” não se limita à correção de números para reduzir o défice. Trata-se de uma abordagem estratégica à gestão das finanças públicas, com pré-requisitos fundamentais: orçamento baseado em resultados deve responder não apenas às exigências setoriais, mas à capacidade dos programas para produzir mudanças concretas; Eficiência em todas as fases da despesa, desde o planeamento até à avaliação, os gastos devem ser geridos com racionalidade, com impacto máximo; Transparência e responsabilização, o público deve ter acesso à informação sobre a execução orçamental e os resultados alcançados; Controlo interno eficaz, auditorias internas e externas devem ser fortalecidas para prevenir desvios e garantir o bom uso dos fundos públicos; Participação pública, os cidadãos devem ser envolvidos não apenas como beneficiários, mas como monitores e avaliadores da eficácia do orçamento.
O ano da ASEAN: celebração ou teste de prontidão?
O ano de 2026 é ainda mais estratégico, pois marca a celebração oficial da adesão de Timor-Leste como membro pleno da ASEAN. Este não deve ser apenas um marco diplomático. A ASEAN é uma comunidade que exige elevados padrões de governação. Os seus membros devem demonstrar eficácia governativa, disciplina fiscal, eficiência burocrática e competitividade económica.
Participar na ASEAN significa que Timor-Leste deve começar a pensar e a agir como os outros Estados-membros. Isto implica que o planeamento e a execução orçamental não podem ser arbitrários. A reforma da administração pública não é já uma opção, mas uma necessidade. E a tomada de decisões baseada em dados e avaliações torna-se uma obrigação. Assim, o OGE 2026 será o nosso primeiro teste visível perante a região. Será um espelho: mostrará se Timor-Leste está realmente preparado para integrar a ASEAN com substância, e não apenas com símbolo.
Para garantir que o OGE 2026 não seja apenas uma formalidade retórica, mas uma resposta real às necessidades fundamentais de desenvolvimento, são necessárias ações estratégicas em cinco áreas prioritárias: a) Reforma do Planeamento Orçamental: o orçamento deve nascer de um mecanismo de planeamento integrado, baseado em evidência e com ligação direta às prioridades nacionais de desenvolvimento. Cada ministério e instituição deve conseguir traduzir os objetivos macroeconómicos em programas de serviços concretos, mensuráveis e avaliáveis. b) Profissionalização da Administração Pública: a burocracia deve assentar na meritocracia, competência e integridade. A reforma deve também garantir padrões de serviço adaptáveis e uma cooperação intersectorial eficaz, para assegurar uma execução orçamental eficiente e com impacto. c) Reforço da Monitorização e Avaliação (M&E): a avaliação não se resume a relatórios numéricos, mas sim a medir os efeitos e sucessos reais de cada política implementada. d) Descentralização e Reforço do Poder Local: atualmente, muitas decisões estratégicas estão concentradas em Díli, o que limita as oportunidades das regiões se desenvolverem de acordo com as suas necessidades específicas. A delegação de autoridade orçamental e de implementação ao nível local deve ser reforçada, com apoio técnico e mecanismos de responsabilização claros. e) Participação Pública Significativa: o envolvimento da comunidade não pode ser apenas simbólico. Deve transformar-se num verdadeiro mecanismo de controlo e legitimação orçamental. A participação pública deve integrar o planeamento, execução e avaliação orçamental, alinhando as prioridades de desenvolvimento com as reais necessidades e aspirações das comunidades.
Estas cinco áreas não são meras melhorias técnicas – são urgências nacionais para garantir que “Otimizar resultados com despesas realistas” não seja apenas uma frase bonita num documento oficial, mas um ponto de viragem para reformas estruturais e transformação real da governação financeira pública em Timor-Leste.
Timor-Leste encontra-se agora num ponto de cruzamento: entre tornar-se uma nação com um sistema maduro ou continuar presa à retórica e à fraca implementação. O ano de 2026 pode ser um momento verdadeiramente transformador – se o princípio da “despesa realista” se traduzir em prática, e não apenas em palavras decorativas. A despesa pública não serve apenas para realizar programas, mas para produzir mudanças. Por isso, a avaliação orçamental deve focar-se no impacto, e não apenas na taxa de absorção.
Devemos ter coragem de perguntar: este programa resolve de facto os problemas do povo? Esta despesa melhora os serviços públicos? Este projeto aumenta o rendimento das famílias mais vulneráveis? Estas devem ser as perguntas que orientam as decisões orçamentais – e não apenas números administrativos ou metas formais.
O OGE 2026 é uma oportunidade para mostrar ao povo que o Governo ouve, pensa estrategicamente e age com seriedade. É também uma oportunidade para mostrar ao mundo, especialmente aos nossos parceiros da ASEAN, que Timor-Leste está não apenas pronto para participar, mas também para crescer em conjunto. Mas tudo isso só será possível se tivermos a coragem de sermos honestos connosco próprios: admitir as nossas fragilidades, melhorar as nossas instituições e colocar o interesse coletivo de longo prazo acima das manobras políticas de curto prazo. Já não precisamos de mais slogans. Precisamos de sistemas que funcionem, orçamentos com significado e reformas autênticas. O tempo é agora! Não deixemos que este título seja apenas uma ilusão em PowerPoint.
Viva Timor-Leste!
Quintiliano A. Belo, mestrado na área da agricultura e desenvolvimento na Universidade da Gadjah Mada, Indónesia, é um official Senior do Ministério da Agricultura, Floresta, Pecuária e Pescas (MAFPP). É membro ativo do Movimento Timor Avante (MOTIVA), criado em 2023 com o objetivo de preparar os jovens para liderar o país.
Texto interessante mas que, quanto a mim, não vai ao fundo da questão: não chega ser mais eficiente na aplicação da “estratégia” que o país tem seguido principalmente pelas mãos dos governos do CNRT e do seu Primeiro Ministro XG.
Na verdade o que é necessário é ter uma verdadeira estratégia, vocacionada para um desenvolvimento humano. O anterior governo aprovou em 2020 uma estratégia que, se tivesse sido aplicada, teria transformado a vida dos timorenses.
Assim… Aplicar eficazmente uma má estratégia não faz dela uma boa estratégia. Um mau cozinheiro não se transforma em bom cozinheiro com essa facilidade…