Na liderança do Conselho de Imprensa, Otélio Ote enfrenta barreiras como a precariedade no setor e a falta de formação jornalística, enquanto trabalha para fortalecer a liberdade de imprensa e consolidar a ética profissional.
Otélio Ote nasceu em Nonikan, na Região Especial de Oé-Cusse, a 31 de dezembro de 1969. Concluiu o ensino primário na SDN Oe-Silo, em Oé-Cusse, em 1981, e o ensino pré-secundário no SMPN Pante-Makasar, também em Oé-Cusse, em 1984. Finalizou o ensino secundário na Escola Secundária Pública de Díli (SMAN 1 Díli) em 1987.
Licenciou-se em 1992 na Universidade de Timor-Leste (UNTIM), na Faculdade de Política Social, Departamento de Ciências da Governação.
Iniciou a sua carreira no jornalismo em 1988, enquanto frequentava a universidade, trabalhando no semanário Suara Timor-Timur (STT). De 1989 a 1992, colaborou com a revista Caritas, da Universidade de Timor-Leste. Entre 1992 e 1999, foi jornalista no Suara Timor-Timur (STT) e no Diário Media Indonésia. Durante esse período, também trabalhou para os canais indonésios RCTI e SCTV.
Após a independência de Timor-Leste, fundou o Timor Post em 2000, o Lifau Post em 2002, o Jornal Labarik em 2004 e o Dili Weekly em 2008. Entre 2013 e 2017, foi assessor na SECOMS, antes de regressar ao Timor Post, onde esteve envolvido no desenvolvimento de uma plataforma de streaming de TV. Em 2021, foi eleito membro do Conselho de Imprensa em representação dos órgãos de comunicação social, assumindo a presidência em 2022.
O Diligente entrevistou Otélio Ote, atual presidente do Conselho de Imprensa, para saber mais sobre os desafios e as conquistas do seu mandato.
O que considera que o Conselho de Imprensa ainda precisa de fazer para promover o desenvolvimento e a defesa do jornalismo em Timor-Leste? Que recomendações deixa para os novos membros do Conselho?
O foco deve estar nas competências definidas na Lei da Comunicação Social n.º 5/2014, que permanecem independentes das pessoas que ocupam os cargos. Estas competências incluem garantir que todos os cidadãos têm liberdade de acesso à informação, liberdade de opinião e expressão, e assegurar o cumprimento do Código de Ética Jornalística, sob a supervisão do Conselho de Imprensa.
É essencial continuar a lutar pela atribuição das carteiras profissionais aos jornalistas, bem como suspendê-las em caso de violação do código de ética. É igualmente importante reforçar a base de dados dos novos meios de comunicação social e fortalecer as relações com instituições e a sociedade civil. O Conselho deve trabalhar arduamente para que a democracia em Timor-Leste permaneça viva e forte, contribuindo para o desenvolvimento do país.
O Conselho de Imprensa também desempenha um papel mediador, regulando os meios de comunicação e assegurando que as redes sociais sejam utilizadas de forma ética. É necessário defender a revisão da Lei da Comunicação Social, os estatutos do Conselho de Imprensa e os procedimentos técnicos, como o registo de órgãos de comunicação, a atribuição de carteiras profissionais, a monitorização de conteúdos jornalísticos e a aplicação de sanções.
Quais foram os principais desafios que enfrentou como presidente do Conselho de Imprensa ao longo destes três anos?
O primeiro desafio foi estabelecer relações internas e entender os sistemas e procedimentos padronizados pelo Estado, como o orçamento e os mecanismos administrativos.
O segundo desafio consistiu em criar boas relações institucionais, especialmente com os meios de comunicação. Por vezes, notificamos os órgãos de comunicação social, mas estes ficam insatisfeitos e abandonam o diálogo com o Conselho. Também foi necessário fortalecer parcerias estratégicas, como com a SECOMS e as ONG’s.
Outro desafio foi gerir as decisões em plenário, que exigem um sistema e mecanismos de gestão alinhados com os estatutos do Conselho de Imprensa. Por último, o orçamento foi uma limitação significativa, impossibilitando visitas regulares aos meios de comunicação em todo o país.
Na sua opinião, quais são as principais dificuldades que o jornalismo enfrenta atualmente em Timor-Leste?
O principal problema começa com a formação dos jornalistas. Muitos ingressam na profissão após uma formação básica de três meses, o que é insuficiente para desenvolver competências técnicas e intelectuais. Além disso, há pouca participação em seminários e formação profissional.
Muitos jornalistas também desconhecem o Código de Ética Jornalística, o que dificulta a sua aplicação no dia a dia. Para além disso, a precariedade laboral é um obstáculo significativo, com jornalistas a receberem salários baixos ou irregulares, o que compromete a qualidade do trabalho.
Quais foram os serviços ou iniciativas mais relevantes do seu mandato?
Entre as iniciativas destacam-se o desenvolvimento de um plano estratégico 2022-2026 em conjunto com os assessores. Também procedemos ao registo de órgãos de comunicação social, incluindo rádios comunitárias. Produzimos manuais para jornalistas, abordando temas como eleições, violência doméstica, igualdade de género e diversidade. Assinámos acordos com o Ministério Público e a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), assegurando a proteção dos jornalistas no exercício das suas funções.
Com base nestes acordos, os eventuais problemas devem ser resolvidos com base na lei da comunicação social, que pressupõe o direito de resposta e o direito à retificação, antes de se avançar para o Ministério Público.
O acordo com a PNTL visa garantir que a polícia também protege os jornalistas quando fazem cobertura no terreno.
Como avalia a liberdade de expressão em Timor-Leste, especialmente no contexto das crescentes denúncias de interferências na comunicação social?
A liberdade de imprensa em Timor-Leste tem uma base jurídica sólida, consagrada nos artigos 40.º e 41.º da Constituição. Contudo, há lacunas em áreas como a radiodifusão, o acesso à informação e a regulação das redes sociais, que precisam de ser abordadas.
O problema são as leis que suportam a liberdade de imprensa. Já temos uma lei da comunicação social, mas ainda precisamos de uma lei sobre a radiodifusão. Precisamos de uma lei que regule a utilização das redes sociais.
Outra limitação tem a ver com o excesso de burocracia para conseguir entrevistar fontes. Muitos jornalistas, sobretudo quando se trata de instituições governamentais, têm de enviar cartas para fazerem uma simples entrevista. As pessoas que ocupam cargos públicos têm receio de falar, por isso exigem cartas e o envio das perguntas.
Timor-Leste ocupa o 20.º lugar no ranking mundial da liberdade de imprensa. Esta posição reflete a realidade do setor da comunicação social no país?
A posição reflete aspetos positivos, como a assinatura de acordos com a polícia e o Ministério Público. No entanto, também aponta para desafios, como a precariedade económica dos jornalistas e as ameaças à liberdade de imprensa.
Qual é a sua opinião sobre a atuação da polícia contra as jornalistas Antónia Martins, do Diligente, e Suzana Cardoso, da Media One Timor, enquanto faziam a cobertura do despejo de vendedores ambulantes?
Nessa altura, o conselho de imprensa realizou uma conferência de imprensa. Como o conselho de imprensa é uma instituição governamental, é necessário identificar as causas do problema antes de marcar uma posição.
No entanto, o que a PNTL fez às jornalistas foi uma violação à sua credibilidade. O acordo que assinámos com a PNTL pretende precisamente evitar que problemas como esse voltem a acontecer.
O que tem a dizer sobre o caso da interferência do secretário de Estado da Comunicação Social, Expedito Dias Ximenes, na RTTL?
Após uma avaliação, concluímos que houve interferência, o que viola a Lei da Comunicação Social e prejudica a liberdade de imprensa. O Conselho enviou uma carta à SECOMS para evitar a repetição de tais comportamentos que põe em causa a liberdade de imprensa.
Qual é a sua opinião sobre o episódio em que o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão tocou de forma inapropriada numa jornalista? Por que é que o Conselho de Imprensa não tomou uma posição mais severa em relação a este caso?
Este ato comprometeu a dignidade pessoal e profissional da jornalista. No entanto, o Conselho de Imprensa só pode intervir quando recebe queixas formais dos diretores dos órgãos de comunicação social, mas condenamos qualquer comportamento que desrespeite os jornalistas.
Por que motivo os meios de comunicação em Timor-Leste se focam mais notícias superficiais em vez de investigações profundas?
Isso ocorre devido à falta de formação específica em jornalismo investigativo e à falta de recursos económicos nos meios de comunicação. Apesar disso, temos promovido formações para melhorar esta área.
Porém, já temos alguns meios de comunicação a fazerem notícias de investigação. Também é preciso apoio por parte dos órgãos, que nem sempre têm capacidade financeira.
Os meios de comunicação cumprem o seu papel na promoção da igualdade de género?
Embora este tema tenha ganhado mais atenção recentemente, há ainda muito trabalho por fazer. Algumas iniciativas, como rádios comunitárias e esforços de redações específicas, têm contribuído para um movimento crescente a favor da igualdade de género.