Orçamento do Parlamento Nacional para 2025 prevê compra de carros de 65 mil dólares para cada um dos deputados

O montante aprovado será analisado pelo Governo/Foto: Parlamento Nacional

Aprovado no dia 18 de setembro, Projeto de Resolução nº 49/VI estipula um montante de 23,9 milhões para o órgão legislativo no próximo ano, sendo 4.225.000 dólares destinados à aquisição de veículos.

Os deputados timorenses querem ser contemplados com veículos de 65 mil dólares a partir do próximo ano. Na sessão plenária realizada no Parlamento Nacional a 18 de setembro, os representantes do povo aprovaram (46 votos a favor, 0 contra e 16 abstenções) o Projeto de Resolução nº 49/VI, que define o orçamento do órgão legislativo para o ano de 2025. No documento, é estipulado um valor de 23,9 milhões, sendo 4.225.000 dólares para a aquisição de veículos para cada um dos 65 deputados. O montante aprovado será analisado pelo Governo.

Alguns deputados alegam que não possuem veículos para exercerem as suas funções nas deslocações aos municípios e culpam medidas adotadas em gestões anteriores, como a que permitiu a alienação dos carros pelos próprios políticos ao final do mandato na III legislatura, como uma das causas do problema. Reclamam também do estado daqueles utilizados atualmente.

Natalino dos Santos Nascimento (CNRT) é um dos que defende a aquisição de novas viaturas. “Os veículos são necessários para que os deputados possam fiscalizar as áreas rurais e cumprir os seus trabalhos de legisladores e fiscalizadores. Estes veículos não servem os interesses dos deputados, mas sim os do povo”, argumentou.

O deputado do CNRT também se queixa do estado dos veículos utilizados atualmente pelos políticos, realçando que os veículos foram adquiridos há 14 anos e já não têm condições para circular em estradas de difícil acesso, como em áreas de Matebian, Kablaki e outras regiões remotas. “As críticas da sociedade civil devem ser dirigidas aos membros do Governo que usam veículos de 120 mil dólares, e não a nós, deputados, que precisamos de carros para fiscalizar muitos projetos”, afirmou.

Já Angelina Sarmento, deputada do Partido da Libertação Popular (PLP), defendeu que parte do valor para a compra dos novos automóveis pode ser retirado do montante anual de 1,5 milhões de dólares americanos reservado às viagens internacionais, conforme o Projeto de Resolução nº 49/VI.

“A Constituição não diz que devemos fazer fiscalização no estrangeiro, mas sim nas áreas rurais e municípios. Com o corte dessas despesas, os deputados poderiam, moralmente, pedir ao Governo para também reduzir as suas viagens internacionais, poupando o dinheiro do povo e sobrando orçamento para lidar com questões como fome, desemprego e falta de água”, argumentou.

A deputada referiu ainda que aguarda que a Justiça ordene a devolução dos veículos antigos que foram alienados aos deputados. Angelina Sarmento partilhou que, em 2015, o então primeiro-ministro Rui Araújo observou que o processo de alienação dos veículos não seguiu os procedimentos legais. No dia 19 de setembro, a presidente do Parlamento Nacional, Maria Fernanda Lay, informou que o órgão legislativo apresentou queixa contra 35 ex-deputados das legislaturas anteriores que não devolveram as viaturas ao Estado.

Por sua vez, Helena Martins, deputada da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), manifestou-se contra a proposta de aquisição de novos veículos para os deputados, em virtude das dificuldades socioeconómicas enfrentadas pelo país. “Devemos poupar dinheiro para desenvolver Timor-Leste e não atribuir novos privilégios a órgãos estatais. Além do Parlamento Nacional, não podemos conceder mais privilégios ao Governo”, opinou.

Relativamente à falta de veículos para os deputados, Helena Martins recordou ainda que, durante a quinta legislatura, utilizou o seu próprio carro para trabalhar durante um ano, e muitos deputados utilizaram um único veículo para se deslocarem em conjunto aos municípios. “Só recebemos carros em 2020. A necessidade de novos veículos existe, mas não é uma prioridade. Temos de fazer a manutenção dos veículos existentes, mas é necessário manter a transparência na manutenção para evitar favoritismos nas empresas contratadas”, observou.

A sociedade civil, representada por Inocêncio de Jesus Xavier, representante da AJAR (Asian Justice and Right) em Timor-Leste, criticou a posição dos deputados em querer comprar novos veículos. “Alguns deputados que ocuparam cargos em várias legislaturas já possuem dois ou três veículos. Noutros países, não compram carros para os deputados. Eles já recebem salários altos, porque não compram os seus próprios carros? Porque têm de sobrecarregar o OGE?”, questionou.

O ativista classifica a intenção dos representantes do povo em querer adquirir novos automóveis como um exemplo de má administração e de conflito de interesses. “O uso do poder legislativo para aprovar benefícios pessoais é antidemocrático. A prioridade deveria ser a poupança e a sustentabilidade económica, em vez do aumento de gastos com a compra de novos veículos”, ressaltou.

Relativamente ao argumento de que os deputados não podem trabalhar sem veículos e que precisam de transporte para visitar os municípios, o representante da AJAR em Timor-Leste classificou-o como uma “resposta infantil”. “Eles [os deputados] estão apenas a demonstrar a sua ganância de ter novos carros. A dignidade de um deputado não se mede pelo facto de ter um carro novo, mas sim pelo bem-estar que proporciona ao povo através do seu trabalho”, enfatizou.

Inocêncio de Jesus Xavier sugeriu ainda que se adquiram veículos institucionais que pertençam ao Parlamento e não aos deputados. “Desta forma, poupa-se dinheiro e garante-se uma maior eficiência. Devem adquirir veículos adequados para as estradas rurais”, observou.

O jurista e professor de Direito Armindo Moniz avaliou que a questão da compra de novos carros para os deputados é algo que se repete em quase todas as legislaturas. “Será realmente necessário comprar novos veículos? Por que motivo têm de os adquirir? E para quê? De acordo com os deputados, os carros atualmente em uso não se encontram em condições adequadas para os levar às bases e ter contacto com o povo. Na minha opinião, a fiscalização não exige necessariamente a presença física. Podem ser preparados outros mecanismos para ouvir as vozes das pessoas, como, por exemplo, a fiscalização virtual”, analisou.

O jurista também questiona o resultado das fiscalizações realizadas pelos representantes do povo. “Não temos assistido a ações que resolvam os problemas que o povo enfrenta, como a pobreza, a desnutrição, a falta de água, entre outros. Estes temas não são devidamente discutidos no Parlamento Nacional e, quando são abordados, não se debatem com sinceridade. No debate sobre o Orçamento Geral do Estado, os deputados não defendem a alocação de uma percentagem maior para os setores de que o povo realmente necessita, como a educação, a agricultura, as infraestruturas rodoviárias, a saúde, entre outros”, concluiu.

Deputado revela os bastidores sobre o uso dos veículos

Em conversa com o Diligente, um deputado da atual legislatura, que pediu para não ser identificado, deu detalhes a respeito da utilização dos veículos pelos representantes do povo. O deputado contou que, em 2012, durante o período da campanha eleitoral, o Conselho de Administração do Parlamento Nacional decidiu, de acordo com a Lei da Administração Parlamentar, que os veículos antigos seriam alienados pelos deputados, com o objetivo de adquirir novos automóveis e reduzir as despesas de manutenção.

“Naquele momento, todos os deputados estavam nos municípios a fazer campanha eleitoral. Foi então que o secretário-geral, sob a ordem do então presidente do Parlamento Nacional, Adérito Hugo Fernandes, convocou os deputados para assinarem os documentos relativos à alienação coletiva dos veículos, a fim de mudar a titularidade dos veículos para privado junto da Polícia e da Direção Nacional de Transportes. Esta não foi uma iniciativa dos deputados”, afirmou.

Após esta decisão, houve manifestações de estudantes e da sociedade civil. Com a mudança de liderança no Parlamento, Arão Noé da Costa Amaral substituiu Adérito Hugo, mas o problema não foi resolvido. A atual legislatura acionou o Ministério Público para anular a alienação, mas sem resultado até ao momento, e o estatuto dos carros permanece incerto.

“Os veículos deveriam ser devolvidos ao Parlamento Nacional, mas têm estatuto privado. Dos 65 carros alienados, cerca de 30 foram devolvidos. Na quinta legislatura, o Governo comprou mais 30 carros para os deputados que ainda não tinham veículo, pois outros deputados não devolveram os seus, tendo alguns até sido vendidos”, partilhou a fonte.

“Eu uso o carro com estatuto privado, pois já possuo os documentos correspondentes. A manutenção é feita com o meu próprio dinheiro, uma vez que o subsídio do Parlamento para manutenção só se aplica aos veículos com estatuto de património do Estado. Não recebi veículos nas legislaturas anteriores. Por uma questão de dever moral, entreguei verbalmente o carro ao Parlamento, mas não de forma oficial. Outros deputados não entregaram os seus veículos porque os venderam”, continuou.

O deputado informou que faz parte do Parlamento Nacional desde a Assembleia Constituinte, a 25 de outubro de 1999. A fonte explicou como o transporte deve ser utilizado no desempenho das funções.

“A fiscalização não significa que os deputados formem grupos para passear. Antes de qualquer ação, é necessário identificar primeiro os problemas, relacionados com as leis do Orçamento Geral do Estado e a sua execução, para verificar se o Governo cumpre ou não. Por exemplo, se o relatório indica que uma construção está 90% concluída, é preciso verificar se, na realidade, esse progresso foi alcançado. Para isso, são necessários técnicos especializados, no mínimo três pessoas: um jurista, um economista e um engenheiro”, explicou.

“A verdade é que os deputados não precisam de se deslocar ao terreno. Basta enviar os técnicos para verificarem a qualidade e a quantidade dos projetos, e depois eles reportam aos deputados, que comparam os dados com as leis e, em seguida, tomam medidas e remetem ao Parlamento Nacional”, concluiu.

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  1. 65 mil dolares eram muito bem aproveitados pelo Diligente Online.
    Eles fazem chegar a realidade do nosso querido TL a todas partes do mundo, na lingua de Camoes, sem sobressaltos. O valor de um so Kuda de 4 pneus.
    Ao Diligente deve ser dado o estatuto de deputado!

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