O que pensam os cidadãos sobre a visita apostólica do Papa Francisco a Timor-Leste?

Cidadãos de 12 municípios, incluindo a Região Administrativa Especial de Oé-Cusse Ambeno, estão concentrados em Díli para receber o Papa Francisco/Foto: Diligente

Os timorenses estão felizes e ansiosos pela presença do Papa Francisco, que chega amanhã, 9 de setembro. Pedem ao Governo e à Igreja Católica em Timor-Leste que não se esqueçam das pessoas que foram despejadas das suas casas, negócios e viram os seus produtos destruídos durante os preparativos da visita do Santo Padre, bem como das vítimas de abusos sexuais cometidos por sacerdotes no país.

Passados 35 anos, Timor-Leste marca, novamente, a história com a visita apostólica do líder máximo da Igreja Católica, o Papa Francisco. Anteriormente, o Papa João Paulo II visitou Timor-Leste, no dia 12 de outubro de 1989, quando o país ainda estava sob ocupação indonésia.

O Santo Padre, de acordo com o programa, chega a Timor-Leste na segunda-feira (9.09) e fica no país até quarta-feira (11.09). Entretanto, o Governo e a Igreja Católica em Timor-Leste já realizaram grandes preparativos. A visita do Papa trouxe desgraça para algumas famílias, que perderam as suas casas, viram as suas atividades comerciais destruídas e outros tiveram de mudar os filhos de escola, entre outros transtornos.

Hoje, Díli está iluminada para receber o Papa Francisco. O Governo organizou equipas para asfaltar estradas, instalar iluminação nas vias principais, decorar as ruas por onde o Santo Padre vai passar e, inclusive, retirou os comerciantes que ganhavam a vida nas bermas das estradas.

Por outro lado, fiéis e cidadãos que residem nos municípios vieram com alegria e estão agora nos acampamentos preparados pelo Governo, como em Tíbar, Hera, e outros locais, à espera desta visita histórica.

Por volta das 14 horas, o Papa Francisco vai chegar ao Aeroporto Internacional Nicolau Lobato, em Díli e irá para a Nunciatura Apostólica em Motael. Às 18h, haverá uma cerimónia de boas-vindas no Palácio Presidencial. Na terça-feira (10.09), o Papa visitará a Escola das Irmãs “Alma” para se encontrar com crianças com deficiência, seguindo depois para a Igreja Catedral Imaculada da Conceição. Na parte da tarde, o Papa presidirá a uma missa em Tasi-Tolu.

Na quarta-feira (11.09), o Papa Francisco terá um encontro com representantes da juventude no Centro de Convenções de Díli, após o qual continuará a sua visita apostólica a Singapura.

Em relação à visita do Papa durante três dias em Timor-Leste, o Diligente foi às ruas ouvir os sentimentos e reflexões dos cidadãos sobre as lições que o povo de Timor-Leste, os líderes do Estado e da Igreja precisam de aprender para garantir uma vida digna, paz e estabilidade neste país.

“Gostaria que o Papa pedisse desculpa, em nome da Igreja, às vítimas de abusos sexuais cometidos por alguns padres em Timor, especialmente pelo ex-bispo Carlos Ximenes Belo. Para que as vítimas possam obter reconhecimento pelos atos de abuso sexual que não mereciam”

Imaculada Gouveia Leite, membro da Rede dos Defensores dos Direitos Humanos em Timor-Leste/Foto: Arquivo privado

“A visita do Papa a Timor-Leste é uma visita apostólica e do Estado do Vaticano. Esperamos que traga uma nova esperança para este amado país, uma esperança de que o nosso Governo e Estado possam governar Timor-Leste, especialmente o seu povo, de forma justa e digna.

Os preparativos para a visita do Papa, particularmente os 12 milhões de dólares gastos em infraestruturas, como as estradas que o Governo construiu, não correspondem à realidade que o povo enfrenta atualmente.

Muitos ainda têm dificuldade em aceder a água potável, há falta de medicamentos, a educação tem infraestruturas miseráveis, o problema dos preços altos não foi resolvido, e os despejos em massa deixaram muitas pessoas sem um lugar para viver. A falta de espaço para comerciantes realizarem as suas atividades e sustentarem as suas famílias, entre outros problemas sociais, continuam sem solução. Contudo, o Governo e o Estado parecem usar a visita do Papa para esconder a realidade miserável que o povo enfrenta.

Os gastos do Governo foram desnecessários, pois os 12 milhões de dólares poderiam ter sido usados para resolver os problemas da população, em vez de serem gastos em preparativos para uma visita de apenas três dias. Parece que o nosso Governo tenta ocultar as dificuldades da população durante a visita do Papa. A realidade da visita do Papa à Indonésia mostrou a simplicidade do Santo Padre, que prefere um tratamento mais simples do que o luxo que o nosso Governo preparou.

O Secretário de Estado dos Assuntos Toponímicos e da Organização Urbana [Germano Brites] retirou famílias dos locais que ocupavam os espaços públicos, destruiu casas e removeu à força os comerciantes das ruas, com atos de violência e brutalidade. Estas ações violam os direitos económicos do povo de garantir o seu sustento. Eu condeno fortemente estas ações, pois não se pode justificar a preparação da visita do Papa com violência e desrespeito pelos direitos humanos. O Governo não pode usar a visita do Papa para beneficiar apenas as elites e os seus próprios interesses.”

“O Governo, em conjunto com a Igreja, já determinou alguns locais para o Papa visitar, como a Escola Madre Alma, mas também deveria encontrar-se com prisioneiros e vítimas de abusos sexuais, para conversar com eles.”

blank
Francisco Ximenes, enfermeiro no Centro Saúde Comoro/Foto: Diligente

“Nós, jovens, estamos muito contentes com a visita do Papa, pois não tivemos a oportunidade de assistir a uma visita papal durante a ocupação indonésia. Por isso, estamos a participar em atividades como a limpeza e a decoração das ruas para receber o grande líder da Igreja Católica. A visita do Santo Padre vai trazer bênçãos e marcar a história de Timor-Leste, e é por isso que aguardamos ansiosamente pela sua chegada amanhã.

Valorizo muito a visita do Papa a Timor-Leste, e o Governo fez uma excelente preparação. As estradas públicas, que a nossa população utiliza para os seus negócios, foram bem organizadas. Embora algumas atuações tenham sido alvo de críticas e tenham ocorrido episódios de violência, como cidadãos, devemos colaborar para manter as vias desimpedidas, permitindo uma boa circulação e um ambiente limpo. No entanto, é fundamental que o Governo garanta que estas medidas não prejudiquem a vida da população. O Governo precisa de criar um ambiente em que todos estejam felizes por receber o Papa Francisco, sem causar sofrimento.

Além disso, o Governo construiu um altar em Tasi-Tolu, apesar do elevado custo, mas o local da missa foi designado para cada município, transformando mais uma vez Tasi-Tolu num espaço de fé e cultura.

A visita do Papa motiva todos a participar, e houve alguns cidadãos que manifestaram o desejo de realizar protestos ou expressar solidariedade com os povos da Papua e da Palestina. Acredito que é importante manter essas atividades fora da área da missa, para garantir um ambiente de paz. O Governo, através das autoridades de segurança, já declarou que não vai tolerar jovens que causem problemas ou realizem manifestações. Por isso, penso que é necessário cooperarmos com o Governo para evitar tais situações.

Esta visita do Papa é para todos os timorenses. Embora o Governo, em conjunto com a Igreja, já tenha estabelecido alguns lugares que o Papa irá visitar, como a Escola Madre Alma, ele deveria também encontrar-se com prisioneiros e vítimas de abusos sexuais para conversar com eles. Convido todos os timorenses a unirem-se para receber o Papa com paz e unidade, para que esta visita decorra de forma tranquila e seja bem-sucedida para todos nós.”

O Governo tomou a decisão de retirar as pessoas desses locais recorrendo à força, porque não obedeceram. Sabemos que, por vezes, o povo só respeita certas decisões quando são tomadas medidas firmes”

blank
Agusta Maia, 27 anos, religiosa da Irmãs Franciscanas da Divina Providência, está a fazer missão em Oé-Cusse, na Paróquia de Padiae

A minha expectativa em relação à visita do Santo Padre é que ele traga uma grande esperança para todo o povo timorense, pois o Papa é o Vigário de Cristo na Terra. É uma emoção enorme, especialmente porque este é o segundo Papa a visitar o nosso país. Um outro ponto importante é que a missa será celebrada em português, o que também reforça a identidade do povo timorense, já que é uma das línguas oficiais do nosso país.

O Governo gastou mais de 12 milhões de dólares para a preparação da visita e acho que era necessário preparar um local digno, porque não se trata de uma visita qualquer, mas de algo muito especial para todos os timorenses. É um grande privilégio para todos nós.

Relativamente à remoção das casas e à retirada dos vendedores, acho que muitas vezes as pessoas ocupam espaços públicos de forma desordenada, o que causa problemas na capital. Muitas construíram casas perto das estradas principais e o Governo avisou várias vezes que não podiam. Além disso, o Governo indemnizou essas pessoas para que pudessem construir as suas casas noutro lugar, mas muitos não cumpriram. Então, o Governo tomou a decisão de retirar as pessoas desses locais recorrendo à força, porque não obedeceram. Sabemos que, por vezes, o povo só respeita certas decisões quando são tomadas medidas firmes.

Na minha opinião, gostaria que o Papa deixasse uma mensagem de paz, união e amor para todos nós. Sabemos que o nosso país é democrático e independente, mas continuamos a enfrentar problemas que deixam o país numa situação de falta de paz, amor e união.

No que diz respeito aos casos de abuso sexual cometidos por membros da Igreja, principalmente o caso de Dom Belo, não me compete a mim responder. No entanto, se o Santo Padre vier com a intenção de pedir desculpas ou de falar sobre esses casos, para mim seria algo positivo. Mas não me cabe dizer se o Papa deveria ou não abordar esse assunto. Se ele quiser falar sobre isso, é algo que está totalmente dentro das suas competências.

“A visita do Papa a Timor-Leste, na verdade, deve reforçar o papel da Igreja em cumprir a sua missão de ensinar os cidadãos a viver segundo os ensinamentos de Cristo. Também deve lembrar padres e freiras em Timor-Leste de que devem ser verdadeiros servidores, sem explorar o povo timorense em benefício próprio”

blank
Nelson Xavier, ativista timorense/Foto: DR

“O povo timorense vai receber o Papa Francisco como um símbolo de amor e paz, uma vez que ele representa a fraternidade humana e a libertação. Acredito que aqueles que recebem o Papa não devem apenas orgulhar-se de serem timorenses, mas também estar conscientes de que o nosso país precisa seguir os passos de Jesus para alcançar a verdadeira libertação, e não voltar a ser opressor, como aconteceu no passado. Devemos unir-nos e implementar o símbolo de luz para todos, para que as futuras gerações possam viver em paz, com dignidade, numa terra santa, a terra de Maubere.

A preparação para a visita do Papa foi bem coordenada, com várias entidades a participarem, o que demonstra que, apesar das divergências políticas e estratégicas, houve unidade nas ações para atingir o objetivo comum. No entanto, se analisarmos bem o orçamento de 12 milhões de dólares que o Governo gastou na construção do altar em Tasi-Tolu e nas estradas em Díli, isto contradiz o conceito de desenvolvimento sustentável a longo prazo. Não foi realizada uma análise adequada da qualidade dessas infraestruturas, nem foi feito um estudo de risco para desastres naturais.

Do ponto de vista científico, não é sensato construir estradas sem um estudo profundo. Devemos observar os critérios necessários para garantir qualidade e corresponder às necessidades da população. No entanto, optámos por ignorar isso e seguimos uma ideia de desenvolvimento superficial, como se estivéssemos a varrer o problema para debaixo do tapete. O importante é não repetir sempre o mesmo modelo de desenvolvimento ineficaz.

Quanto às ações do Governo que resultaram na demolição de casas da comunidade, isso não é justo nem digno. A Constituição, no artigo 44.º, garante a liberdade de circulação e de residência em todo o território nacional. Isso mostra que o Governo está a violar os direitos dos cidadãos que se deslocaram para Díli durante a guerra, fugindo da perseguição e sobrevivendo à transição de um local para outro. Demolir sem garantir condições dignas é injusto. Esta medida afeta negativamente as condições de vida da comunidade, a economia familiar, a saúde e a educação, aspetos que o Estado tem o dever de garantir, de acordo com o princípio do artigo 60.º da Constituição.

Expulsar comerciantes e destruir os seus bens são violações dos direitos humanos cometidas pelo Governo, e não por causa da visita do Papa, mas porque o Governo quer esconder as suas fraquezas e a sua incapacidade de gerir a economia popular. A culpa não é dos cidadãos, mas do Governo, que durante tanto tempo não geriu corretamente a economia informal, o que é o verdadeiro problema. Quem deveria estar a vender nas ruas? O Estado não definiu regras claras e criou uma competição desigual entre os ricos e os pobres em Díli.

A visita do Papa a Timor-Leste, na verdade, deve reforçar o papel da Igreja em cumprir a sua missão de ensinar os cidadãos a viver segundo os ensinamentos de Cristo. Também deve lembrar padres e freiras em Timor-Leste de que devem ser verdadeiros servidores, sem explorar o povo timorense em benefício próprio.

Uma mensagem importante é fortalecer a fé, ouvir a voz do povo timorense e, juntos, lutar por uma única causa: o bem-estar do povo timorense e a erradicação da guerra no mundo, para que nunca mais volte a acontecer, especialmente no âmbito da missão da Igreja. Através do Papa, o Governo e a Igreja devem pedir desculpa ao povo timorense que perdeu as suas casas, os seus negócios e cujos filhos tiveram de mudar de escola.

Gastámos muito dinheiro para preparar o local para a visita do Papa, mas os hospitais nacionais em Timor-Leste não têm medicamentos suficientes, e isso afeta a população, resultando em mortes nos hospitais e centros de saúde. O Governo dá demasiada atenção à visita do Papa, como forma de esconder as verdadeiras necessidades do povo timorense.

Sobre o caso de Dom Carlos Ximenes Belo, não tenho comentários específicos, mas, de forma geral, o Papa, como líder da Igreja Católica mundial, pode apelar às autoridades eclesiásticas em Timor-Leste para garantir que mais pessoas não se tornem vítimas de abusos por parte de padres. Além disso, a Igreja deve impedir que pessoas se tornem escravas em internatos. Acima de tudo, o Papa deve usar a sua liderança para transmitir palavras de amor e apoio às vítimas afetadas pelos abusos sexuais de padres em vários locais de Timor-Leste.

A expectativa em relação à visita do Papa a Timor-Leste é que seja um momento de reflexão, transmitindo uma mensagem aos nossos líderes para que se unam e continuem a lutar pela libertação do povo timorense. Há 35 anos, a presença do Papa em Timor-Leste ajudou o mundo a compreender a verdadeira situação que o povo timorense enfrentava sob o regime de ocupação de Soeharto.”

“Que a visita do Papa nos faça refletir para que não pratiquemos discriminação uns contra os outros por causa da fé, raça, etnia ou qualquer outra diferença. Somos todos timorenses, por isso devemos criar paz, unidade e estabilidade no nosso querido Timor-Leste”

blank
Madalena Oqui, 41 anos, peregrina da paróquia de Numbei, Região Administrativa Especial de Oé-Cusse Ambeno (RAEOA)/Foto: Diligente

“Sinto-me muito contente e quero participar na missa que será presidida pelo Papa Francisco em Tasi-Tolu. Embora estejamos longe e tenhamos de atravessar o mar para chegar a Díli, onde estamos à espera do Papa desde o dia 4 de setembro, sentimos que vale a pena, pois a visita do Papa trará bênçãos, paz e harmonia para mim, para a minha família e para todos nós, timorenses.

Agradeço muito ao Governo por apoiar os fiéis, trazer-nos até Díli, oferecer um local de acampamento em Tibar e fornecer alimentação, enquanto aguardamos a presença do Papa. Mesmo com o pó e o calor no local, estamos felizes.

A preparação do Governo, no geral, foi muito boa. Nós apenas participamos nas atividades e não comentamos sobre os gastos do Governo, como o orçamento para o altar, as estradas e outras infraestruturas. No entanto, sinto-me triste pelos nossos irmãos que perderam as suas casas e atividades comerciais porque o Governo os mandou sair para preparar a visita do Papa. Peço ao Governo que encontre um novo local para que possam retomar as suas atividades, pois alguns perderam os seus espaços e estão em situações difíceis.

Acredito plenamente que a visita do Papa vai fortalecer ainda mais a fé do povo timorense em Deus. Por isso, deixámos os nossos filhos e maridos em Oé-Cusse e viemos receber a bênção do Papa Francisco em Díli, para fortalecer as nossas famílias, a sociedade, a Igreja e Timor-Leste.

Que a visita do Papa nos faça refletir para que não pratiquemos discriminação uns contra os outros por causa da fé, raça, etnia ou qualquer outra diferença. Somos todos timorenses, por isso devemos criar paz, unidade e estabilidade no nosso querido Timor-Leste.”

“Durante os preparativos do Governo para a visita do Papa, alguns cidadãos estavam a chorar e a gritar, porque perderam o seu lugar de moradia e os produtos que estavam a vender. Espero que, depois desta visita, o Governo olhe para essas pessoas e as ajude a restabelecer as suas vidas”

blank
Maria Lurdes Gamboa Fernandes, 32 anos, funcionária da administração do município de Viqueque/Foto: Diligente

“Sinto-me muito contente e orgulhosa com a visita do Santo Padre a Timor-Leste, pois acredito que trará harmonia e paz aos timorenses, especialmente aos jovens, para que não pratiquem atos de violência no nosso país.

Os preparativos do Governo estão a ser muito bem organizados, em colaboração com a Igreja Católica, para preparar um altar sagrado em Tasi-Tolu, com um orçamento elevado, mas feito para benefício de todos os timorenses. Além disso, estão a organizar a vinda de fiéis de todos os municípios para Díli para que possam participar na missa que será presidida pelo próprio Papa.

No entanto, durante os preparativos do Governo para a visita do Papa, alguns cidadãos sofreram, porque perderam as suas casas e os produtos que estavam a vender. Espero que, após esta visita, o Governo olhe para essas pessoas e as ajude a restabelecer as suas vidas.

A visita do Papa é uma visita apostólica, por isso peço aos jovens que não tragam bandeiras de outros países. Na missa, devemos levar apenas a nossa bandeira, porque Timor-Leste é independente há apenas 24 anos e, por isso, devemos focar-nos nos nossos próprios problemas internos.

Espero que esta visita do Papa fortaleça ainda mais a fé dos timorenses em Deus e na Igreja Católica. Peço aos jovens que não façam barulho nem criem conflitos, mas que mantenham a paz e a unidade para desenvolver a nossa nação.”

“Espero que ele explique que em 2020 o Vaticano considerou o bispo Ximenes Belo culpado de abuso sexual de rapazes e impôs restrições disciplinares: limitações às suas viagens e celebração de missas, proibição de contacto voluntário com menores, de entrevistas e de contactos com Timor-Leste”

blank
Tjitske Lingsma, jornalista/ Foto: Katrien Mulder

A visita histórica do Papa Francisco é de imensa importância para muitos timorenses. As pessoas aguardam há muitos anos pela sua vinda. Vi fotos lindas de um amigo que estava tão feliz ao lado da imagem do Santo Padre.

Quanto ao orçamento alocado para esta visita, para um país onde há tanta pobreza e fome, mais de 10 milhões de dólares é uma quantia incrível. Eu entendo as críticas.

A demolição de casas e a expulsão de pessoas é chocante. Esta agressão do estado é uma violação dos nossos direitos mais básicos: um lugar para viver, uma casa segura. É terrível que as pessoas tenham sido despejadas e estejam agora sem teto, ainda sem serem indemnizadas. Especialmente num país onde muitas pessoas sofrem com a pobreza. Também vi um vídeo da destruição violenta de bancas de venda de vegetais. Esta violência estatal é totalmente contrária ao espírito da Igreja Católica.

Quando o Papa visitou outros países, ele abordou o crime de abuso sexual cometido pelo clero contra menores e adultos. Em Portugal, por exemplo, ele reuniu-se em privado com as vítimas. A minha esperança é que em Timor-Leste o Papa explique publicamente que, em qualquer situação, o abuso sexual por parte de bispos, padres, irmãos, freiras e outros funcionários da igreja é um crime, e que a igreja falhou nesses casos na sua responsabilidade de proteger as vítimas. Espero que ele explique que em 2020 o Vaticano considerou o bispo Ximenes Belo culpado de abuso sexual de rapazes e impôs restrições disciplinares: limitações às suas viagens e celebração de missas, proibição de contacto voluntário com menores, de entrevistas e de contactos com Timor-Leste. E que dois anos antes, em 2018, o Vaticano considerou o ex-padre Richard Daschbach culpado de abuso sexual de meninas no abrigo de Topu Honis, em Oé-Cusse, e o despojou de suas funções.

No entanto, ao lidar com esses casos, o Vaticano decidiu manter ambas as condenações em segredo. O abuso sexual por parte do bispo Belo e do ex-padre Daschbach foi revelado por jornalistas. Com certeza há outros casos em Timor-Leste que ainda não foram descobertos. A igreja tem a responsabilidade de investigar esses crimes, assegurando todas as garantias de segurança para as vítimas e proporcionando justiça.

Espero que o Papa transmita uma mensagem de compaixão, explicando que esses crimes graves têm um impacto devastador nas vítimas, que sofrem de traumas profundos e para toda a vida. O Papa deve assumir a responsabilidade, garantir plena justiça e pedir desculpas às sobreviventes pelos abusos sexuais cometidos pelo bispo Belo, Daschbach e outros membros do clero. Acima de tudo, espero que ele tenha palavras gentis para as vítimas.

“Aqui em Timor-Leste, o Presidente Ramos-Horta destacou a importância dos valores presentes nesse documento, e o Parlamento Nacional já o ratificou. Por isso, há muitos valores partilhados entre o Alcorão e a Bíblia que podemos explorar juntos, para partilhar o amor e viver como irmãos”

blank
H.Abdulah Said, Sagrem, 67 anos, Presidente do Conselho da Fundação Masjid Annur, Díli/Foto: Diligente

O documento sobre a Fraternidade Humana afirma que, apesar de termos diferentes religiões, somos todos irmãos criados por Deus. Relativamente à visita do Papa, gostaria de lhe dar as boas-vindas. Ele é o líder mundial da Igreja Católica e sentimo-nos felizes por conviver no seio da comunidade católica. Ao vê-lo, sentimos alegria, pois somos como irmãos.

Em 2019, o Papa Francisco e o Grão-Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, assinaram um documento sobre a Fraternidade Humana mundial. Aqui em Timor-Leste, o Presidente Ramos-Horta destacou a importância dos valores presentes nesse documento, e o Parlamento Nacional já o ratificou. Por isso, há muitos valores partilhados entre o Alcorão e a Bíblia que podemos explorar juntos, para partilhar o amor e viver como irmãos.

A presença do Papa é um símbolo que reforça a fraternidade humana em Timor-Leste. Durante a visita do Papa, não está prevista uma agenda específica para o diálogo inter-religioso, mas haverá um encontro com jovens, incluindo 11 jovens muçulmanos, no dia 11 de setembro, no Centro de Convenções de Díli. Nunca houve conflitos por motivos religiosos em Timor-Leste, o que é positivo e demonstra que devemos continuar a colaborar para aplicar os valores religiosos na nossa comunidade.

“O Papa aceita as diferenças e fala sempre de paz, amor, solidariedade e respeito pela diversidade. Por isso, aqueles que se sentem deixados para trás podem sentir-se valorizados como os outros. A comunidade LGBTQIA+ não pede grandes coisas; pede apenas tratamento igual para todos”

blank
Bela Galhos, Diretora-Executiva de Arcoiris / Foto: Diligente

A visita do Papa é o sonho de muitas pessoas em todo o mundo, especialmente para os católicos. Agradeço a Deus por isto estar a acontecer. No entanto, como alguém que representa e dá voz ao povo, principalmente aos grupos marginalizados, espero que esta visita possa abrir o coração e a mente da sociedade para respeitar todas as pessoas, assim como o Papa faz, sem discriminar ninguém com base na sua orientação sexual. O Papa aceita as diferenças e fala sempre de paz, amor, solidariedade e respeito pela diversidade. Por isso, aqueles que se sentem deixados para trás podem sentir-se valorizados como os outros. A comunidade LGBTQIA+ não pede grandes coisas; pede apenas tratamento igual para todos.

Se eu tiver a oportunidade de me encontrar com o Papa, gostaria de lhe dizer para enviar uma mensagem aos líderes timorenses que não estão unidos no processo de desenvolvimento. Eles colocam os seus interesses em primeiro lugar, sem dar prioridade ao povo como o centro do desenvolvimento. Além disso, muitos jovens estão a perder a fé no seu próprio país, que não lhes oferece emprego. Gostaria também de falar com o Papa sobre o problema dos abusos sexuais cometidos por alguns líderes do Estado e da Igreja. É algo que precisamos de abordar com o Papa. Gostaria que o Papa, em nome da Igreja, pedisse desculpa às vítimas. No entanto, há muitas pessoas que dizem que este assunto é sensível, mas sem qualquer justificação. Pensam que falar sobre o autor é sensível, mas o sofrimento das vítimas não é.

Por vezes, as pessoas pensam na perspetiva dos líderes, vendo-os como heróis da resistência, e focam-se no que contribuíram para o país, como no caso de Dom Carlos Ximenes Belo. Isto já não é segredo; é um segredo público que todos conhecem. Tentar escondê-lo não é um bom exemplo.

Como parte da comunidade LGBTQIA+, vivemos a nossa vida de forma normal. Levamos a nossa vida profissional, pessoal e social de forma igual a qualquer outra pessoa. Não vivemos apenas para nós, mas também para os outros. Por exemplo, na preparação da visita do Papa, a Igreja não nos envolveu, mas a Embaixada do Vaticano incluiu a comunidade LGBTQIA+ para decorar o local onde o Papa vai ficar. Isto mostra que a Nunciatura valoriza a nossa existência e reconhece a nossa capacidade de contribuir. Outros, no entanto, não nos reconhecem, como a comunidade LGBTQIA+ que faz parte do coro e de outros serviços. Limitam-se a usar-nos”.

“Penso que o Governo gastou 12 milhões na preparação para a receção do Papa de forma desnecessária. Porque não investir esse dinheiro em algo de que o povo precisa mais, como construir escolas, comprar medicamentos, etc.?”

blank
Armandina Maria Helena da Silva, ativista dos direitos humanos, coordenadora de apoio aos sobreviventes em AJAR Foto: DR

Pessoalmente, estou muito contente com a visita do Papa. É muito bom que ele possa conhecer a situação de Timor-Leste. Principalmente, que ele possa perceber que, em alguns casos, o seu nome tem sido usado para justificar a violação dos direitos das pessoas em todo o lado. A minha esperança é que o Papa tome conhecimento destas situações e chame a atenção dos líderes para governarem o povo de forma mais eficaz.

Penso que o Governo gastou 12 milhões na preparação para a receção do Papa de forma desnecessária. Porque não investir esse dinheiro em algo de que o povo precisa mais, como construir escolas, comprar medicamentos, etc.? Tenho receio de que, depois do Papa partir, este altar se transforme num local de campanha política. Para mim, o mais importante é garantir uma vida saudável para o povo, porque o Papa veio como um pastor para visitar as suas ovelhas. Isto não requer luxo. Acredito que o próprio Papa não exigiu um altar luxuoso. O que realmente importa são os cristãos. Não é pelo Papa visitar apenas Díli que devemos concentrar as construções só na capital, ignorando os outros municípios.

Relativamente à expulsão e destruição dos produtos dos vendedores ambulantes como parte dos preparativos para a visita do Papa, considero muito triste. Isto é uma violação dos direitos humanos. Este Papa é muito progressista, não é como os papas anteriores, que esconderam casos de abuso sexual por parte de padres e bispos e promoveram a impunidade desses atos. Este Papa é muito transparente e tem feito campanha e advocacia para combater esses abusos, apelando aos padres para evitarem cometer tais atos. Acho que devem pedir desculpa às vítimas.

O que eu gostaria que o Papa fizesse é encorajar as vítimas de abusos a apresentarem queixa, em vez de reverenciarem os predadores. Gostaria que o Papa deixasse claro que não tolera estes atos na Igreja”.

Ver os comentários para o artigo

  1. Mais uma vez excelente artigo jornalistico.
    Os galos de Dili entraram em greve pois foram proibidos de cantar tao cedo pois podem acordar Sua Santidade. A policia pode-lhes cortar o pescoco para fazer canja para alimentar os peregrinos.
    Os pirilampos foram fazer retiro em Vi keke, Sua Santidade vai ter de fazer a barba as escuras.
    As kakasses vestiram-se de branco e as cobras verdes de encarnado.
    Os Zes viraram sacristan.
    Benvindo a TL, minha terra Natal Sua Santidade!

  2. Sou timorense e curioso. Sei o que o Santo Padre vai fazer do foro religioso. Sera que o melhor meio de comunicacao em portugues me podera dizer sobre a Sua dieta enquanto em TL?
    Vai comer modo fila, ikan maran, koto moruk, mandioca, saboco ou tras comida pronta so para aquecer no micro ondas?
    Vai esperementar a nossa champagne(tuaca)?
    Vai beber agua local ou tras agua engarrafada como Don Perrignon, agua do Luso, etc…
    Cafe de TL tenho quase a certeza que vai beber.
    Vai comer bebinca, coirampo, coi bandeira, etc…?
    Qual e o seu favorito jogador de TL? Fabio Carvalho?
    Muito obrigado se me conseguirem elucidar!

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?