“A coisa em si (Das ding an sich), a coisa em nós mesmos” — Immanuel Kant
“O bem deve ser feito e o mal deve ser evitado (Bonum est faciendum, malum est vitandum).” — Tomás de Aquino
Este texto foi escrito para refletir sobre a campanha “16 Dias de Ativismo contra a Violência de Género”, iniciativa global liderada pela ONU Mulheres no âmbito do programa UNITE to End Violence Against Women — e não para revisitar a campanha de ativismo em geral, o que poderia diluir a complexidade de um fenómeno social vasto e multifacetado. Por isso, prefiro escrever sobre a ideia de que o poder é intrínseco à natureza das mulheres, contribuindo assim para a sua emancipação face à prisão do androcentrismo.
Neste texto, não me refiro às mulheres da elite económico-política (elite burguesa), mas apenas às mulheres que são desvalorizadas e se tornam cidadãs de segunda classe no embrião da sociedade patriarcal. Esta análise estabelece também o paradigma da luta das mulheres como estratégia para criticar e opor-se ao ostracismo social e à cultura que tem vindo a endurecer o pensamento da sociedade, levando-a a considerar as mulheres como objetos de servidão e procriação.
A vida das mulheres nas sociedades patriarcais decorre sob uma orientação masculina absoluta, apesar de as suas competências e capacidades terem um enorme potencial em múltiplos domínios. Contudo, estas sociedades não valorizam esse potencial e, através de ideias culturais conservadoras, ideologia/ideia de subjetividade e da privatização da economia capitalista, criam mecanismos que colocam sistematicamente as mulheres numa posição inferior.
A história mostra a dinâmica da vida de uma sociedade para outra. Geralmente, a transformação social não é apenas explicada pela Sociologia, História e Antropologia, mas pode também ser analisada através da biologia e da economia política (instrumentos e modos de produção).
A mudança social manifesta-se na forma como surgem normas sociais e familiares que se tornam universais. Contudo, essas normas não criam uma vida de emancipação e equilíbrio: pelo contrário, erguem barreiras contra as mulheres. Estas limitações não são uma condição natural, mas sim construídas pelos homens — constituem uma privatização dos interesses do capitalismo patriarcal neoliberal.
Com o avanço contínuo da exploração, formou-se a natureza corajosa das mulheres. Muitos movimentos surgiram a nível nacional, regional e internacional para se oporem ao sistema cruel que caracteriza a sociedade androcêntrica. Estes movimentos afirmam-se no âmbito do feminismo (política feminista) — um paradigma que não nasce apenas da ideologia e da economia política, mas também do estudo crítico do direito, da cultura e da igualdade social.
O poder das mulheres não se demonstra através de métodos agressivos, mas pela força interior, resiliência e cultura. Esta coragem, que rejeita por completo os estereótipos, não significa replicar modelos masculinos, mas afirmar-se com racionalidade e com a epistemologia da luta feminista, adaptada à cultura da sociedade — para que possa ser analisada e, assim, contribuir para restabelecer uma sociedade verdadeiramente humana.
As mulheres não são meros objetos moldados pelos desejos dos homens, nem precisam de ser orientadas segundo os seus interesses. Este pressuposto, imposto pela sociedade androcêntrica como mentalidade de inferiorização feminina — seja sob definições de sexo ou segundo interpretações da biologia —, não é uma definição neutra: é influenciada por interesses sociais, culturais e de classe.
Além disso, o termo de género “masculino e feminino” não resulta de uma realidade natural ou permanente, mas de uma construção social que subjuga as mulheres segundo a cultura conservadora do capitalismo patriarcal. As mulheres não são vistas como sujeitos plenos, mas como instrumentos de produção de gerações e como servas no espaço doméstico.
Segundo esta visão, as mulheres são tidas como seres em dilema: sem força, sem responsabilidade, sem sabedoria e sem conhecimento, incapazes de se desenvolver autonomamente. Estas ideias são erradas e distorcidas, fruto da ignorância masculina, que cria uma mentalidade marcada pela exploração e pelo oportunismo.
É desumana a forma como uma mulher vive numa sociedade onde as condições que a afetam são mais frágeis do que as que atingem os homens. Esta desigualdade não deriva do monoteísmo da religião católica, nem do simples facto de a família constituir uma unidade social básica que desvalorize as mulheres. Também não é admissível dogmatizar os direitos das mulheres e a liberdade de expressão como algo absurdo ou desprovido de classe social.
A luta feminista deve ser sustentada por dois elementos: consciência pública e consciência pessoal. A consciência pública permite afirmações e ações concretas através de políticas e ideologias nas organizações, movimentos e partidos, consoante os objetivos definidos. A consciência pessoal forma o sujeito com conhecimento crítico e capacidade de análise através da psicologia feminista, contextualizando a realidade social.
Estes dois elementos introduzem a reflexão sobre as condições necessárias para garantir uma mentalidade feminina capaz de gerar poder. Recordo, por exemplo, quando estudava na universidade: acreditava que ali seria possível criar um currículo baseado no paradigma feminista para destruir o sistema patriarcal construído por manipulações masculinas conservadoras — mas a realidade contrariou essas expectativas.
Também na sociedade onde vivo, a mentalidade dominante vê as mulheres como pessoas de segunda classe, tanto na família como na comunidade. O que me surpreende é como o androcentrismo conseguiu hegemonizar o pensamento de homens e mulheres. Este sistema faz com que até mulheres que vivem na modernidade concordem, legitimem e reproduzam esta desigualdade, enraizada no ciclo de vida, na mentalidade colonialista e na lógica de invasão — um problema fundamental que devemos enfrentar para identificar falhas e alcançar uma sociedade assente na igualdade, na justiça e sem exploração entre seres humanos.
Quais são então as condições objetivas que podem incentivar a coragem feminina? E por que motivo devem as mulheres agir concretamente na luta? Lutam pelos seus direitos relativos e absolutos porque são mulheres, ou porque são humanas? Estas questões constituem uma reflexão crítica e uma alternativa para a consciência individual.
Precisamos, por isso, de criar um espaço de resistência. Este espaço não se constrói através do confronto direto, mas através de novos paradigmas, tais como: Educação popular com política de género, ideologia e metodologia feminista nos currículos; Solidariedade, não limitada ao género, mas orientada para a emancipação da humanidade; Mudança cultural, que não elimina identidades, mas transforma mentalidades; Luta coletiva para enfrentar o poder do Estado e construir uma vida humanista.
A expressão “o poder enraizado na natureza das mulheres” não representa ilusão, telenovela ou paradoxo — mas uma condição material existente em cada mulher. Vivemos numa sociedade que orienta o nosso pensamento e crenças para a ideia de que o poder social, cultural, económico e político está concentrado nos homens. Assim, não é surpreendente que aceitemos ontologias contrárias à racionalidade humana. Precisamos, portanto, de redefinir a nossa posição para questionar as normas sociais através de ações concretas.
Para concretizar ações capazes de destruir o sistema patriarcal, são necessários diferentes métodos e estratégias — todos os instrumentos que possam convencer e reduzir a força deste sistema perverso. Ele não existe espontaneamente: surge de interesses de poder, económicos e políticos.
A luta das mulheres na modernidade, aproximando-se da pós-modernidade, não assenta num único paradigma. Possui múltiplas dimensões em vários aspetos, dependendo das condições que permitem a conquista da humanidade que vive na igualdade. Para isso, é necessário interiorizar mecanismos de luta que funcionem como uma doutrina — uma consciência orientada — e que, com liberdade útil e garantida, exijam coragem. A coragem não surge de repente: constrói-se através de um enquadramento adequado e transparente, conforme a natureza inerente a cada pessoa, especialmente às mulheres.
Não basta ter orgulho em ser mulher e aceitar meramente as palavras ‘mulher’ e ‘obedecer’. É preciso encontrar o significado filosófico dessas palavras — e compreender como elas produzem justiça ou injustiça na vida de cada pessoa neste planeta. Assim, um conjunto de forças femininas e masculinas progressistas na sociedade torna-se fundamental para incentivar a emancipação das mulheres, que é também uma missão de emancipação da humanidade. Para isso, é essencial construir um papel crítico na resposta à verdade e rejeitar a mentalidade anti-humanista conservadora e patriarcal.
Neste período, a dominação do sistema patriarcal/androcêntrico e o ostracismo social têm-se aprofundado, quase como se fossem genéticos. E esta sociedade não ensina as mulheres a tomar decisões; ensina-as apenas a ouvir e a obedecer. O direito autónomo da mulher enquanto ser humano desapareceu. A emancipação feminina deve ser uma prioridade na família, na sociedade, no Estado e em todas as escalas, desde o local ao global.
É tempo de promover uma mudança significativa nas mentalidades que criam classes sociais em múltiplos aspetos. É urgente destruir a mercantilização do corpo feminino no mercado (capitalismo). A força da luta corajosa nasce da força interior da mulher e do coletivismo, utilizando mecanismos de educação popular e estabelecendo um paradigma feminista claro nos currículos escolares e no ensino superior — garantindo, assim, que os direitos das mulheres sejam emancipados de forma inquestionável.
Elsa Bina Pinto da Costa é uma estudante dedicada e ativista em Timor-Leste. Participa ativamente na AJAR e é membro do grupo Jovem Defensor de Direitos Humanos (JDDU), bem como do movimento feminista FERA, contribuindo para a promoção dos direitos humanos e da participação juvenil na sociedade. O artigo de opinião foi editado por Maunelson Amay.

